Na manhã da última quinta-feira (8), jovens do movimento negro Uneafro Brasil ocuparam a entrada principal do Ministério da Educação (MEC), em Brasília, para reivindicar mudanças no edital da Chamada Pública n.º 01/2025 do Programa de Apoio a Cursinhos Populares (CPOP).
A mobilização resultou na entrega de uma carta oficial ao secretário-executivo adjunto Gregório Durlo Grisa, com pedidos de reformulação no edital que, segundo os manifestantes, ignora a realidade de cursinhos comunitários e populares de todo o país.
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A ação teve como objetivo principal, segundo Stefany Lourenço, coordenadora de núcleos da Uneafro, pressionar o governo federal a atender às demandas dos cursinhos populares.
“Nossa ocupação teve a função de fazer a entrega de uma carta escrita por Uneafro e outros movimentos sociais que visa garantir que as políticas públicas sejam efetivamente implementadas e que atendam às necessidades dos estudantes negros, periféricos, quilombolas, indígenas e PCDs estudantes de cursinhos populares”, afirmou em entrevista à Alma Preta.
Críticas ao edital do CPOP
O documento entregue ao MEC aponta uma série de críticas ao edital, destacando que ele não dialoga com a realidade dos cursinhos populares. “O CPOP é uma oportunidade singular de construir uma política de transição educacional do ensino médio e ensino superior”, diz a carta.
Contudo, o formato atual da chamada pública, segundo o movimento, apresenta uma série de barreiras que dificultam ou inviabilizam a participação dos cursinhos populares. O prazo curto para envio de propostas é um dos principais entraves. O edital foi publicado em 14 de abril, oferecendo menos de sete dias úteis para a inscrição das organizações interessadas.
Entre os principais pontos levantados está o cronograma apertado para envio das propostas. O edital, publicado em 14 de abril, oferece menos de sete dias úteis para a inscrição, o que, segundo o movimento, inviabiliza a participação de cursinhos que precisam reunir documentação extensa, como declarações, projetos pedagógicos e parcerias institucionais.
A Uneafro pediu a suspensão do prazo atual, com reabertura por pelo menos 30 dias, e ampla divulgação oficial da nova data.
Falta de ações afirmativas
Outro ponto central das críticas diz respeito à ausência de critérios de avaliação que reconheçam e valorizem os cursinhos voltados à população negra, indígena e quilombola.
Embora o edital reconheça esses grupos como prioritários, a pontuação atribuída a propostas com esse perfil é a menor entre os critérios avaliados. “É desproporcional e temerário que a pontuação não trate da questão racial com o devido reconhecimento”, afirma o texto.
A Uneafro defende a adoção de cotas mínimas de bolsas destinadas exclusivamente a estudantes pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.
“O edital precisa deixar de forma mais explícita, bem como ampliar a pontuação para as organizações que historicamente constroem cursinhos populares destinados à população negra”, afirmou Stefany Lourenço.
Incompatibilidade com a realidade dos cursinhos populares
O edital estabelece como exigência um projeto político-pedagógico com no mínimo 20 horas semanais de atividades, sendo 12 horas presenciais. Para a maioria dos cursinhos populares, esse modelo não é viável.
Grande parte desses projetos funciona apenas aos fins de semana. Os estudantes atendidos costumam estar inseridos no mercado de trabalho ou em outras obrigações que os impedem de participar de atividades frequentes durante a semana.
“Como oferecer 12 horas de aulas em um só dia?”, questiona a carta. Segundo a Uneafro, essa exigência exclui não apenas os cursinhos, mas também os próprios estudantes que deveriam ser atendidos por essa política pública.
Outro critério apontado como excludente é a exigência de CNPJ. A informalidade, segundo a carta, faz parte da realidade desses espaços organizados por coletivos periféricos. A proposta da Uneafro é que o edital preveja alternativas, como o uso do CadÚnico, para permitir o acesso de cursinhos informais aos benefícios do programa.
Participação e construção coletiva
A carta também critica a ausência de diálogo prévio com as redes de cursinhos antes da elaboração do edital. Para os movimentos, essa ausência resultou em um documento que não reflete a realidade concreta dos cursinhos populares.
A Uneafro também contesta a proposta do MEC de fornecer materiais didáticos e formação pedagógica sem participação das redes populares. O movimento defende que esses materiais sejam produzidos com base na tradição da educação popular e com a contribuição de educadores dos próprios cursinhos.
A organização alerta para o risco de que empresas privadas, com fins lucrativos, venham a assumir essa produção. “Os materiais dirigidos aos cursinhos populares devem ser pautados na tradição da educação popular libertadora e nas contribuições do movimento negro”, destaca o texto.
Reivindicações da Uneafro ao MEC
Além da reabertura do edital com prazos adequados e revisão dos critérios de avaliação, a Uneafro e outras mais de 140 organizações que assinam o documento pedem a criação de um fórum permanente de acompanhamento e diálogo com o MEC, com participação direta das redes de cursinhos populares de todo o país.
O grupo também cobra que a produção de materiais didáticos e a formação pedagógica prevista no edital envolvam educadores dos próprios cursinhos populares. Para o movimento, esses conteúdos devem ser construídos com base na educação popular e no legado do movimento negro, e não por empresas que tratam a educação como produto.
“O CPOP precisa de mais cara de periferia e menos meritocracia”, afirmam os organizadores da ocupação. A Uneafro reiterou seu apoio à política pública de apoio aos cursinhos, mas reforçou que ela deve ser construída com quem atua historicamente nessa área.