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O negro e as desigualdades sociais em 130 anos de abolição

11 de maio de 2018

Educação, mercado de trabalho, política, violência, condições de moradia e saúde sinalizam a falsa abolição

Texto / Thalyta Martins
Imagem / Jornal de Todos os Brasis

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Em 13 de maio de 2018 serão completos 130 anos da assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão. No entanto, após o término dessa página da história do Brasil, pessoas negras que vinham trabalhando de graça por muitos anos foram ignoradas na composição da classe trabalhadora remunerada e não tiveram apoio do Estado para a compra de terras e estabelecimento de uma vida digna. Em contrapartida, políticas públicas foram criadas para dar privilégios à classe dominante e para o financiamento da vinda de imigrantes europeus para trabalharem no país.

Por exemplo, a Lei de Terras, criada em 1850, tinha como objetivo definir a compra como o único meio de conseguir terras e foi, desse modo, a legislação que regulamentou a propriedade privada no país. O dinheiro de tais propriedades financiava a entrada de imigrantes no Brasil, visto que o tráfico de pessoas sequestradas de suas terras passou a ser proibido em âmbito legal no mesmo ano. Os imigrantes, na maioria portugueses, vieram e configuraram mão de obra para a lavoura que exportaria diversos produtos, entre eles o café.

Pesquisas apontam que no começo do século XX, 92% dos trabalhadores industriais na cidade de São Paulo eram estrangeiros, sobretudo de origem italiana. Ideais racistas apontavam pessoas negras como subdesenvolvidas e menos aptas para certos trabalhos.

A ideia de miscigenação como um processo de branqueamento também foi difundida pela raça branca, refletindo o pensamento de que uma sociedade só seria desenvolvida se tivesse o padrão do homem branco europeu.

Esses processos apresentam consequências até os dias de hoje. Mais mascarado, o racismo continua presente e ainda operado por pessoas, organizações, políticos, professores, pessoas do cotidiano, o seu vizinho, o segurança do shopping, apresentadores de televisão, médicos, entre outras. Democracia racial nunca existiu de fato.

Na educação

O número de pessoas analfabetas no país em 2015, de acordo com o relatório “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça”, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), é de 9.161.529 negros e 3.610.111 brancos.

De acordo com dados de 2014 do IBGE, a taxa de frequência escolar entre adolescentes de 15 anos era de 70,7% entre brancos, 55,5% entre negros e 55,3% entre pardos.

No mercado de trabalho

Dados de 2014 do IBGE apontam que o desemprego no Brasil atinge 7,5% pretos e 6,8% pardos da população, enquanto esse indicador cai para 5,1% na população branca.

Pessoas negras também ganham menos do que a média no país. Segundo o Mapa da Desigualdade de 2017, brancos ganhavam, em 2015, o dobro em comparação com pessoas negras: R$ 1.589,00 contra R$ 898,00 por mês, respectivamente.

O trabalho infantil foi também contabilizado pelo IBGE. Os indicadores do órgão apontaram que o percentual entre pardos corresponde a 7,6% e a 6,5% entre pretos, ao passo que essa taxa entre brancos é de 5,4%.

Política

Durante audiência pública dos Direitos Humanos que aconteceu no Senado no dia 05 de abril de 2018, Tadeu Kaçula, presidente do Núcleo de Pesquisas Clóvis Moura, da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), citou dados que evidenciam a pouca representatividade negra nos espaços de poder no Brasil.

Segundo ele, dos 513 deputados federais, 24 são negros; e dos 81 senadores, apenas 3 são negros. Ele também falou dos 1.604 prefeitos negros entre os 5.570. Dos 57.838 vereadores, 24.282 são negros, apontou ainda. Para completar, não há governadores negros em nenhuma unidade federativa do Brasil e a mesma coisa vale para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

De acordo com Juninho Jr., presidente estadual do PSOL e fundador do Círculo Palmarino, aqueles que foram escravizados por mais de 300 anos nesse país foram jogados à própria sorte e tiveram que se esforçar muito para conseguirem sobreviver e chegar até aqui. E isso se reflete no processo da disputa política.

“A forma como o Estado brasileiro está organizado sempre foi pensada para manter os privilégios de quem sempre se lambuzaram do poder neste país. Desde as capitanias hereditárias até a república federativa, os processos de ditadura e democracias, ou pseudodemocracias, toda a estrutura do Estado foi pensada e organizada para manter os privilégios daqueles que exploram essa terra desde a sua invasão.”

De acordo com ele, isso é refletido na representatividade desses espaços de poder. A quantidade de negros, indígenas, mulheres, populações organizadas em grupos LGBTs, movimentos de bairros, sindical e demais grupos identitários e formas de sociabilidade deveriam estar representados nesse espaço.

Ele afirma, no entanto, que é difícil para negras e negros se inserirem nessa estrutura do poder, pois se trata de lógica que foi pensada pelo andar de cima.

Genocídio

O Atlas da Violência 2017 realizado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Segundo o estudo, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças.

Um dado do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência de 2017 aponta que mulheres negras entre 15 e 29 anos têm duas vezes mais chances de serem assassinadas no Brasil do que mulheres brancas.

Encarceramento

Dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), de 2017, evidenciam que a população carcerária do Brasil, a terceira maior do mundo, conta 64% de pessoas negras. Nas penitenciárias femininas, 68% é composto por mulheres negras.

Moradia

Resultados de uma pesquisa da organização TETO Brasil apontam que 70% dos moradores de favela de São Paulo são negros. É nas favelas onde mais morrem jovens negros, assim como onde estão as escolas públicas sucateadas e predomina a atuação quase nula do poder público, visível em aspectos como a falta de saneamento básico e de estrutura também na saúde pública.

Saúde

Dados do Ministério da Saúde indicam que a segunda causa de morte mais frequente entre a população negra é o homicídio. Para população branca brasileira, esta é a quinta causa de mortalidade mais comum.

De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), a população negra também sofre maior incidência de doenças evitáveis no Brasil. A entidade baseou-se em dados do Ministério da Saúde segundo os quais 55% dos casos de contágio pelo vírus HIV foram identificados em pessoas negras. Esse grupo também sofreu com 65,1% dos casos identificados de sífilis congênita e 57,5% de episódios de tuberculose, além de 21.554 entre os 31.064 ocorrências de hanseníase.

Outro dado é que quase 80% da população brasileira que depende do Sistema Único de Saúde (SUS) se autodeclara negra. Esse percentual mostra como a desigualdade social faz a população negra depende da atuação do poder público, que se mostra ineficaz – para não dizer ausente.

Causas e soluções

O racismo na sociedade brasileira é estrutural. Negar a existência dele é um passo significativo para não erradicá-lo, colocá-lo embaixo do tapete e ir pisando.

A falta vontade política dos grupos dominantes de abrirem mão dos seus privilégios históricos é veemente. Isso evidencia que a população não está tão mais evoluída do que em 1888.

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