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‘O indígena também deve ser incluído na pauta antirracista’, diz advogada e ativista

19 de junho de 2020

Juliana Guajajara explica que combater o racismo contra os indígenas perpassa também pelo reconhecimento da existência desses povos tradicionais em toda a diversidade

Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Arquivo pessoal de Juliana Guajajara

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Com o assassinato do afro-americano George Floyd e as recentes mortes de jovens brasileiros, todos negros e pela polícia, o combate ao racismo ganhou as manchetes do mundo inteiro. No Brasil, a população indígena destaca que o racismo não exclui e invisibiliza somente os negros. Os indígenas também sofrem historicamente com ataques à sua cultura, língua, religiosidade, e até na autodeclaração de suas identidades.

“O racismo contra nós vem mascarado, não fica muito evidente porque sequer sabem o que é ser indígena. A construção da estrutura conseguiu apagar boa parte de nossas histórias. Somos povos, assim como o povo preto que sofreu e ainda sofre violações. Se a pauta antirracista tem como sua essência a luta contra todas as violações seculares, isso também nos inclui”, afirma a advogada e ativista Juliana Guajajara.

Nas redes sociais, Juliana costuma abordar o apagamento das pautas indígenas e da vulnerabilidade a que esses povos foram expostos. “Sabemos que o racismo é histórico e estrutural. Nós sofremos violações há 520 anos. Os colonizadores chegaram para dominar, extrair e saquear tudo o que este pedaço de terra tinha para oferecer. Isso inclui a nossa mão-de-obra que foi utilizada compulsoriamente nos primeiros anos desta chegada, fomos pessoas escravizadas e ainda hoje sofremos resquícios irreparáveis desse triste episódio. As nossas desigualdades são enormes”, pontua a advogada.

JulianaGuajajara2A pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, tem mostrado o quanto a situação dos indígenas é delicada. A crise afeta o modo de vida e a forma como as comunidades nas aldeias se organizam. De acordo com a Coordenação dos Povos Indígenas da Amazônia (COIAB), 50 comunidades já foram atingidas e estão de luto por seus anciãos e guerreiros.

“Eu chamo essa pandemia de peste branca. É muito mais letal para povos originários e para o povo preto. Se nós que vivemos nas cidades não temos anticorpos para combater este mal, imagina quem vive nas aldeias”, diz Juliana.

Dentre as articulações para resistência indígena diante da pandemia, estão a bloqueio dos acessos, barreira sanitária e até uma campanha de financiamento on-line para amparo econômico de algumas comunidades. As ações variam de acordo com a realidade de cada povo.

“Há a questão delicada e política dos Yanomami. É um povo que sofre com a invasão de garimpeiros em seu próprio território. Estima-se que seja cerca de 20 mil garimpeiros invadiram as terras e contaminaram o povo. Isso é muito triste e essa doença acomete os mais velhos, justamente os que detém mais saberes sobre a cultura. Não temos livros, filmes, temos nossos tamuis (mais velhos)”, recorda a advogada.

Formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Juliana Guajajara nasceu na cidade do Rio de Janeiro, onde seu pai mora desde a infância e onde também estudou Direito. A advogada nasceu na Aldeia Lagoa Comprida, Jenipapo dos Vieiras, no Maranhão. A mãe, pedagoga, não é indígena. “Meus pais contribuíram na articulação para ocupar uma terra em Campo Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro na década de 1990 e, assim, eu nasci. Nasci na luta, numa ocupação de terras, com muito orgulho, assim como tenho muito orgulho dos meus pais”, conta.

A ativista destaca que no Brasil há centenas de povos que perpetuam seus usos, línguas, costumes e tradições. Para ela, combater o racismo perpassa tanto pelo reconhecimento dessa diversidade quanto pela eliminação dos estereótipos. “É muito comum ouvirmos os termos ‘índios’ e ‘tribos’. Estes termos apagam a nossa pluralidade. Eu não sou ‘índia’, sou tenetehara e me sinto ofendida quando me chamam de ‘índia’. Isso demonstra que quem fala só conhece a visão romântica de um “’índio’ que não existe e nunca existiu”, analisa.

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