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‘O dever deles era proteger’: familiares pedem justiça por jovem negro morto pela PM na Bahia

Victor Cerqueira, de 28 anos, foi morto durante operação policial em Caraíva (BA); família denuncia tortura e execução
Projeção de arte em homenagem a Victor Cerqueira, em Salvador

Projeção de arte em homenagem a Victor Cerqueira, em Salvador

— Reprodução

30 de maio de 2025

O jovem negro Victor Cerqueira Santos Santana, de 28 anos, foi levado por policiais e morto durante uma operação conjunta das polícias civil e militar em Caraíva, distrito de Porto Seguro (BA). Em entrevista à Alma Preta, familiares contam que a vítima foi retirada do município antes de ser morto.

Vitinho, como era apelidado, trabalhava como guia de turismo no local onde foi abordado pelos policiais. Segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), as forças de segurança estaduais e federais deflagavam uma ação contra um grupo envolvido com tráfico.

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Um dos procurados teria o mesmo nome que a vítima. No entanto, essa seria a única semelhança entre os dois.

Adriana Souza, pedagoga e prima do jovem, relata que ele estava trabalhando em uma pousada da região quando foi parado pelos PMs. Vitinho recebia turistas em um rio utilizado para transporte no local.

“Todo mundo fica ali na beira do rio. Era para ter sido levantado pelo menos a hipótese de ser um cidadão que está trabalhando. Mas não, o fato dele ser preto, condenou ele à morte ali mesmo. E ele não estava nem perto do cara. Ele estava do outro lado da rua”, explica.

Corpo de Victor foi encontrado com sinais de tortura, diz família

Quando a ação da polícia teve início, Vitinho teria levado o grupo de turistas para se proteger em um estabelecimento e saiu para checar se já era seguro sair. Souza conta que, segundo pessoas que presenciaram o momento, o jovem foi algemado e conduzido pelos policiais após dizer seu nome.

“Os relatos que ouvimos é que ele ficou de joelhos e aí perguntaram o nome dele. E imediatamente depois dele responder, disseram: ‘Então, se você sabe rezar, começa agora”, recorda a pedagoga.

No dia seguinte, colegas de trabalho e amigos começaram a procurá-lo. O jovem era esperado para uma celebração familiar de Dia das Mães. Quando os familiares foram informados do sumiço, a única informação disponível era que ele havia sido levado algemado pela polícia.

Após procurarem nas delegacias de Trancoso, Porto Seguro e Itabela, a família encontrou Vitinho no Instituto Médico Legal. De acordo com os parentes, o corpo estava muito sujo e com marcas na face.

Luzia Cerqueira, mãe da vítima, narra que entrou em choque ao se deparar com o estado do filho no IML.

“O rosto dele estava fundo, com parte da face quebrada. Eu olhei e falei: ‘Meu Deus, tem um buraco na face do meu filho’. Até então eu não sabia que ele tinha sido torturado”, desabafou.

Policiais militares da Bahia ao lado de viaturas (Reprodução/Polícia Militar da Bahia)

Filho único

O guia é descrito como um rapaz amável, trabalhador, familiar e afetuoso. Mas, durante uma entrevista ao programa Balanço Geral, um agente do 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM) declarou que a pessoa morta na operação teria atirado contra os policiais.

“Uma das coisas que a gente exige da polícia, é que eles venham a público dizer que Victor Cerqueira Santos Santana não era a pessoa que estavam procurando e que houve um equívoco. Um equívoco que ceifou a vida de um jovem de 28 anos, honesto e trabalhador, que deixa uma mãe que tinha ele como filho único. O dever deles era proteger. O dever deles era proteger, não exterminar”, ressalta a prima do jovem Adriana Souza. 

Comoção nacional

O caso de Victor Cerqueira gerou grande comoção. Nas redes sociais, o perfil criado para pedir justiça pela vítima possui mais de 20 mil seguidores. A petição on-line, que busca pressionar as autoridades pela responsabilização dos agentes envolvidos, já ultrapassa as 30 mil assinaturas.

Para dona Luzia, o apoio tem sido crucial para manter a força necessária para lutar.

“Isso nos aquece o coração, nos ajuda a ter força para lutar. Quando eu me deparei com aquela movimentação em Caraíva, vi que eu não estava sozinha, que eu tinha que fazer uma força de grito, entendeu? Lutando contra o racismo, contra a injustiça que fizeram com meu filho”.

Na terça-feira (27), uma projeção visual em homenagem a Vitinho foi realizada na escadaria da Igreja do Passo, no Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador, e reuniu mensagens de apoio.

Viaturas da Polícia Militar da Bahia
Viaturas da Polícia Militar da Bahia (Reprodução/PMBA)

Audiência Pública

Nesta sexta-feira (30), a letalidade da polícia baiana foi tema de uma audiência pública promovida pela Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPBA), na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador.

O evento discutiu o caso de Victor Cerqueira e outros dois episódios de assassinatos por policiais.

À Alma Preta, o advogado Rafael Rosa, que representa a família Cerqueira, informou que há um Processo Investigatório Criminal (PIC) do Ministério Público em andamento, além de um inquérito da Polícia Civil.

“Nós acreditamos que [a morte] tenha sido por confundirem Victor com outra pessoa que também usava o apelido ‘Vitinho’. Esperamos que o ocorrido não entre para a estatística, e que de fato sejam punidos aqueles que cometeram este crime”, declarou Rosa.

O que diz a Secretaria de Segurança Pública

A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre a utilização de câmeras corporais pelos policiais envolvidos na ação, além de informações sobre a identificação e afastamento dos mesmos. Ao órgão também foi perguntado sobre o motivo da vítima ter sido levada para longe do distrito onde foi autuada. A secretaria não respondeu nenhum dos questionamentos.

Em nota, a SSP alegou que, na ação, dois homens foram atingidos após um confronto com os agentes, e uma terceira pessoa teria sido presa.

“A SSP destaca ainda que a ocorrência é investigada pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar, como determina o procedimento em casos de morte em confronto com agentes do Estado”, diz trecho do comunicado.

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  • Verônica Serpa

    Graduanda de Jornalismo pela UNESP e caiçara do litoral norte de SP. Acredito na comunicação como forma de emancipação para populações tradicionais e marginalizadas. Apaixonada por fotografia, gastronomia e hip-hop.

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