Uma equipe do Plantão Integrado dos Direitos Humanos, liderada pela Coordenação de Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE), vinculada ao Governo do Estado da Bahia, identificou violações de direitos e trabalho análogo à escravidão durante as festividades do Carnaval de Salvador.
Os representantes do governo estiveram no domingo (1) nas imediações do circuito Dodô, principalmente no bairro da Barra, para escutar trabalhadores e trabalhadoras e verificar as condições de trabalho. A maioria das denúncias partiram de cordeiros e cordeiras.
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Além da violência institucional praticada pelos blocos contratantes, a categoria denunciou maus tratos por parte dos foliões dos blocos. Empurrões, entradas e saídas excessivas e agressividades estão entre os episódios relatados.
O Posto Avançado da Barra recebeu na madrugada de domingo (1) cinco cordeiras relatando episódios de violência praticados por foliões. Segundo as denúncias, a categoria não conta com nenhum suporte ou proteção nas equipes dos blocos.
Uma cordeira, que preferiu não se identificar, relatou que sai de casa todos os dias antes das sete horas da manhã e chega depois da meia-noite. Ela mora em Mata Escura e pega alguns modais para chegar até a Barra. Segundo a trabalhadora, o kit disponibilizado pelo bloco foi insuficiente para a demanda dos seis dias de carnaval: apenas um par de luvas para todos os dias e alimentos ultraprocessados.
Ela tem trazido água de casa, pois as quatro garrafas de 500 ml que o bloco oferece não dá conta da hidratação durante um dia inteiro de trabalho. “Ontem tomamos uma chuva danada e ficamos molhados, porque não ganhamos capa”, relatou.
Alguns elementos são observados para a tipificação de trabalho análogo à escravidão. Primeiramente, a questão do tempo. Jornada exaustiva, que envolve desde o deslocamento até o tempo de expediente, é um aspecto fundamental para entender se uma pessoa se encontra ou não exposta à condição de trabalho análoga à escravidão.

Baixa remuneração
Outro aspecto é a remuneração baixa ou inexistente. A baixa remuneração é avaliada tanto ao valor de mercado ou estabelecidos nos Termos de Ajuste de Conduta (TACs), instrumento de regulação do Estado, tanto em caso de descumprimento de acordo e contrato, ou seja, combinar um valor e pagar outro.
Condições degradantes de trabalho também são observadas na tipificação da violação. A equipe analisa se o trabalhador tem acesso à água e alimentação adequada, condições básicas de higiene e acesso a saneamento, como banheiros adequados, e se tem acesso a Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Se o trabalho de fiscalização excede os limites da privacidade do indivíduo e/ou tem um caráter de coerção, isso também aponta para um trabalho análogo à escravidão.
A coordenadora do COETRAE, Hildete Souza, explica que o Carnaval é um grande observatório para compreender as dinâmicas de poder que estruturam a sociedade.
“A situação do cordeiro e da cordeira é um retrato muito fiel da violência do que é a desigualdade social. Entre a corda e os foliões tem pessoas que estão em espaços e em lógicas totalmente diferentes. Além disso, a gente também precisa lembrar que por trás da festa, existe uma enorme estrutura de trabalho, muitas vezes degradante, para que todas essas pessoas possam ir para a rua, a exemplo das mulheres que cuidam das crianças para que os pais possam curtir”, contextualizou.
Trabalho degradante e racismo
Hildete reforçou ainda que não é possível pensar a questão do trabalho degradante sem considerar o racismo que ainda impera sobre a mentalidade das pessoas e que faz a sociedade legitimar e naturalizar a exploração do trabalho de pessoas negras.
A equipe do Plantão Integrado visitou as instalações de uma central que um bloco tradicional do Carnaval de Salvador destinou para receber os cordeiros. Ao chegar no local, a equipe encontrou trabalhadores na porta, reivindicando melhores condições de trabalho. Alguns não tinham dinheiro de transporte para voltar para casa, outros pediam água.
Os profissionais da equipe levantaram dados e contatos dessas pessoas e a COETRAE afirmou que vai acionar todos os órgãos responsáveis pela pauta do trabalho, em âmbito municipal, estadual e federal, para discutir medidas de proteção e reparação dos trabalhadores que tiveram seus direitos violados. Os casos identificados serão reportados às autoridades para que as empresas e órgãos públicos sejam responsabilizados.