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Pará: crise na coleta de lixo em Ananindeua expõe conflito político e afeta quilombolas

Dívida milionária da prefeitura e disputa entre o prefeito Dr. Daniel Santos (PSB) e o governador Helder Barbalho (MDB) agravam a falta de coleta de lixo em bairros do município e impactam comunidades quilombolas
Imagem de lixos espalhados na rua em um bairro do município de Ananindeua, cidade do Pará. A região enfrenta uma crise na coleta de lixo.

Foto: Wagner Almeida/Diário do Pará

11 de outubro de 2024

A população de Ananindeua, na Grande Belém, sofre com a ausência da coleta de lixo em diversos bairros da segunda maior cidade do estado do Pará. De acordo com veículos locais, o serviço está irregular nos bairros Cidade Nova 1, 3, 4 e 7, Distrito Industrial, Paar, Guarujá, Maguary e Curuçambá há pelo menos uma semana. Em regiões como o bairro 40 horas a situação é ainda mais crítica, com coleta irregular desde março deste ano.

Segundo o portal municipal da Transparência, a Prefeitura de Ananindeua possui uma dívida com as empresas Recicle e Terraplena, que atuam no recolhimento de lixo na cidade, que ultrapassa R$ 29,4 milhões só neste ano. Ainda conforme o portal, a prefeitura só pagou integralmente os serviços de janeiro e fevereiro das duas empresas, e mesmo assim em parcelas e com atrasos de até sete meses.

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Após ser reeleito com 83,48% dos votos, o prefeito de Ananindeua, Dr. Daniel Santos (PSB), usou as suas redes sociais para abordar o assunto da coleta de lixo na região. Segundo o médico e político, uma das maiores empresas responsáveis pela coleta de lixo doméstico da cidade, que também presta serviço para todo o estado do Pará, “misteriosamente” diminuiu os serviços nos últimos dias e depois retirou os caminhões que fazem a coleta de lixo em Ananindeua.

“Tem um atraso, mas durante todo o último ano a gente vem pagando ela, todo mês”, disse o prefeito sobre a dívida. “Creio eu, que numa tentativa de nos prejudicar, ela saiu aqui do município”, acusou Daniel, ainda afirmando que entrou com uma ação judicial para que a empresa possa retornar a trabalhar no município.

O professor e ativista socioambiental Thiago Bessa, candidato à prefeitura de Ananindeua pelo PSOL nas eleições municipais de 2024, relatou em entrevista à Alma Preta que a situação dos resíduos sólidos no município é dramática e a dívida para as empresas que recolhem lixo já começou a afetar negativamente a cidade. O problema, no entanto, vai além disso.

“O problema não está somente em dívidas com as empresas, mas na forma como se pensa e se opera essa situação. Em geral, as empresas contrariam a própria lei deixando de fazer a coleta, enquanto a dívida se acumula integralmente, apesar do serviço não prestado, geram assim um círculo vicioso onde as pessoas não têm acesso ao serviço público de qualidade, isto porque na forma privatizada como vem sendo prestado, onde só se prioriza o lucro, o bem-estar da população fica em segundo plano”, apontou Bessa.

Segundo o ativista, o prefeito se negou a dar diversas entrevistas durante a eleição “para não se colocar como responsável por resolver esse drama e outros da vida de nossa gente”. Bessa ainda relatou que Daniel fez pouco ou quase nada para resolver o problema de coleta de lixo em Ananindeua. “A prefeitura deixa a cidade suja e quase sem saneamento, a população adoece e o atendimento médico falta ou deixa a desejar. Estamos à própria sorte”, diz.

O relato de Thiago Bessa vai ao encontro do depoimento de Elinaldo Caldas, morador do bairro 40 horas. O geógrafo e analista ambiental indica que a coleta de lixo no município está irregular desde março deste ano, e que a situação se agravou no segundo semestre, com a coleta ocorrendo de maneira inconsistente e sem um cronograma fixo.

“Agora, no mês de outubro, ainda não houve nenhuma coleta. Este problema não se restringe ao meu bairro; outros bairros enfrentam a mesma situação, porém, nas áreas periféricas, a situação é ainda mais crítica. Eu tenho uma sorveteria no bairro da CN8 [Cidade Nova 8], onde a coleta foi realizada apenas uma vez, no início do mês”, disse Caldas em conversa com a Alma Preta.

Quando questionado se o prefeito Dr. Daniel Santos deu algum esclarecimento à população sobre a situação, Elinaldo contou que, até o momento, nenhuma entidade ou órgão, como o Ministério Público, se pronunciou sobre essa questão. “Até mesmo a grande mídia parece minimizar ou omitir a gravidade do problema”, expôs o geógrafo. 

“A única resposta oficial veio em um vídeo publicado pelo atual prefeito reeleito, onde ele afirmou que o problema da coleta de lixo é consequência de perseguição política por parte do governador do estado, Helder Barbalho, que supostamente quer prejudicar sua gestão”, reitera Caldas.

Rompimento político afetaria Ananindeua

O Dr. Daniel Santos foi eleito prefeito de Ananindeua pela primeira vez em 2020, com o apoio direto do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que não só possui domicílio eleitoral na cidade, o segundo maior colégio eleitoral do Pará, como já a comandou entre 2004 e 2012. 

Em abril deste ano, Dr. Daniel trocou o MDB pelo PSB por supostos desentendimentos na formação da chapa que disputaria as eleições de 2024 e um suposto desgaste com Helder Barbalho, que agora o enxerga como adversário político. O que se especula é que, daqui a dois anos, o prefeito pretende concorrer a governador visando desbancar a hegemonia política do clã Barbalho no estado.

A disputa entre os dois políticos, segundo o prefeito recém-reeleito, estaria afetando a coleta de lixo em Ananindeua. Essa não é a primeira vez que o Dr. Daniel acusa ser prejudicado por Barbalho. Antes da insinuação da interferência do governador no serviço sanitário, ambos protagonizaram um conflito nas redes sociais.

Em maio, Dr. Daniel Santos revelou ter sido desconvidado de um evento promovido pelo governo do Pará na cidade administrada por ele. De acordo com Santos, a situação aconteceu durante um evento da assinatura da Ordem e Serviço (OS) para dar início a construção de dois viadutos em Ananindeua. Ele chegou a publicar um vídeo em suas redes agradecendo Barbalho: “Eu iria fazer isso de público, ontem, no evento, mas fui desconvidado a participar do mesmo”, afirmou na publicação.

Apesar das acusações contra o governador, outro fator pesa para a possível verdade do problema com a coleta de lixo na cidade: a dívida com as empresas de coleta. “Dados do Portal da Transparência contradizem essa narrativa, revelando que a prefeitura está com um atraso de quase 30 milhões de reais nos pagamentos a duas empresas responsáveis pelo serviço de coleta”, diz o morador Elinaldo Caldas.

Problema se estende a território quilombola com 172 famílias

O problema da falta de coleta de lixos em Ananindeua não se resume apenas à área urbana da cidade, mas atinge também aos territórios quilombolas da região. Em conversa com a Alma Preta, Vanuza do Abacatal, liderança do Quilombo Abacatal, localizada no município, denunciou a ausência de um serviço de coleta de lixo na região.

“Abacatal nunca teve uma coleta de lixo, nunca teve uma coleta seletiva. Nunca houve nenhum processo de cuidado nessa linha de cuidado com lixos, resíduos sólidos”, disse Vanuza, que concorreu à vereança da cidade pelo PT e está como vereadora suplente.

“No Abacatal nunca teve um projeto, uma proposta, nem de vereadores, nem do prefeito, que fosse resolver essa situação da coleta seletiva de lixo. Pelo contrário, é depositado na estrada, no ramal da comunidade, vários descartes de bota fora: resto de árvore, resto de construção e até mesmo outros lixos domésticos são jogados na estrada da comunidade”, prosseguiu Vanuza. “Então não há, nenhum incentivo, nenhum projeto, nenhuma proposta de vereadores e de prefeitos — nem atual ou anteriores — que fossem resolver essa situação no Abacatal. Somos 172 famílias sem coleta seletiva de lixo”, finalizou.

Problema sem resolução

Apesar da declaração do prefeito Dr. Daniel Santos, na última segunda-feira (7), regiões da cidade continuam sem previsão da normalização dos serviços. “Enquanto essas disputas narrativas e a desorganização persistem, a população é quem sofre as consequências, enfrentando problemas de saúde pública, como o aumento de pragas urbanas, incluindo baratas, moscas e ratos”, afirma Elinaldo Caldas, geógrafo entrevistado pela a Alma Preta.

Parte da população, segundo o ambientalista Thiago Bessa, segue encontrando outros meios, “como queimar ou descartar lixo em terrenos desocupados criando uma porção de pequenos lixões clandestinos pela cidade e piorando a qualidade do ar ao queimar os resíduos gerados”.

A solução improvisada do problema, no entanto, não é o ideal. “Essa situação torna insustentável a convivência nos espaços urbanos, com graves impactos no bem-estar da comunidade. Para mim e minha família, que trabalhamos com alimentos, fomos obrigados a contratar uma empresa privada para a retirada dos resíduos, devido à falha do serviço público”, finaliza Caldas.

A prefeitura de Ananindeua e a Secretaria Municipal de Saneamento e Infraestrutura da cidade foram procuradas pela Alma Preta para dar um posicionamento, mas não enviaram respostas até o fechamento do texto.

  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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