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Pessoas negras foram apenas 16% dos brasileiros na COP de 2022

Delegação das organizações observadoras e sociedade civil foram responsáveis por levar maior diversidade à Conferência Climática da ONU, com mais participação de mulheres, negros e indígenas
Ilustração mostra homens brancos e de terno na COP.

Foto: @sweetilustra/Alma Preta

5 de dezembro de 2023

Por: Fernanda Rosário  

As listas de presença da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), realizada em 2022 em Sharm El Sheikh, no Egito, volta a testemunhar a desigualdade racial ainda existente nos debates sobre meio ambiente e clima no Brasil. Segundo novo levantamento da Alma Preta Jornalismo, apenas 16,18% do total de 989 brasileiros que estiveram na conferência do ano passado eram pessoas negras. 

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Apesar de um aumento de pretos e pardos brasileiros na COP em comparação com o ano de 2021, quando houve 6,17% de representantes negros de um total de 665 brasileiros, esse grupo populacional ainda está longe de ser representado proporcionalmente a seu efetivo de habitantes do Brasil, com 56% de população preta e parda. 

Já diante da COP 28, que começou no dia 30 de novembro em Dubai, nos Emirados Árabes, a ativista climática Isvilaine Silva, assessora de engajamento e mobilização do Observatório do Clima, vê que a área de meio ambiente está começando a entrar em transição, mas sempre foi majoritariamente protagonizada e cercada de homens brancos mais velhos. 

“Desde a COP 26, vejo que tem começado a ter mais diversidade. A quantidade de mulheres negras tem crescido, porque começou-se a falar mais de racismo ambiental e de pautas interseccionais”, explica a ativista climática. 

“Acredito muito que nesse meio tempo a gente tem qualificado a nossa vinda para a COP e tem entendido que é importante estar dentro desse espaço. A soberania alimentar, a justiça climática não são temas  trazidos por homens brancos. Quem traz são pessoas que estão sofrendo por causa da crise climática”, complementa. 

Os dados indicam que pessoas brancas representaram 67,85% dos brasileiros na COP 27, além de 5,86% de indígenas e 1,92% de pessoas amarelas. No ano de 2021, durante a COP 26, esses números eram de 75,04%, 4,06% e 0,6% respectivamente. 

Além de apontar barreiras financeiras e de idioma, que dificultam a participação da população negra na conferência, Isvilaine explica que aumentar a pauta climática dentro do movimento negro é uma das estratégias para ampliar a participação de pessoas pretas e pardas na COP. 

“Hoje a gente já tem um movimento negro falando sobre crise climática, principalmente no viés do racismo ambiental, mas a gente precisa expandir ainda mais essa perspectiva pra ter pessoas negras discutindo adaptação, mitigação, perdas e danos, global stocktake, todas essas pautas que envolvem a COP”, destaca.

De acordo com o novo levantamento, de todos os brasileiros na COP 27, foram 48,94% mulheres, 50,76% homens e 0,3% pessoas LGBTQIAP+. Os dados desagregados por raça e gênero sinalizam para a hegemonia de homens brancos (36,7%), seguido de mulheres brancas (30,94%). 

As presenças de 6,87% de homens negros e 9,2% de mulheres negras e 2,12% de homens indígenas e 3,74% de mulheres indígenas mostram as dificuldades de acesso de determinados grupos ao encontro. Além disso, foram identificados 1,11 homens amarelos, 0,8% de mulheres amarelas, 0,2% pessoas brancas LGBTQIAP+ e 0,1% negras. 

Anualmente, a COP reúne representantes dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), as chamadas Partes, além de representantes da sociedade civil, imprensa, empresas e ONGs para pensar estratégias e provocar discussões sobre os impactos do aquecimento global.

Ao fim de cada conferência, a UNFCCC publica duas listas finais com o nome dos participantes que foram ao evento. A primeira com os representantes oficiais dos países signatários, que têm o poder de voto nas decisões, e a segunda com a sociedade civil e as ONGs, que vão como observadoras e têm espaço para provocar discussões e visibilizar problemas socioambientais de seus países. 

A partir das listas de presença disponibilizadas pela UNFCCC, a metodologia utilizada pela Alma Preta no levantamento foi a procura por brasileiros nos documentos e a pesquisa em redes sociais e sites públicos por imagens dos participantes e sua localização. Foi utilizada a heteroidentificação para descrever os brasileiros que foram à conferência, já que os documentos oficiais disponibilizados não apresentam a autodeclaração dos membros da delegação. 

A autodeclaração foi mantida em casos em que ela pôde ser encontrada nas redes sociais dos participantes ou em sites públicos quando se tratavam de figuras do poder legislativo ou executivo. A reportagem não localizou imagens de 8,19% dos participantes, que ficaram sem uma identificação racial.

Mais mulheres, negros e indígenas entre organizações observadoras da COP

O levantamento identificou que a delegação das organizações da sociedade civil e ONGs foi responsável por levar um maior número de mulheres e de pessoas negras em comparação com a delegação dos representantes oficiais e governamentais. 

Mulheres corresponderam a 56,9% da delegação das organizações observadoras, pessoas negras corresponderam a 20,12% e indígenas 10,15%. Já na delegação oficial do governo brasileiro, mulheres foram 40%, pessoas negras corresponderam a 11,78% e indígenas 1,07%. 

“Dentro da sociedade civil, acho que fomos conquistando espaço para entender que esse é o nosso lugar e a gente tem que estar aqui [na COP] para entender quais decisões estão sendo tomadas que vão afetar diretamente a nossa vida”, explica Isvilaine. 

A COP de 2022 foi a primeira em que foi observado o título não binário nos  registros da UNFCCC indicado como “Mx”, sendo que já era possível notar o uso do título “Ind.”, outro título não binário, desde a COP de 2021. Na COP  27, as únicas duas pessoas do Brasil que aparecem com esse registro foram para o evento pela delegação das organizações observadoras. Além disso, o levantamento constatou que outra pessoa que foi ao evento em 2022 teve, no registro de participação, o título de sua identidade de gênero respeitado, mas não o nome social. 

Na COP 26, de 2021, nenhum registro de título não binário apareceu entre os brasileiros, mesmo que o levantamento anterior da Alma Preta tenha constatado a presença de uma pessoa trans na delegação do Brasil. Na época, em resposta à reportagem, a organização do evento havia informado que estavam “aprimorando o sistema para permitir o registro além do binário”. 

Uma das pessoas que aparecem registradas com título neutro na lista de presença da COP de 2022, Gab Borges, mobilizador social no Engajamundo, não acredita que há uma discussão de gênero de forma realmente diversa na COP. 

“A pauta de gênero em intersecção com meio ambiente ainda é restrita à cisgeneridade. Aqui pontuo que é importante quando essa pauta está sendo discutida com outras variáveis como raça e território, mas é preciso visualizar gênero para além da binariedade entre homens e mulheres, pois existem identidades que estão no meio disso que são invisibilizadas e colocadas fora de qualquer linha de cuidado, seja pela ausência de políticas públicas, acolhimento, até a falta de referência”, explica.

COP 27 teve um espaço brasileiro só para a sociedade civil e organizações observadoras. Foto: Eduardo Carvalho/ BrazilClimateHub

Segundo Gab, a luta trans é muito solitária no meio ambientalista e há alguns fatores que confirmam isso, como a questão da segurança e do acolhimento. “Não acredito que a identidade de pessoas trans está segura na COP. A primeira porta que se fecha é a escolha dos países que são declaradamente contra a comunidade LGBTQIA+. Quando você coloca uma Conferência Nacional do Clima em um país que assumidamente desrespeita, violenta e mata pessoas trans, você já está dizendo quais são os corpos que podem e os que não podem participar das discussões sobre meio ambiente no mundo”, pontua.

“Não existe hoje investimento na pauta LGBTQIAP+ no terceiro setor, e isso fica muito claro quando falamos também sobre meio ambiente”, acrescenta Gab. “A própria ONU também não investe em políticas de segurança voltadas para a população trans. Não basta datar a minha existência na plataforma, é preciso que essa existência seja incluída e facilitada no espaço da COP”, finaliza.

Segundo a UNFCCC, o Código de Conduta da Convenção é observado em todos os eventos. A organização afirma que o assédio de qualquer forma por causa de gênero, identidade e expressão de gênero, orientação sexual, capacidade física, aparência física, etnia, raça, origem nacional, afiliação política, idade, religião ou qualquer outro motivo é proibido.

A Alma Preta entrou em contato com a UNFCCC para obter mais informações sobre as políticas de inclusão de pessoas LGBTQIAP+ e o uso do nome social durante a COP. Segundo eles, em conferências anteriores os participantes tiveram a possibilidade de escolher “Mx” como título de identificação e a ONU permite a inclusão de nomes sociais mediante solicitação. “Os participantes recebem assistência no Help Desk de Inscrições”, mencionam. 

O Ministério das Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente também foram questionados sobre as políticas de inclusão para aumentar a diversidade dos espaços de decisão na conferência. Até a publicação desta reportagem, não houve resposta.

Estados da Amazônia Legal aumentaram participação na COP

Ainda no levantamento, os dados de participantes levantados por estados demonstraram as diferenças de participação regional no Brasil. São Paulo liderou a composição de participação com 20,53% de representantes no total (203 pessoas). Ele foi seguido por Distrito Federal, com 14% da participação (139 pessoas) e Rio de Janeiro com 10,72% de participantes (106 pessoas).  

Os dados desagregados entre a delegação oficial do governo e a delegação da sociedade também revelam algumas diferenças. Na delegação governamental, a maioria das pessoas (20,56%) estavam no Distrito Federal, seguido pelo Mato Grosso (com 8,78% de participação). Já na delegação observadora, foram encontrados 31,8% de participantes em São Paulo e 14,56% no Rio de Janeiro. 

A COP 27, em 2022, foi a última do governo de Jair Bolsonaro e, de forma inédita, o Brasil levou três espaços diferentes para a conferência, o que evidenciou três visões diferentes de como lidar com o meio ambiente e as emergências climáticas. Os espaços foram divididos entre governo federal, sociedade civil e um totalmente dedicado aos estados da Amazônia Legal. 

Com um espaço único para representar os nove estados da Amazônia, este foi um ano em que a participação de pessoas da região teve um aumento. Em 2022, foram 238 representantes. Já em 2021, foram 143. O levantamento não encontrou a localidade de 37 pessoas que compareceram ao evento. 

De acordo com Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM Amazônia (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), nos últimos dois anos tem-se visto uma participação cada vez maior dos estados da região. “Esse movimento acredito que se deu pela falta de proatividade do governo federal naquela época que acabou deixando um vazio que foi percebido e ocupado pelos governos estaduais, com destaque para o Pará”, comenta. 

Para Ane, os estados estão se articulando cada vez mais, entretanto ela percebe que ainda falta a coesão do todo na pauta climática. “Alguns governos ainda veem a pauta climática com viés ideológico, o que os impede de entrar de cabeça nas discussões sobre mudanças climáticas e ter um bloco mais forte de governantes amazônicos com ações mais contundentes de combate às mudanças climáticas”, explica. 

Em 2023, o Brasil deve ter a maior delegação de sua história na conferência. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, foram registradas cerca de 2.400 inscrições, entre setor público, privado e sociedade civil para a COP 28. Do total, cerca de 400 são membros do governo. A inscrição não indica a quantidade de pessoas que efetivamente participam do evento. 

Mais sobre a metodologia do levantamento

Os dados de gênero levantados pela Alma Preta são baseados nos registros encontrados nas próprias listas de participantes da COP oferecidas pela UNFCCC, onde M., Mr. e Sr. indicam participantes masculinos, Ms. Mme e Sra indicam participantes femininos e Mx. e Ind. indicam títulos não binários. 

Ao longo da pesquisa manual por todos os brasileiros para a identificação racial, foi possível notar alguns casos errôneos em que os títulos com a identidade de gênero não compactuava com as menções públicas dos participantes e esses casos foram corrigidos, assim como foram retirados do levantamento nomes duplicados que constavam na lista final do evento. 

A Alma Preta reconhece que os números sobre participantes brasileiros na COP 27 também podem estar subnotificados, pois, até 2022, a UNFCCC não registrava em suas listas de presença a participação de pessoas com alguns crachás específicos: imprensa, “party overflow” (crachás a mais que as Partes signatárias da Convenção tem acesso), “Global Climate Action”, “UN and Specialized Agencies Overflow”, “Staff” e “Other (temporary and host country)”. 

A UNFCCC anunciou que, a partir deste ano, as listas de participação conterão todos os tipos de crachá. Anteriormente, participantes que não eram negociadores não eram listados de acordo com as práticas padrão. Entretanto, segundo eles, nos últimos anos, o número de participantes tem aumentado constantemente e o objetivo da participação tem se diversificado, com muitas atividades acontecendo paralelamente às reuniões de negociação principal. Por isso, “as mudanças que estão sendo introduzidas fazem parte dos esforços gerais da secretaria para aumentar a transparência da participação no processo de mudança climática da ONU”, explicam.

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