Na manhã desta quinta-feira (20), as polícias Civil e Militar da Bahia dispararam contra residências no território indígena Pataxó Barra Velha, na cidade de Prado, extremo sul do estado. Denúncias apontam que a ação foi truculenta e utilizou spray de pimenta e bombas de efeito moral contra a comunidade
Em vídeos registrados pelos indígenas do território, um grupo numeroso de policiais armados tentam avançar por uma barricada que os separa dos indígenas. Em seguida, é possível ouvir uma sequência de tiros e pessoas informando que há crianças no local.
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O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informou que a operação na terra indígena contou com ao menos 20 viaturas, policiais sem identificação e com máscaras, forte armamento e helicópteros. Os agentes teriam realizado uma espécie de varredura nas áreas retomadas pelos indígenas.
Ainda de acordo com a denúncia do Cimi, os Pataxós teriam identificado fazendeiros e pistoleiros entre o grupo que deflagrou a ação.
“Os policiais invadiram casas sem apresentar mandado ou qualquer sinal de respeito, tratando os indígenas como bandidos, usaram bombas e spray de pimenta”, diz trecho do comunicado da CIMI.
A Polícia Civil da Bahia (PCBA) notificou, em nota publicada nesta quinta, que a “Operação Pacificar” foi realizada pelo Comando Regional Extremo Sul e Companhias Especializadas da Polícia Militar da Bahia (PMBA), junto ao Departamento de Polícia Técnica.
Segundo a SSP-BA, a ação buscava cumprir 12 mandados de prisão e sete de busca e apreensão.
A pasta alega que a operação foi baseada em inquéritos que investigam a ação de “grupos de supostos indígenas armados” que utilizam o pretexto da retomada de seus territórios ancestrais para agir com violência e grave ameaça contra trabalhadores e proprietários rurais.
A Alma Preta questionou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) sobre o motivo das ordens de prisão para os indígenas de Barra Velha e sobre a utilização de câmeras corporais pelos policiais que deflagraram a ação.
A reportagem também tentou contato com o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), para saber quais medidas a pasta tomará para garantir a segurança no território Pataxó. Nenhum dos órgãos respondeu aos questionamentos até o momento da publicação. O espaço segue aberto para manifestação.
Indígena é morto em ataque a TI Pataxó
O território indígena Barra Velha é uma das três áreas reivindicadas pelas etnias Tupinambá de Olivença, de Belmonte e Pataxós, durante reunião com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) no dia 12 de março, em Brasília.
Um dia antes da reunião, em 11 de março, Vitor Braz foi morto durante um ataque contra a área da TI no Monte Pascoal, em Porto Seguro (BA). O indígena era morador da retomada Terra Vista, que integra a TI que aguarda demarcação.
Segundo Curupaty Tupinambá de Olivença, liderança indígena ouvida anteriormente pela Alma Preta, não há ações concretas das entidades de proteção aos direitos indígenas para proteger a comunidade atacada.
Ministério dos Povos Indígenas se manifesta
Em nota enviada à Alma Preta, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que acompanha com preocupação a situação na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal por meio do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (DEMED). O órgão ainda declarou ter solicitado informações sobre a decisão judicial deflagrada em 20 de março
A pasta ainda oficiou a Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público Federal e a Secretaria de Segurança Pública para assegurar a garantia de direitos para os indígenas do território. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), órgão ligado ao MPI, está acompanhando os indígenas detidos na delegacia de Teixeira de Freitas, na cidade de Salvador.
“O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) acompanha com preocupação a situação na Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal, no extremo sul da Bahia, por meio do seu Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (DEMED).
O Ministério solicitou informações sobre a decisão judicial e sobre a operação policial deflagrada na manhã desta quinta (20). E espera que eventuais crimes que tenham sido praticados no interior da Terra Indígena sejam esclarecidos e seus autores responsabilizados.
O MPI também declara a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), acompanha os indígenas detidos na delegacia policial Teixeira de Freitas. Além da equipe da Funai, os indígenas também estão sendo acompanhados pela Defensoria Pública do Estado.
Leia a íntegra da nota
Nesta quinta-feira (20), o Ministério oficiou a Defensoria Pública do Estado, o Ministério Público Federal e a Secretaria de Segurança Pública para assegurar que todos os direitos dos indígenas sejam protegidos.
Após a vinda da delegação indígena a Brasília, na última semana, os governos federal e estadual acionaram as forças de segurança para combater as organizações criminosas dentro do território indígena, em atendimento ao pedido das próprias lideranças.
Entre os territórios do sul e do extremo sul da Bahia, é prioritária de atenção pelo MPI a TI Barra Velha do Monte Pascoal, em função do histórico de conflitos e contexto complexo que resulta em graves ameaças e riscos à vida e à integridade pessoal dos indígenas.
O MPI condena qualquer ato de violência contra o povo Pataxó. Contextos como este, com múltiplas camadas de conflito, com envolvimento de organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas e movimentos ruralistas, exigem uma abordagem urgente e integrada das autoridades competentes para garantir a segurança e a justiça para os povos indígenas, especialmente os Pataxó, vítimas históricas de violências e violações de direitos.
O MPI enfatiza que a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas.
A TI Barra Velha do Monte Pascoal é um dos territórios que aguarda a definição da Comissão Especial de Autocomposição em torno do marco temporal, realizada no Supremo Tribunal Federal (STF). A TI aguarda a avaliação da redefinição dos seus limites territoriais. O reestudo de limites é vedado pelo art. 13 da Lei do Marco Temporal (Lei nº 14.701). Enquanto a constitucionalidade da lei permanecer em discussão no STF, essa lei permanece vigente. Na prática, trata-se de suspensão administrativa dos procedimentos demarcatórios, face à interpretação dada pelos governos anteriores em relação à tese do marco temporal.”
A reportagem foi atualizada no dia 24 de março, às 18h46, para a inclusão do parecer emitido pelo Ministério dos Povos Indígenas*