PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Ministério Público pede anulação de obra que pode afetar quase 260 famílias quilombolas

30 de junho de 2020

Ação civil pública aponta desrespeito aos direitos dos quilombolas do Pará e do Amazonas, que não foram consultados sobre a obra conforme prevê a legislação vigente

Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Cristino Martins/Agência Pará

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

A anulação da licença prévia concedida para viabilizar as obras de uma linha de transmissão de energia elétrica entre as cidades de Oriximiná e Juruti, no Pará e Parintins, no Amazonas, é um dos pedidos da ação civil pública formalizada pelo Ministério Público Federal (MPF).

A obra em questão pretende atravessar as terras quilombolas Muratubinha, Mondongo e Igarapé Açu dos Lopes, com implantação a 220 metros do Arapucu, territórios do Município de Óbidos, na região do Baixo Amazonas, no Pará. O empreendimento de energia elétrica pode afetar quase 260 famílias que alegam não terem sido consultadas sobre a obra. Também serão atingidas as comunidades ribeirinhas Santíssima Trindade, Livramento, São Lázaro e Santa Cruz.

A ação, assinada pelo procurador Hugo Elias da Silva Charchar, considera a licença prévia irregular e a classifica como uma “clara violação das normas constitucionais e infraconstitucionais que tratam de empreendimentos deste porte, sobretudo pelo flagrante desrespeito à Convenção 169/OIT (Organização Internacional do Trabalho), cujo status em nosso ordenamento é dotado de supralegalidade”.

O Ministério Público enquadra como réus o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), a Fundação Cultural Palmares (FCP), o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e as empresas Celeo Redes Brasil SA, Parintins Amazonas SA e Elecnor Brasil Ltda. A ação pede que os órgãos públicos sejam proibidos de emitir novas licenças às empresas e de prosseguir entrando nas comunidades para realizar estudos ou reuniões.

Uma das denúncias dos moradores das comunidades afetadas é que, sem consulta prévia e sem pedir sequer autorização, empregados envolvidos nas obras entraram diversos vezes nos territórios. Em caso de desobediência, a multa diária indicada é de R$ 100 mil.

Licenciamento ambiental

O processo de licenciamento ambiental em terras quilombolas passou a ser responsabilidade do Incra em março, mesmo assim, a Fundação Cultural Palmares concedeu em 26 de maio um parecer favorável ao empreendimento, alegando a impossibilidade de realizar a consulta por causa da pandemia da Covid-19 e a necessidade de garantir os prazos legais necessários à tramitação dos processos de licenciamento ambiental, permitindo a emissão da licença prévia para a linha de transmissão “230 kV Oriximiná-Juruti-Parintins”. Três dias depois, em 29 de maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) expediu a licença ambiental para a Parintins Amazonas Transmissora de Energia AS, uma empresa do Celeo Redes Brasil e Elecnor.

Para o Ministério Público, houve violação dos direitos dos quilombolas “pela própria Fundação que tem sua gênese na promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira. Isto porque, entende-se como inconcebível a anuência do órgão sem o término da consulta junto às comunidades quilombolas, pois impede-se que possam contribuir e indagar sobre o processo de licenciamento de forma ampla e plena”.

Na ação, o MP afirma ainda que “a Fundação Cultural Palmares acabou por violar sua própria função para qual fora criada, dando aval sem uma correspondência aos anseios das comunidades envolvidas”. Além de anular a licença prévia, o processo judicial iniciado em Santarém, no Pará, pede a anulação do parecer emitido pelo presidente da Fundação, Sérgio Camargo.

Recomendação desrespeitada

Em 18 de fevereiro, o Ministério Público Federal, em conjunto ao Ministério Público do Estado do Pará, recomendou o Ibama, a Fundação Palmares e a empresa privada Celeo Redes Brasil S.A uma suspensão de qualquer licença à Celeo para qualquer atividade referente à linha de transmissão até que fosse realizada a consulta prévia, livre e informada. A recomendação citou que, em reunião realizada no dia 19 de novembro de 2019, com a comunidade quilombola Arapucu foi relatado que a empresa estaria adentrando os território dos quilombos, retirando medidas e inserindo marcações, sem qualquer tipo de autorização da comunidade. Contudo, as recomendações não foram cumpridas.

Em nota enviada ao Alma Preta, o Ministério Público Federal informou que a decisão final cabe à Justiça. Não há um prazo para a decisão, mas o MPF pediu urgência. Enquanto não houver decisão judicial nesse sentido, não há impedimento para que o processo de licenciamento – irregular, na visão do Ministério – continue.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia mais

PUBLICIDADE

Destaques

Cotidiano