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“Não filmem para não terem problemas”: quilombolas são ameaçados no Maranhão

Justiça federal havia sentenciado a obrigatoriedade do Incra delimitar os territórios quilombolas no Maranhão em maio de 2022; órgão descumpriu a determinação e ainda não fez o processo

Desmatamento com correntão em território de grupos quilombolas

Foto: Imagem: TV Quilombo

24 de junho de 2022

O Quilombo do Jacarezinho, na cidade de São João do Soter (MA), é alvo da invasão de fazendeiros ligados ao setor da soja. Com a presença de tratores, os invasores ameaçaram os moradores da região. A propriedade das terras quilombolas é garantida pelo artigo 68 da Constituição Federal.

“Pode chamar a polícia. Eu só quero que vocês não filmem, para vocês não terem problemas”, afirmou um dos invasores. Os fazendeiros ainda falaram que se for necessário, chamam a polícia porque eles estão certos e os quilombolas, errados.

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Os quilombolas relataram que têm tentado se mobilizar para denunciar a ação, mas têm esbarrado nas ameaças por parte dos fazendeiros, que estão há dias nos territórios. A região é composta por outros dois quilombos, Bacuri e Primeiro Brejo. A Secretaria de Segurança Pública do Maranhão diz realizar “monitoramento constante e diário na região”. Os quilombolas afirmam não terem viaturas da polícia na área.

“Estão acabando com nosso Território. Nós temos decisões a nosso favor, mas a polícia não faz cumprir. Estão ameaçando o povo e já estamos com quase metade do nosso território destruído”, contam os quilombolas.

Em 2020, o território havia sido alvo de ação do Ministério Público Federal, que entrou com uma ação na justiça para que o Incra, responsável por delimitar o território, executasse a obrigatoriedade legal da instituição.

No dia 27 de maio de 2022, o juiz Gustavo dos Santos, da Justiça Federal da 1° Região, sentenciou a ação em favor do pedido do MPF e determinou prazo de 12 meses para que as terras fossem delimitadas, sob pena de multa diária de R$ 2 mil. A justiça também determinou a retirada, de forma pacífica, das pessoas que promovem conflitos no território.

“O Incra também terá que realizar a interdição ou limitação administrativa das atividades, identificadas no interior da área ocupada pela comunidade, que não se relacionem com as atividades dos quilombolas, bem como quaisquer outros atos identificados como ilícito ambiental, esbulho ou turbação à posse da comunidade”, diz nota do Ministério Público Federal publicada no site da instituição. O texto também destaca a necessidade de se instalar “marcos físicos” para impedir novas invasões e placas com as informações sobre a ação judicial em questão.

Leia mais: Qual o caminho da titulação de terras quilombolas no Brasil?

O Ministério Público Federal, questionado sobre as novas invasões, reafirmou a sentença da justiça, que sinaliza o Incra como omisso, desde 2006, “quanto aos procedimentos administrativos necessários para a identificação, reconhecimento, delimitação e titulação das comunidades quilombolas da região, o que resultou na ocorrência de conflitos agrários”.

Em audiência de conciliação na Justiça Federal, o MPF pediu ao Incra que realizasse um relatório fundiário, elaborasse a planta e o memorial descritivo da área, bem como incluísse a demarcação na lista de prioridades do órgão. O Incra pediu um prazo de 30 dias para apresentar uma proposta e não retornou.

Em 29 de abril de 2022, momento anterior à decisão judicial, um líder quilombola da região foi executado, crime ligado à disputa de terras na área, segundo os moradores e a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão. Edvaldo Pereira Rocha foi assassinado e a polícia informou ter prendido o responsável e agora investiga os mandantes do crime.

O governo do estado do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Popular (Sedihpop), afirma desenvolver medidas para a prevenção e contenção dos conflitos agrários, com a meta de reduzir a violência na área.

Desde de 2015, existe um conselho responsável por mediar conflitos agrários, que analisou 731 casos, com 159 de modo ativo pós mediação. O relatório informa que 68 conflitos socioambientais foram mediados, sem judicialização ou ameaça das comunidades.

Há também um plano de proteção a defensores de direitos humanos, com 74 indíviduos como parte do programa. O governo estadual sinaliza a existência do Núcleo de Proteção de Povos e Comunidades Tradicionais, com a meta de mapear e cadastrar comunidades em todo o estado.

O governo sinaliza o decreto estadual 36.889/2021, que coloca limites aos licenciamentos ambientais em áreas de comunidades tradicionais. Há também um acordo judicial, em que foi aceita a proposta da Sedihpop, para analisar a existência de comunidades tradicionais em áreas de empreendimentos e a realização de consulta prévia sobre esses povos, caso sejam afetados, como manda a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Leia também: MG: quilombolas resgatados em condições análogas à escravidão dormiam em ruínas

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