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‘O esporte e a política caminham lado a lado’, diz advogado e influencer esportivo

9 de junho de 2020

Carter Batista, da página “essediafoilouco”, conversou com o Alma Preta sobre esporte, política e questões raciais

Texto: Juca Guimarães | Edição: Nataly Simões | Imagem: Neson Almeida

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Estimular que as pessoas busquem conhecimento e desenvolvam um pensamento crítico é um dos alicerces do perfil “essediafoilouco”, criado pelo advogado Carter Batista no Instagram para falar sobre uma das suas grandes paixões: o futebol. A página acumula mais de 1 milhão de seguidores em cerca de quatro anos de existência.

“Sempre deixei muito claro que a linha editorial da página não se limita ao futebol. Falar da vida social e da política me parece um caminho bastante natural”, diz o influenciador digital.

A ideia de criar a página surgiu logo depois do traumático 7 a 1 para a Alemanha, placar que eliminou o Brasil da Copa do Mundo de 2014. O advogado enxergou o momento como uma oportunidade de falar de forma mais profunda, plural e divertida sobre o futebol.

“O 7 a 1 não era nada frente aos problemas que a sociedade brasileira enfrentava na vida civil, na política e com a crise de representação, que persiste até hoje, fomentada por um mar de corrupção escancarada em todos os níveis de poder estatal. Na minha visão, o esporte e a política caminham lado a lado. Aliás, a vida em sociedade, em qualquer de suas manifestações, é indissociável da política”, sustenta.

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O digital influencer Carter Batista (Foto: Acervo pessoal)

A ampliação da temática esportiva e o aprofundamento em debates que mexeram com opiniões no mundo todo vieram à tona na entrevista do influenciador digital para o Alma Preta. Confira:

Alma Preta: Alguns seguidores criticam quando você fala de política. Qual a sua reação?

Carter Batista: O Brasil vive um momento de intensa polarização política e de intolerância de parte a parte. As pessoas cada vez mais querem ser ouvidas, mas não admitem ouvir opiniões contrárias. Esse é um caminho que acaba por encerrar as pessoas em grupos de aceitação de suas próprias teses e as afasta de visões divergentes. Não creio que essa conduta propicie o desenvolvimento do pensamento crítico. Assim, ainda que desagrade alguns em determinado momento, sigo fazendo aquilo que acredito, seja falando de futebol, de literatura ou de política.

Alguns clubes estão pressionando pela volta do futebol em um momento de crescimento da pandemia do Covid-19 no Brasil. O que você acha disso?

O Brasil me parece o único país do mundo que está prestes a relaxar as medidas de isolamento que nunca tomou. O Governo Federal, na pessoa do presidente [Jair Bolsonaro], nunca deu a resposta que essa crise pedia e os números frequentes de novas infecções e de mortes nos lembram a todo momento o quanto a situação é preocupante e está longe de ser controlada. Dessa maneira, tenho que o momento de se falar em voltar a jogar futebol deveria estar bastante distante. Eu entendo a preocupação das entidades, dos clubes e dos atletas, mas os riscos para a saúde pública, na minha opinião, deveriam falar mais alto nesse momento. O futebol vai ficar bem. O futebol pode esperar.

Qual a importância do futebol para o enfrentamento ao racismo? Como você avalia o cenário do racismo no esporte mundial?

Os últimos dias, com todo o movimento que surgiu nos EUA, depois do covarde assassinato de George Floyd, o assunto está em bastante evidência e pude perceber a adesão de clubes e atletas à causa da luta contra o racismo. O futebol acaba sendo um espelho da nossa sociedade, com a diferença de que os negros, graças ao seu talento esportivo, têm mais oportunidades no esporte do que em outras searas. Os atletas se tornam ídolos presentes do dia a dia das pessoas. Sendo assim, é de extrema importância a adesão dos clubes e dos ídolos nas causas sociais.

Como foi o seu processo de construção de uma identidade negra?

Nunca me senti diminuído ou rejeitado pela cor da pele. Então durante bastante tempo, eu passava ao largo dessas questões. Mas a maturidade e a leitura fazem com que a gente passe a enxergar as coisas como elas são. Durante a faculdade, a gente passa a notar, que de 40 alunos estudando Direito, havia eu e mais dois ou três negros. Nos escritórios de advocacia que trabalhei o número de estagiários e advogados negros não chegava a 5% do total. Em compensação, em todas as funções menos qualificadas lá estavam eles, limpando, servindo. Os negros no Brasil ainda precisam ser 10 vezes melhores e chegar na frente dos brancos, mesmo largando 500 anos depois deles.

E como isso reflete no seu trabalho?

Cada vez mais eu sinto a necessidade de colocar esse assunto em evidência, pois ao mesmo tempo em que existem essas questões estruturais da sociedade para serem resolvidas, nós ainda temos que enfrentar situações do racismo cotidiano.

O Brasil é repleto de craques e jogadores de grande talento e muitos deles são negros. Nos EUA, os craques se posicionam contra casos de racismo. Por que no Brasil não?

O futebol no Brasil ainda precisa resolver por exemplo o problema do treinador negro. Seguramente mais de 80% dos atletas brasileiros são negros, mas dentre os clubes da Séria A, apenas o Bahia tem um técnico negro. 100 anos depois do fim da escravização, o Brasil ainda é um país dominado por uma minoria e ainda tem uma dívida profunda com os negros que foram parcela importante de sua população e, consequentemente, de sua força de produção.

Até lá seguirá fazendo muita falta a participação ativa e o posicionamento dos ídolos do futebol contrários ao racismo, especialmente porque vivemos um momento de uma acentuada crise de representação em que as pessoas não encontram referências confiáveis entre os políticos.

Tem medo ou receio de ser boicotado financeiramente por empresas, patrocinadores e seguidores por se posicionar politicamente em favor dos direitos humanos?

Muito pelo contrário. As grandes empresas, as melhores delas, possuem uma grande preocupação com as causas sociais. Ser favorável aos direitos humanos é o mínimo que se espera de um ser humano.

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