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Porto de Galinhas vive escalada de violência após criança ser morta a tiros

Heloysa Gabrielly, de apenas seis anos, foi vítima de suposto conflito do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e organizações do tráfico de drogas presentes no Litoral Sul; moradores denunciam violência policial na localidade desde o último dia 17 de março

Imagem mostra foto da criança, em seu aniversário, ao lado do bolo com a sua idade, 6 anos

Foto: Imagem: Reprodução / Internet

1 de abril de 2022

O balneário de Porto de Galinhas, localizado em Ipojuca, na região metropolitana do Recife, passa por uma escalada da violência desde a quarta-feira (30). A tensão aumentou na noite da quinta (31) e provocou pânico para moradores e comerciantes da localidade. Tudo começou quando uma menina de 6 anos morreu após ser baleada na Comunidade Salinas.

Segundo relatos, a criança andava de bicicleta no terraço da casa da sua avó, na Rua Esperança, na Comunidade Salinas, quando foi atingida no peito por um tiro de fuzil. O disparo foi identificado pelo pai de Heloysa, um jangadeiro conhecido na localidade, que presenciou a filha agonizando e revirando os olhos ao ser atingida. Revoltado com a violência na localidade, o pai, à imprensa local, afirmou que reagiu à atuação policial e denunciou que a corporação havia matado a criança.

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Como forma de reparação ao ocorrido, um dos agentes presentes na operação levou pai e vítima para a Unidade de Pronto Atendimento de Ipojuca, na altura da via PE-60, mas Heloysa não resistiu e morreu. O corpo dela foi encaminhado para o cemitério do Distrito de Nossa Senhora do Ó, também em Ipojuca, e sepultado na última quinta-feira (31). 

Para além do falecimento da criança, que abalou os moradores e a família, uma versão apresentada pela polícia também gerou indignação. Momentos após o ocorrido, agentes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) deram a versão de que teriam entrado na comunidade sob a justificativa de combate à violência de gangues e ao tráfico de drogas, estando em contexto de tiroteio quando a criança foi baleada. No entanto, testemunhas discordam da versão, afirmando que Heloysa teria sido atingida sem motivo. 

A morte de Heloysa Gabrielly pode entrar para uma estatística alarmante. Em levantamento realizado Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pedido da Folha de São Paulo, em 2020, entre 2017 e 2019, policiais mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes no país. 

A pesquisa ainda aponta que o número de mortes apresenta uma crescente. Em 2017, ano base da pesquisa, a morte por agentes representava 5% do total das mortes violentas nessa faixa etária; em 2019, o número pulou para mais que o dobro, 16%.

Protesto

Diante do cenário violento e de inconsistências da ação policial, moradores bloquearam a entrada principal da praia de Porto de Galinhas após o sepultamento da criança. Em protesto nesta quinta-feira (31), os manifestantes pediam por justiça para o caso e denunciaram a violência policial na região.

Até o início da manifestação, o local já contabilizava cerca de 12 horas de tiros, bombas, chegadas de viaturas e passagem de helicópteros dando ‘rasantes’ na casa dos moradores. Uma das denúncias seria uma tentativa da polícia de impossibilitar a comunicação e divulgação da situação cortando sinal de internet e telefone.  

Diante da situação, Ramos Oliveira, 31, morador da região denuncia que os moradores das periferias do município tem uma rotina marcada por desrespeitos e que isso não é recente. 

“Aqui nós contamos com um amplo histórico de violência de nossas comunidades, todo mundo tem um parente que morreu na suposta guerra contra as drogas, então, como se não bastasse essa tragédia, ela vem também lembrar a cada um de nós nossos lutos pessoais”, desabafa. 

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Até o início do protesto, nesta última quinta-feira (31), a população de Ipojuca denuncia vivência sob tiros, bombas, chegadas de viaturas e a passagem de helicópteros dando ‘rasantes’ na casa dos moradores (Imagem: Reprodução/Articulação Negra de Pernambuco – ANEPE)

Ramos complementa afirmando que o cenário, até então visto como “paradisíaco” para pessoas de fora, na verdade, vive uma realidade paralela ao que se é posto pela mídia. 

“Temos comunidades com milhares de pessoas vivendo nos espaços residuais enquanto resorts e empreendimentos ligados ao turismo tomam a paisagem. As drogas que servem como pretexto para invasão de comunidades e assassinatos estão também ligadas ao turismo, por toda a classe média consumidora de psicotrópicos. A diferença, em questão, é que nos espaços turísticos não existe qualquer fiscalização ou algum tipo de coibição”, finaliza. 

De acordo com informações repassadas pela Articulação Negra de Pernambuco (ANEPE), que acompanha a situação da localidade, os moradores pedem pela retirada do policiamento ostensivo de Porto de Galinhas e a devida investigação pelos abusos de poder, ameaças, e assassinato das crianças e jovens da comunidade.

Movidos pela instabilidade na segurança local e como forma de protesto à violência e morte, comerciantes, barraqueiros, jangadeiros, bugueiros, ambulantes, mergulhadores, entre outros, se uniram à causa e cruzaram os braços. 

Nas redes sociais, algumas pessoas relataram “arrastões” pela cidade. No entanto, diversos comentários apontavam que o que havia ocorrido eram protestos pacíficios de pessoas indignadasque pediam, sobretudo, acolhimento jurídico. Uma denúncia de bombas lançadas pela polícia para “dispersar” a ação também foi feita. 

Leia também: Irmã de criança assassinada em conflito por terras presta depoimento

Ainda, segundo a Articulação, na noite desta quinta-feira (31), o governo do Estado de Pernambuco enviou mais 250 policiais para Porto de Galinhas. 

“Inúmeras denúncias estão chegando, de revistas vexatórias e injustificáveis contra famílias, inclusive crianças. A população de Porto continua clamando por justiça”, disparou a ANEPE. Em nota, a organização ainda lançou um questionamento: “Quem protege a população da polícia quando quem mata é a polícia?”, finaliza. 

O que diz a prefeitura 

Depois da publicação em respeito à família de Heloysa Gabrielly, a prefeitura, após pressão popular e manifestação nas redes sociais, apresentou um posicionamento sobre os casos de violência. A prefeita de Ipojuca, Célias Sales (PTB-PE), reuniu o Comitê de Crise e oficiou o governo do Estado cobrando providências para que a ordem pública e a segurança dos cidadãos e dos turistas seja restabelecida.

Além de lamentar a morte da menina, a gestão reiterou um canal de informações para o turista, feito pela Secretaria de Turismo de Ipojuca, um aplicativo intitulado “153 digital”. A preocupação com o turismo, uma das principais atividades econômicas beneficiadoras do município, também foi posta ao fim da nota.

“Se espera que os dias de paz voltem a reinar no maior destino turístico do Estado”, pontuou a prefeitura. 

Apoio da sociedade civil e parlamentares

Com informações publicadas pelo vereador de Olinda e também advogado, Vinicius Castello (PT-PE), o município de Ipojuca, desde a manhã desta sexta-feira (1), conta com a  comissão de Direitos Humanos, Advocacia Popular e Segurança Pública, todos da OAB de Pernambuco.

“Não se responde pela indignação popular com mais violência. É preciso prudência, escuta e compromisso para que este episódio tão aterrorizante não mais exista!”, complementou o parlamentar, em publicação.

A situação atual do município também comoveu lideranças políticas fora do estado. A deputada federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, Talíria Petrone (PSOL-RJ), classificou o cenário como “desumano” e pediu providências do estado. 

“A situação em Porto de Galinhas é desumana. Desde 17 de março a população tem sofrido com a violência policial. Ontem, uma criança de seis anos foi assassinada, e para impedir que a população se manifeste a polícia tem usado mais violência. Isso precisa acabar agora, @PauloCamara40! [mencionando o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB-PE)]”, publicou em seu perfil no Twitter. 

A vereadora mais votada do país em 2020, Erika Hilton (PSOL-SP), de São Paulo, afirmou, em suas redes, estar ciente da situação e que se disponibiliza para dar suporte

“Porto de Galinhas, em Pernambuco, sitiada pela Polícia. Terrorismo de estado acontecendo cotidianamente. Todo meu apoio à população local!”, publicou. 

Nas redes sociais, uma campanha por celeridade do processo de investigação do caso da morte da menina Heloysa e pelo fim da violência no município segue pela hastag #JustiçaPorHeloysa

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