“A Énois trabalha com formações pelo Brasil hoje. A gente começou em São Paulo em 2009 e, a partir de 2020 com a pandemia, a gente teve a possibilidade, com encontros online, de sair de territórios do eixo Rio-São Paulo, ir para o Brasil e entender um pouco mais os movimentos que aconteciam no país”. É o que conta Sanara Santos, produtora-chefe de formação da Énois, à Alma Preta Jornalismo durante o Congresso da Abraji.
A Énois, organização de mídia sem fins lucrativos, funciona como um laboratório que trabalha para impulsionar diversidade, representatividade e inclusão no jornalismo brasileiro. Essa é uma das experiências de jornalismo que atua nas periferias e gera impactos para a população negra, ou é feito por pessoas negras, que esteve presente no 17° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Sanara Santos conta que atualmente a Énois tem uma rede de mil jornalistas, em que mais da metade são negros e de periferias. A organização trabalha com as grandes mídias, mas buscando orientá-las no campo da diversidade, com atuações sobretudo no fortalecimento de mídias independentes que estão nas periferias do Brasil.
“Na grande maioria, mulheres cis pretas são o nosso público. Há o mapeamento que a gente fez com 140 redações periféricas aqui de São Paulo e a gente também trouxe um dado muito massa de que a maioria é negra, com lideranças negras, então nossa redação é feita e cuidada por pessoas pretas. Na sua grande maioria homens ainda, mas o número de mulheres vem aumentando nessa tomada desses espaços da redação nos lugares periféricos, que é o trabalho da Énois”, pontua a produtora-chefe de formação da organização.
Sanara Santos durante Congresso da Abraji | Crédito: Fernanda Rosário/ Alma Preta
Neste sábado (6), a mesa “20 anos da morte de Tim Lopes: o que mudou na cobertura das periferias?” trouxe mais relatos sobre a experiência de mídias das periferias. Jéssica Pires, jornalista do Maré Notícias, conta que o jornal nasceu em 2009, a partir da iniciativa da Redes da Maré, e é um jornal comunitário que atua no Complexo da Maré – um conjunto de 16 favelas.
“Pensamos em um instrumento que possa fortalecer o processo de efetivação de direitos dos moradores, mas considerando também a autonomia dessas pessoas nesses processos, O Maré de Notícias surge muito nesse sentido de visibilizar essas potências, de escutar esse espaço de construção de narrativas, mas pensando em um jornalismo que também olhasse para a mobilização”, explica Jéssica Pires.
Sobre as dificuldades, Jéssica conta que o veículo faz um esforço muito maior para alcançar as pessoas. “Óbvio por conta de recurso. Hoje a gente entrega 50 mil exemplares na Maré por conta de uma estrutura organizacional que a Rede da Maré consegue garantir para esse veículo”, também complementa.
Samara Oliveira de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, também atua no jornal Maré de Notícias e também trabalha no PerifaConnection, plataforma de disputa de narrativas sobre as periferias e que possui coluna semanais em veículos de notícias. Ela conta que é a segunda vez que tem a oportunidade de vir ao Congresso da Abraji, chance de recarregar mais as energias de estar no caminho certo.
“Sobretudo quando falamos em pautas que a gente se identifica, que gostamos de cobrir, ainda mais trabalhando em um jornal comunitário que busca essa aproximação com o morador, que tem a responsabilidade social de ir contra a mídia hegemônica, contra o sensacionalismo e a exotização dos corpos pretos e como a gente tenta desmistificar tudo isso. É muito importante estar com gente inclusive muito referência do jornalismo antirracista e do jornalismo comunitário”, pontua a jornalista.
Em relação a mídias que destacam pautas positivas das suas comunidades, a jornalista Martihene Oliveira conta que o Sargento Perifa, do qual é idealizadora, é um coletivo de mídia independente e popular que busca resgatar a sensação de identidade, colocando a visibilidade para a comunidade Córrego do Sargento, situado no bairro da Linha do Tiro, Zona Norte do Recife – PE.
Criado em 2020, o coletivo atua em um bairro periférico e muito marginalizado e buscar ressaltar as boas histórias que encontram por lá. O coletivo hoje trabalha com 18 projetos, um deles uma rádio web. Também atuam ensinando crianças que querem ser jornalistas, que vão noticiando as histórias positivas da favela conforme as ações e os projetos vão acontecendo.
“Esse é o ponto principal começar a conscientizar a favela, primeiro fazendo com que as pessoas se reconheçam, porque quando ela se reconhece, se reconhece como preta, ela começa a analisar o seu espaço, seu território, ela vai vendo as perdas e ganhos daquele território. A partir desses incômodos, as pessoas vão entrando no Coletivo”, pontua Martihene, que esteve durante o Congresso da Abraji.
Dificuldades enfrentadas pelas mídias negras e de periferias
Carla Siccos, fundadora do Cdd Acontece – mídia comunitária da Cidade de Deus e adjacências no Rio de Janeiro -, também é uma das pessoas que passaram pelo Congresso. Ela conta que a maior dificuldade que enfrentam como jornalismo comunitário, além da questão financeira, é a segurança.
“Eu sou uma das poucas comunicadoras que mora dentro da comunidade e eu sei a barra que é, como é complicado. Hoje eu entendo o fato de muitos comunicadores de comunidade não estarem morando mais lá por conta da pressão que é. Muita gente acha que ter um jornal dentro da comunidade é abrir uma página no Facebook e sair jogando as coisas, mas não é. É uma responsabilidade muito grande que o comunicador de comunidade tem”, comenta Carla Siccos.
Em relação à experiência da Énois, Sanara conta que a organização tem começado a ganhar destaque de uns anos para cá e principalmente por seu alcance nacional, participando também do Congresso da Abraji. É a primeira vez que falam sobre a cobertura da pauta trans.
“A maior dificuldade que a gente tem de estar nesses espaços é conseguir pautar periferia. A gente não está em um lugar onde os jornalistas são periféricos em sua grande maioria. A maior dificuldade é conseguir dialogar sobre uma realidade que não faz parte desses jovens sem trazer um ar esotérico para a pegada. Chegar em realidades que são diferentes das nossas”, explica.
Jéssica Pires, do Maré Notícias, conta que ainda sente que o alcance da pauta violência ainda é maior quando se fala de periferias. “Mudou muita coisa nesses 20 anos? Mudou. Eu acho que hoje a gente é convidado a estar em espaços como esse (Congresso da Abraji), mas eu acho que a favela ainda é esse lugar que vende mais marginalização, morte, violência, entretanto, estamos ali vendo coisas incríveis acontecerem”, explica.
Rene Silva também relatou outra experiência durante a mesa sobre cobertura das periferias no Congresso da Abraji. Fundador do Voz das Comunidades, ele falou sobre o jornal comunitário criado em 2005 no Morro do Adeus, no Complexo do Alemão. Segundo ele, o jornal surge para contrapor a narrativa da grande mídia, falando sobre pautas positivas que ocorrem dentro da comunidade também.
Rene Silva | Crédito: Fernanda Rosário/ Alma Preta
“O Voz surge com esse objetivo de mostrar o que está acontecendo dentro da comunidade, mas a partir do nosso próprio olhar, a partir de quem mora ali dentro do território”, conta.
“Temos obviamente todos os cuidados, porque a gente mora dentro de uma comunidade, mas que é dominada pelo tráfico de drogas, tem operação de policiais e todas as complexidades de viver em um lugar desse e fazer jornalismo e comunicação comunitária. Você acaba ficando em uma extrema vulnerabilidade se você não souber se colocar, se impor e trazer as pautas que gostaria”, ressalta.
Reflexões sobre o futuro
A jornalista Sanara Santos, produtora-chefe de formação da Énois, ressalta acreditar muito também na formação de um congresso que seja voltado para mídias independentes e periféricas.
“Se aquilombar. Muito mais do que a gente ir para outros quilombos e outros espaços, é trazer a galera que está na periferia pautando jornalismo para um congresso, para um congresso nosso com as nossas necessidades. A periferia é onde tem gente preta, é onde tem gente trans, onde tem gente pobre. É onde estão as diversidades que a gente pauta”, finaliza.
Leia também: Alma Preta é a primeira mídia negra com um estande no Congresso da Abraji