Pela primeira vez, o Brasil terá um mapeamento sobre racismo religioso a partir do levantamento de casos de violência contra comunidades tradicionais das religiões de matriz africana e do perfil das tradições de terreiros de todo território nacional.
Idealizado pela Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro) e o terreiro Ilê Omolu Oxum, o projeto “Respeite meu terreiro” vai traçar um ‘raio-x’ para revelar o racismo religioso que não é visível nas estatísticas oficiais, além de construir um panorama sobre os terreiros presentes no país, suas tradições e relações com a comunidade. A iniciativa tem apoio da organização internacional Race & Equality (Raça & Igualdade).
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“Os dados oficiais que temos a respeito do racismo religioso no Brasil se restringem às informações que foram registradas junto às delegacias. Estas informações estão severamente subestimadas e não contemplam atos rotineiros que sofremos no comércio, universidades, ambiente de trabalho e na vizinhança, e que em sua grande maioria, não chegam a gerar uma ocorrência policial”, explica Mãe Nilce de Iansã, coordenadora da Renafro e Iyá egbé do terreiro Ilê Omolú Oxum.
A religiosa também destaca a importância de provocar o debate sobre o racismo religioso diante da onda de violência de outros grupos religiosos contra as religiões de matriz africana.
“Os ataques e discursos de ódio contra a nossa religiosidade estão diretamente conectados com tudo o que ela representa, como legado de um patrimônio cultural deixado pelos africanos escravizados”, afirma Mãe Nilce.
Segundo o coordenador nacional da Renafro e babalorixá, Baba Diba de Iyemonja, a ideia da iniciativa é ilustrar, a partir dos dados, estratégias para tentar barrar o processo de racismo religioso em curso no Brasil, seja no âmbito social, político, judiciário e demais vertentes.
“O projeto vai criar dados, dando suporte para que os terreiros também possam se instituir já que uma das coisas que o judiciário utiliza para fechar as portas dos terreiros é o alvará de funcionamento. Se o terreiro não é instituído, isso já se torna um motivo”, pontua o babalorixá.
Membro do Batuque, representação das religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul, Baba Diba de Iyemonja explica que o termo “racismo religioso” é o mais ideal a ser discutido quando se trata de perseguições históricas a expressões de matriz africana e analisa com preocupação o avanço das pautas neopentecostais no atual cenário político.
“Essa é uma causa de todos, não só quem é de terreiro, mas também da sociedade que já era para estar compreendendo, respeitando e aceitando as práticas de matriz africana que estão presentes desde que o Brasil começou”, afirma o coordenador da Renafro, Baba Diba.
Coleta
Através de um formulário, a pesquisa vai coletar dados dos terreiros participantes, além de informações sobre casos de racismo religioso, grupos responsáveis por ataques aos terreiros, direitos dos povos de terreiro, entre outros. A previsão é que os resultados sejam divulgados no segundo semestre deste ano.
Os dados serão coletados até o dia 30 maio e os resultados serão fornecidos ao Ministério Público Federal, Comissão de Direitos Humanos (Senado Federal), Comissão de Direitos Humanos e Minorias (Câmara dos Deputados), Comissão Nacional de Direitos Humanos (OAB), Conselho de Direitos Humanos (ONU), Comissão Interamericana de Direitos Humanos (ONU) e Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA).
No Brasil, somente em 2021, 586 denúncias de intolerância religiosa foram registradas, um aumento de 141% em relação a 2020, que fechou com total de 243 denúncias.
Para Mãe Nilce, o levantamento traz uma urgência em se debater ações afirmativas e protetivas de combate à violência às religiões de matriz africana. “Temos um longo caminho pela frente ainda, mas estamos firmes em nossa luta, pois foi como aprendemos com aquelas e aqueles que vieram antes de nós”, completa a ialorixá.
Com parceria do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), o projeto “Respeite o meu terreiro” também prevê uma capacitação para líderes religiosos sobre direitos dos povos de terreiro e também para os profissionais da área jurídica. Além disso, também vai fornecer um espaço de comunicação para terreiros oficializarem documentos, por meio de uma consultoria jurídica gratuita oferecida pela organização internacional Raça e Igualdade.
Para participar da pesquisa, é preciso preencher um formulário disponível nas redes sociais da Renafro e Ilê Omolu Oxum. O levantamento fica disponível até o dia 30 de maio.
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