Após 32 anos, os trabalhos de identificação das ossadas encontradas na vala comum do cemitério Dom Bosco, em Perus, em São Paulo, chegam ao fim em abril. A vala foi descoberta no início de setembro de 1990 e os corpos seriam de pessoas perseguidas pela ditadura militar (1964 a 1985), presos políticos e vítimas da violência policial nas décadas de 70 e 80. Ao todo são 1.049 ossadas.
Desde que foi criado, em 2014, O CAAF (Centro de Antropologia e Arqueologia Forense) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) tem realizado o trabalho de identificação das ossadas, segundo um acordo de cooperação assinado pela Unifesp, o Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.
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Em junho, o CAAF terá que desocupar a sua sede, que fica no bairro da Vila Mariana, na zona Sul, porque o prédio foi vendido. As famílias dos desaparecidos na ditadura querem uma garantia de que as ossadas sejam levadas para um local adequado e que as análises de identificação sejam retomadas.
“Mas pra além dos presos políticos, nós discutimos o genocídio da juventude preta na época da ditadura e depois também através dessas ossadas. Porque muitos corpos, segundo a análise do CAAF, tem marca de execução de cima para baixo, movimento de defesa, com tiro na mão, o que pode indicar que foram vítimas de ‘esquadrões da morte’, grupos de policiais corruptos que aterrorizavam as periferias”, explica Camila Cardoso, da Agência Queixadas, especializada em turismo periférico e preservação da história do bairro de Perus.
O ex-deputado estadual Adriano Diogo, que foi perseguido, preso e torturado durante o regime militar, alerta para o prejuízo gerado por uma eventual interrupção dos trabalhos do CAAF.
“É o único laboratório no Brasil que faz este tipo de investigação de antropologia forense, tanto relacionado a crimes do passado como também mortes em tempos recentes, inclusive para localizar as pessoas desaparecidas”, pontua o ex-deputado estadual.
Adriano pondera que daqui a alguns anos, o próximo crime de violência do Estado na mira de investigação pode ser a atuação do governo durante a pandemia do Covid-19. “Como teve uma sub-notificação na ordem de 30%, porque as pessoas foram enterradas até sem a ‘causa mortis’, apenas com indicações vagas de moléstia infecciosa ou problemas respiratórios, muitas famílias vão pedir que seja feita a investigação para saber se houve erro no boletim de óbito. Esse tipo de investigação é feito num centro como o CAAF”, esclarece o ex-parlamentar, responsável pelo projeto de lei que determina a investigação das ossadas.
Em resposta à Alma Preta Jornalismo, a prefeitura de São Paulo informou que haverá uma reunião na próxima sexta-feira (18), com todos os representantes das entidades e grupos envolvidos com as investigações das ossadas de Perus, na sede do TRF-3 (Tribunal Regional Federal) para acertar o destino do material. De acordo com a prefeitura, em março deve ser divulgado alguns resultados do relatório dessas investigações forenses nas ossadas.
A Assessoria de Imprensa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo informou que o acordo firmado na Justiça Federal prevê ainda a construção de um memorial em homenagem aos mortos pela ditadura. Por sua vez, a Unifesp disse que tem um projeto de construção de um laboratório de Identificação Humana.