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Dia da Umbanda: único terreiro tombado no Pará enfrenta descaso do poder público estadual

Treze anos depois do reconhecimento, Terreiro de Mina Dois Irmãos nunca recebeu nenhum tipo de manutenção e acumula problemas estruturais
Imagem mostra a zeladora de santo, mãe Eloísa de Badé, com o interior do terreiro ao fundo.

Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

14 de novembro de 2023

O dia 15 de novembro é celebrado como o Dia Nacional da Umbanda. Apesar da data de festa, os afrorreligiosos no Pará não têm muito o que comemorar. Isso porque o centenário Terreiro de Mina Dois Irmãos, o mais antigo em funcionamento no estado e único tombado, enfrenta o descaso do poder público estadual.

Fundado em 23 de agosto de 1890, no bairro do Guamá, periferia mais populosa de Belém, o Terreiro de Mina Dois Irmãos foi tombado como território simbólico, de valor histórico e cultural para o Pará, pelo Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Cultural do Estado do Pará (Dphac), da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), na gestão da ex-governadora Ana Júlia Carepa (PT), em 2010. Naquele ano, o estado garantiu a revitalização do espaço.

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Treze anos depois, porém, o templo não recebeu mais nenhum tipo de manutenção. Conforme constatado pela Alma Preta, o espaço acumula problemas estruturais, como rachaduras no chão e nas paredes, infiltrações que aumentam durante o período chuvoso e causam surtos de cupins e partes da porta de acesso ao terreiro e vidraçarias das janelas quebradas. O resultado é que o acervo interno do terreiro, incluindo peças centenárias, também está sendo danificado. 

“Por conta dessas infiltrações, a gente está perdendo o acervo da casa, fotos e quadros se estragando, já perdemos colunas de madeira antigas, da época da mãe Josina, da primeira geração do terreiro. Na porta da rua, o meu filho de santo meteu um pedaço de alumínio, porque a madeira está se desfazendo. Na época de chuva, então, até dentro do nosso sagrado molha, encharca as paredes, escorre água, já perdi imagens de gesso do altar”, diz mãe Eloísa de Badé, ialorixá e zeladora de santo da casa. 

A reportagem teve acesso a ofícios encaminhados ao governo do Pará que solicitam atenção aos problemas do terreiro, mas sem retorno. Em agosto deste ano, por ocasião dos 133 anos do terreiro e após cobrança da Alma Preta, técnicos da Dphac/Secult realizaram uma vistoria técnica no local. Entretanto, segundo mãe Eloísa, até hoje a visita não teve um encaminhamento prático.

“A nossa casa é um terreiro centenário, tombado, que completou 133 anos este ano e o governo do estado faz pouco caso”, denuncia a mãe Eloísa de Badé.

Administração da casa não tem autonomia para realizar manutenções

Enquanto o estado não assume a responsabilidade pelo prédio tombado, os administradores da casa também não têm autonomia para realizar as manutenções necessárias em razão da tutela do governo. O historiador e pesquisador Danilo Barbosa, mestrando em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), acompanha a luta pela reforma do “Dois Irmãos” e diz que o terreiro fica de “mãos atadas” diante do descaso.

“O prédio tombado, embora ainda seja particular, fica com restrições, e não pode sofrer qualquer intervenção que apresente risco às características que fizeram o prédio ser tombado. Em 2010, ano do tombamento, teve uma reforma que deu vida ao espaço e permitiu que nós pudéssemos frequentá-lo até os dias de hoje. Porém, 13 anos se passaram e o terreiro necessita novamente de uma manutenção”, defende o pesquisador.

Descaso é reflexo do racismo

De acordo com Danilo Barbosa, o descaso pode ser reflexo do racismo religioso. “Por outro lado, a gente vê que o governo continua patrocinando festas religiosas com cifras milionárias. Uma busca rápida na Agência Pará aponta que o estado repassou R$ 2 milhões ao Círio de Nossa Senhora de Nazaré deste ano”, pontua.

“Com certeza o descaso com o ‘Dois Irmãos’ é um reflexo do racismo. Se fosse em qualquer construção de outra denominação religiosa tombada como patrimônio, já teria sofrido alguma intervenção para que a reforma saísse. No entanto, é um prédio na periferia do Guamá e de uma religião de uma matriz africana”, acrescenta Danilo.

Imagem mostra a mãe Eloisa de Badé posando em frente ao terreiro centenário.
Mãe Eloísa de Badé, ialorixá e zeladora de santo do Terreiro de Mina Dois Irmãos. Foto: Fernando Assunção/Alma Preta

Questionada se enxerga racismo no descaso enfrentado pelo terreiro, a mãe Eloísa de Badé diz que não sabe, mas que percebe que outras crenças religiosas e demais prédios tombados pelo estado recebem as atenções devidas. “Parece até que estamos pedindo um favor”, dispara.

O que diz a Secult?

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Cultura informou que, após a visita técnica, o Departamento de Patrimônio, Histórico, Artístico e Cultural (Dphac) elaborou um relatório para “avaliação de futuras intervenções no prédio, incluindo a criação de uma estratégia de preservação do patrimônio”. Questionada sobre mais detalhes da estratégia citada, a secretária não respondeu.

  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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