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‘Puente Alsina’ e o cinema afro-argentino interseccional do século passado

O filme de 1935 do diretor afro-argentino José Agustín Ferreyra antecipa o movimento neorrealista e retrata a luta trabalhadores e mulheres em meio à construção da Ponte Alsina entre as cidades de Buenos Aires e Valentin Alsina
Gumer Barreiros, José A. Ferreyra e José Gola durante as filmagens de Puente Alsina (1935)

Foto: Reprodução/Negrx/Pagina 12

1 de junho de 2024

Por: Franco De Nunzio

O filme “Puente Alsina” (1935) revela o gênio visionário de José Agustín Ferreyra, pioneiro do cinema argentino e pai do cinema sonoro nacional. Com tons neorrealistas, retrata as lutas dos trabalhadores, o amor e a política, tudo isso tendo como pano de fundo a construção da icônica ponte.

O filme mostra como o diretor afro-argentino José Agustín Ferreyra foi um verdadeiro pioneiro e um dramaturgo inigualável em sua época. Podemos dizer, sem exagero, que ele estava pelo menos uma década à frente do neorrealismo italiano, filmando no local trabalhadores reais na construção da Ponte Alsina, a travessia do Riachuelo entre Pompeya e Valentín Alsina. O tango tocado por músicos que navegam pelo Riachuelo é a trilha sonora perfeita que reflete o conflito enfrentado pelos amantes: ela é uma mulher que está longe de entender o que é a vida na pobreza e a miséria diária.

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Lidia é filha do engenheiro responsável pela construção da Ponte Alsina. Quando é forçada a se casar com seu noivo Alfredo, ela foge do local e, posteriormente, é salva de cair no rio por Edmundo, um trabalhador que, sem pensar, se joga para salvá-la e lhe oferece asilo em sua humilde casa. Assim, eles se conhecem e Edmundo mostra a ela um vislumbre do que é viver para a classe trabalhadora. 

Além da comédia romântica, há uma subtrama política que reflete sobre os avanços do capitalismo naquela época. Um dos capatazes é convencido pela concorrência estrangeira a organizar uma greve para boicotar a construção da nova ponte, mas Edmundo, atento, levanta a orelha e secretamente fica sabendo do plano.

Puente Alsina também antecipa o peronismo. Ferreyra consegue dar visibilidade à luta dos trabalhadores e dramatizar o que significa a dignificação do trabalho. O eterno dilema do jovem ladrão e do garoto da classe trabalhadora com as cenas cômicas imperdíveis de Puente Viejo, um personagem cativante interpretado por Miguel Gómez Bao. Do outro lado da moeda, a consciência de classe de Edmundo confrontando o cipayismo de seu colega. Em um dos diálogos especialmente elaborados por Marcos Bronenberg, ouvimos na boca do inimigo “Money has no country” (“O dinheiro não tem pátria”, em tradução livre), palavras que ainda ressoam hoje, tão atuais quanto o drama causado pelo modelo neoliberal e pela especulação financeira em oposição à promoção de uma indústria nacional e popular.

Por último, mas não menos importante, Puente Alsina (e os filmes de Ferreyra em geral) torna visível a luta das mulheres, trazendo para a tela grande um melodrama com conotações cômicas cujo protagonista é uma mulher que se recusa a seguir o mandato masculino.

Pôster do tango de Benjamín Tagle Lara (1927)
Pôster do tango de Benjamín Tagle Lara, de 1927 (Reprodução/Negrx/Pagina 12)

Baseado no tango homônimo escrito por Benjamín Tagle Lara, em 1927, o artista afro-portenho consegue transmitir para o nitrato cinematográfico a nostalgia da “tradição que se perdeu” e a desconfiança que o progresso e a modernidade, personificados no novo Puente, trazem consigo. Uma filmografia altamente recomendável dos primórdios de nosso cinema nacional e popular, que não tem nada a invejar ao cinema estrangeiro daqueles anos, graças ao grande expoente que foi, é e será o mestre afro-argentino José
Agustín Ferreyra.

O filme completo está disponível no YouTube:

Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Negrx, parceiro da Alma Preta na Argentina, e parte do site do jornal Página 12.

  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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