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Quando a fome vira crime: prisão por furto de itens básicos dobrou em cinco anos em Salvador

Os chamados furtos famélicos são realizados por pessoas em situação de vulnerabilidade que necessitam de itens necessários para sobrevivência, como alimento, remédio e itens de higiene, por exemplo; maioria dos presos são pessoas negras

Imagem enquadra duas mãos que seguram um pedaço de pão

Foto: Foto: Shutterstock

12 de abril de 2022

Desempregada, grávida, em situação de rua e com três filhos para criar e alimentar, Patrícia* não teve outra opção a não ser o furto. Em janeiro deste ano, ela entrou em uma loja em um shopping de Salvador e foi induzida por uma mulher a furtar produtos de higiene. Em troca, ela receberia uma quantia em dinheiro para suprir a fome dos filhos.

No entanto, a esperança se transformou em desespero. Ao tentar sair da loja com uma mochila, Patrícia* foi abordada por seguranças da loja e presa em flagrante. Já a mulher que fez a promessa fugiu do local.

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Situações como a de Patrícia* têm sido recorrentes em Salvador. Dados da Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA) apontam que prisões por furtos famélicos dobraram nos últimos cinco anos. O furto famélico acontece quando uma pessoa em situação de vulnerabilidade furta itens necessários à sobrevivência, como explica o defensor público Pedro Casali, coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE/BA.

“É um furto motivado pela fome, necessidade básica de sobreviver. São furtos relacionados a alimentos, remédio, materiais de higiene, seja em estabelecimento comercial ou não, desde que não haja violência ou coação”, explica o defensor.

Em números absolutos, foram registrados 287 casos de prisões por furtos famélicos nos últimos cinco anos.

De 2017 a 2021, se comparado ao número de furtos gerais em Salvador, o número de prisões por furto famélico subiu de 11,5% para 20,25%. No ano passado, dos 237 casos de furtos gerais, 20,25% correspondiam a furtos famélicos. Em 2017, foram 554 furtos gerais, sendo 11,5% famélicos. Só nos primeiros dois meses de 2022, a DPE-BA já contabiliza seis furtos famélicos.

Das 287 casos de prisões por furto famélico, 25 pessoas foram mantidas em cárcere pela justiça. Já as demais tiveram as prisões flexibilizadas e respondem o processo em liberdade.

Segundo dados da DPE-BA, solicitado pela Alma Preta, das pessoas mantidas em cárcere, 16 pessoas eram pardas, 04 pretas e 05 não constavam a informação.

Números coletados pela Defensoria apontam que a população negra é a que mais se encontra em situação de vulnerabilidade, inclusive dentro do sistema de justiça.

Em 2019, das 5.153 prisões em flagrante, 97,8% do público preso foram pessoas negras. Quando observado o número de liberdade provisória, o percentual é quase igual entre pretos/pardos (50%) e brancos (49%), porém quando a medida é de prisão preventiva os pretos/pardos respondem por 41,4% do total e os brancos totalizam 33,7% destes registros.

“O perfil de 2020 é praticamente igual, senão piorado: 98% são pretos e pardos. Então, você vê que é uma realidade em que a população negra é a clientela da realidade das prisões brasileiras. Em Salvador, apesar de ser uma cidade negra, quando assistimos 98% de flagranteados negros, a gente percebe que não há uma proporcionalidade”, pontua o defensor Pedro Casali.

Conforme levantamento feito pela Alma Preta Jornalismo no site do Tribunal de Justiça da Bahia, a maioria das pessoas mantidas em cárcere são homens e 40% dos casos envolvem denúncias de furto em supermercados e lojas varejistas.

Para o caso de Patrícia* foi adotado o princípio da insignificância, que no Direito representa o entendimento de que a conduta não oferece nenhuma periculosidade social nem danos jurídicos expressivos.

“Para que haja uma insignificância, o poder judiciário, que faz a análise do processo, precisa analisar naquele fato, naquele contexto, se há uma ofensividade na conduta, o grau de reprovabilidade, a periculosidade da ação e se o bem jurídico furtado é expressivo ou inexpressivo”, explica o coordenador da Especializada Criminal e de Execução Penal da DPE/BA

Diante da situação de extrema pobreza, Patrícia* teve a liberdade provisória decretada e os objetos furtados foram devolvidos à loja.

“A gente entende que furto famélico é de responsabilidade do Estado brasileiro e dos governos e é fruto de uma ausência dos serviços públicos para dar conta da insegurança alimentar e o aprofundamento da fome”, pontua Pedro Casali.

*Nome fictício para preservar a identidade da assistida pela DPE-BA

Leia também: “O Brasil vive em situação de guerra”, afirma Coalizão em audiência federal sobre a fome

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