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‘O racismo agora não é mais velado’: líder religioso protesta após ataque contra Iemanjá negra no Piauí

Em entrevista à Alma Preta, Pai Rondinele de Oxum defende a educação como forma de combater a intolerância religiosa
Imagem mostra os estilhaços de vidro do aquário de proteção da imagem de Iemanjá.

Foto: Reprodução

13 de junho de 2024

Os Povos de Terreiros do Piauí e a Articulação Nacional de Povos de Matriz Africanas e Ameríndia (ANPMA-BRASIL) denunciaram um ataque ao aquário que protege o monumento de Iemanjá negra, ponto turístico da Avenida Marechal, localizada em Teresina. O caso aconteceu durante a madrugada do sábado (8).

Em conversa com a Alma Preta, o cofundador e coordenador da ANPMA, Pai Rondinele de Oxum, ressaltou que o Piauí é o quarto estado que mais violenta as comunidades tradicionais de matriz africana. Neste cenário, a imagem serve para combater o preconceito que existe no imaginário da população.

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“Precisamos recontar a nossa história. Primeiro, esbranquiçaram as nossas imagens, as nossas referências. Iemanjá negra vêm para desconstruir isso, para mostrar que cultuar as religiões de matriz africana, é sobre falar de Deuses e Deusas que vieram da África. Simboliza a nossa representatividade dentro da ancestralidade”, pontua o líder religioso.

O pesquisador e presidente da CUFA Piauí, Valciãn Calixto, defende, em entrevista à Alma Preta, que o monumento de Iemanjá também deve ser visto como uma obra de arte e um importante ponto turístico que agrega na defesa inerente dos povos do terreiro. 

“Nós povos negros, em especial de matriz africana e de terreiro, sempre temos realizado a defesa da manutenção dos nossos costumes, da nossa espiritualidade, crença e diversidade. Então, se nós temos um monumento de uma orixá que cultuamos e esse monumento passa por vandalismo, intolerância, por violência, é atacado, é quebrado, o mais natural é que nós saiamos em defesa disso”, sinaliza.

“O Estado deve assumir essa responsabilidade também”

Para conter o avanço da violência no estado, um grupo de religiosos se reuniu com o secretário estadual de segurança pública, Chico Lucas, a secretária de relações sociais, Núbia Lopes, e a superintendente de igualdade racial do Piauí, Assunção Aguiar, durante a tarde da quarta-feira (12), na sede da SSP-PI.

A Comitiva representando os Povos de Terreiros formada por Mãe Ruthneia de Oyá, Pai Jorge de Omolu, Mãe Ozimar de Oyá, Cláudio Do Cigano Wladimir (filho do Templo Devlesa Avilan), Rose Santos (umbandista), além de Valciãn Calixto e Pai Rondinele de Oxum, solicitou apoio do Estado para conter os atos de intolerância e exigiram a devida punição aos criminosos.

“A gente nunca sabe quem é o culpado. É feito toda a perícia, mas os inquéritos são finalizados e arquivados, sem de fato identificarem um culpado. Há certos crimes que a gente vê que eles conseguem elucidar com tranquilidade, enquanto nós, que presenciamos pessoas assassinadas e terreiros queimados, não tivemos uma resposta da Justiça. O Estado deve assumir essa responsabilidade também”, explica Pai Rondinele.

Imagem: Aline Raquel/Seres

Dentre os encaminhamentos registrados, o secretário informou que vai solicitar celeridade nas investigações que apuram o vandalismo praticado contra o monumento e no inquérito que aborda os casos de racismo religioso nas redes sociais, ocorridos na inauguração da escultura de Iemanjá, em abril deste ano.

Na ocasião, pelo menos 30 perfis foram identificados e 28 pessoas foram ouvidas até o momento pela Delegacia de Direitos Humanos sobre discurso de ódio contra as religiões de Matriz Afro na internet.

Como forma de combater os crescentes ataques, Chico Lucas informou que será formado um Grupo de Trabalho para criar um Protocolo de Segurança de combate ao discurso de ódio contra as religiões de matriz africana e garantiu a instalação de câmeras de segurança para resguardar o monumento de Iemanjá.

“Não podemos conviver em pleno século 21 com pessoas que odeiam as outras simplesmente porque elas seguem uma religião. A gente tem que respeitar a vontade e a liberdade de todos. Vamos debater isso com muita seriedade para que isso não aconteça mais no Piauí e a que polícia apure todo crime que for cometido contra qualquer religião, em especial as de matrizes africanas”, pontuou o secretário em vídeo compartilhado com a Alma Preta.

Educação como forma de combater a intolerância religiosa

Além da segurança pública garantida pelo Estado, Pai Rondinele pontua que a educação é uma ferramenta crucial para combater a intolerância presente no Piauí. Em sua visão, a falta de implementação da Lei 10.639 por parte do Estado impede um avanço positivo.

“O racismo agora não é mais velado, as pessoas chegam a declarar o racismo, e nós percebemos isso no dia a dia. Isso também é uma questão educacional. É preciso discutir isso na sala de aula, porque se a gente não começar a plantar a semente agora, enfrentaremos situações ainda mais graves”, pontua. 

“É preciso levar [esse debate] para as escolas. Para discutir a liberdade religiosa e o respeito às tradições. Porque além das tradições, sempre tenho dito que não é só um espaço onde as pessoas cultuam a sua fé, mas também um espaço cultural, turístico”, diz o líder religioso.

Inaugurada em novembro de 2017, Pai Rondinele compartilha que a Praça dos Orixás cumpre esse papel de combate à intolerância religiosa na região. 

“Uma vez que uma criança, um adolescente for à praça, ela vê uma imagem de matriz africana e pergunta que imagem é aquela e o que ela representa. Nós temos lá, por exemplo, Oxum, Iemanjá e Exu, que as pessoas geralmente só tem ele como algo demoníaco. Precisamos contar que não é isso”, diz o líder religioso.

Para Valciãn Calixto, quando a pessoa ataca o monumento de um orixá ou ponto ligado às religiões de matriz africana, ela manda um “recado” de que queria atacar às pessoas que praticam essa fé. “Por isso, a gente deve combater a intolerância, conscientizar as pessoas e buscar a harmonia religiosa de todas as crenças”, conclui o pesquisador.

A reportagem tentou contato com o secretário estadual de segurança pública, Chico Lucas, e a secretária de relações sociais, Núbia Lopes, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.

  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

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