“Covid-19 passou a ser descredibilizada pela população daqui, um processo que creio ser orquestrado também pelos nossos representantes e que trazem consequências para nós”, conta um morador de Olinda; Pernambuco apresentou na semana passada o índice mais alto de infecções em apenas um dia, desde setembro
Texto: Victor Lacerda | Edição: Nataly Simões | Imagem: André Borges/Agência Brasília
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A pandemia da Covid-19, o novo coronavírus, traz angústia e insegurança para as pessoas que pensam em quando poderão retomar a vida normalmente com a chegada da vacina. Com a imprevisibilidade de uma possível vacina para conter a disseminação do vírus, que já infectou quase 50 milhões de pessoas no mundo e totaliza uma média de 1.251.000 mortes, a dúvida de como dar continuidade a atividades cotidianas é uma constante, principalmente para a população mais pobre e que vive nas periferias.
Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE), só no estado já foram registrados 166.333 casos confirmados, sendo 147.778 recuperados e 8.732 mortes. Na sexta-feira (6), o estado pernambucano apresentou o índice mais alto de infecções em apenas um dia, desde setembro, totalizando 1.051 casos confirmados.
Os motivos para o aumento significativo de casos e a “normalização” da convivência com o vírus podem estar relacionados a um contexto desigual quando faz-se um recorte de classe.
O advogado e morador da Barreira do Rosário, na cidade de Olinda, Vinicius Castello, levanta algumas das possibilidades de justificativa da flexibilização da quarentena dentro de um contexto periférico. “Pude observar que, mesmo em tempos de lockdown, os moradores da periferia continuaram acordando cedo e pegando ônibus para trabalhar. Isso mostra um movimento que está diretamente relacionado à sobrevivência”, analisa.
“Vejo que há mais ou menos três meses a Covid-19 passou a ser descredibilizada pela população daqui, um processo que creio ser orquestrado também pelos nossos representantes e que trazem consequências para nós”, complementa.
Cenário semelhante analisado pela professora Aimée Soares, moradora do Morro da Conceição, na zona norte do Recife. “Eu mesma fui uma das pessoas que teve que voltar a trabalhar a pedido da escola. Lá na comunidade vejo muitos casos desse tipo. As pessoas não estão seguindo rigidamente os protocolos de segurança, pois passam cinco dias fora de casa para não perderem os empregos e, com isso, tem que se misturar com outras pessoas que não estão no âmbito familiar. No final de semana, muitos acabam abrindo mão de ficarem em casa para o lazer, como irem a praia, por exemplo”, afirma Aimée.
Questionada sobre a possibilidade da chegada da vacina, a expectativa da professora não é das melhores. “Tudo que envolve incentivos para a periferia demora para chegar. Acredito que a vinda da vacina não será de fácil acesso para nós. Além do tempo que vamos esperar, me preocupa a falta de informação dentro da comunidade”, pontua.
Desconfiança
A veracidade dos fatos e em qual informação confiar quando se trata da conscientização acerca dos perigos da Covid-19 é um dos pontos levantados como problemáticos de saúde pública pelo doutor em biotecnologia Marx Lima.
“Sobre as vacinas, têm aspectos que devemos ficar de olho. Do ponto de vista social, eu vejo as fake news e os grupos anti-vacina como grandes problemas, além das falhas de comunicação por parte até de órgãos oficiais. A vacina não é algo partidarizável, ela é feita com rigor e critério científico e é a ciência que cabe dizer se a vacina pode ser aplicada ou não, independente de onde vem”, destaca Lima.
Segundo o doutor, falta diálogo entre representantes políticos e a população para ressaltar a importância e a eficácia de uma vacina. “O país já apresenta queda de cobertura vacinal nos últimos dois ou três anos, o que era algo inimaginável para o Brasil. Antigamente, víamos as pessoas fazendo filas para receberem a prevenção. O brasileiro tendia a ver a vacina como um direito, como é algo que é dele. Estruturalmente, tínhamos um plano nacional de imunização, com campanhas de informação, referência para o mundo. Comparado a como estamos hoje, me preocupa o futuro nessas condições”, conclui.
Essa reportagem faz parte do Curva das Periferias, uma parceria entre o Alma Preta e o Nós, Mulheres das Periferias.