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‘Queríamos ter um dia de lazer’, diz pai de família negra acusada de roubo em parque

O homem branco, que filmou a família negra dentro do Parque Ibirapuera, diz não ter notado o tom de pele das pessoas; família tentou denunciar o caso como crime de racismo, mas polícia registrou como injúria e difamação

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nadine Nascimento I Imagem: Ale Kormann/Fotos Públicas

Parque Ibirapuera, em São Paulo

Parque Ibirapuera, em São Paulo

— 22/05/2016- São Paulo- SP, Brasil- Arco-íros visto do lago do Parque Ibirapuera. Foto: Ale Kormann/ Fotos Públicas

13 de julho de 2021

Um casal negro passeava com os dois filhos no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo, quando foi acusado por um homem branco de roubar um celular. A família denunciou o caso como racismo, mas a polícia registrou como injúria e difamação.

Segundo o boletim de ocorrência registrado pela família no 27º DP, a acusação de roubo aconteceu por volta das 12h50 do dia 9 de julho. Vigilantes do parque chamaram a Polícia Militar e os objetos pessoais da família foram revistados. “Não sei de onde ele tirou aquela acusação. Somos uma família negra que queria só passear e ter um dia de lazer”, diz o pai, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

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O homem que fez a acusação se trata do professor e publicitário Felipe Teobaldo, de 34 anos. Ele filmou o casal e os filhos durante um passeio de bicicleta e afirmou ter visto quando eles receberam os aparelhos supostamente roubados. Na verdade, os celulares eram da família.

No relato ao delegado, o acusador diz que “teve a sensação de ter ocorrido um furto de celular e ficou atento”. Notou a família negra e viu que os rapazes (filhos) entregaram celulares e uma carteira. Ele então “pegou o seu celular e tentou tirar fotos” e depois começou a filmá-los. 

Ao perceber que era vigiado, o casal questionou o publicitário, que acusou a família diante de várias pessoas que estavam em volta. “Eu perguntei se ele estava nos chamando de ladrões e ele disse que sim. Somos humildes, mas somos honestos”, afirma o pai de família, que trabalha como promotor de vendas.

O publicitário Felipe Teobaldo mora nos Jardins, em uma rua paralela à avenida Paulista, uma das regiões mais ricas da cidade. Já o promotor de vendas, acusado de roubo, mora com a família no Parque Regina, bairro da periferia da Zona Sul.

Após o caso ganhar repercussão, Teobaldo desativou sua conta nas redes sociais, que contava com mais 30 mil seguidores. Ele não tinha autorização do Parque Ibirapuera para fazer fotos ou filmagens.

Outro lado

Procurado pela Alma Preta Jornalismo, o publicitário Felipe Teobaldo disse que não notou que a família era negra até o momento que foi questionado.  “Uma das pessoas que estava no quadriciclo se aproximou, tirou o boné, óculos, máscara e afirmou que eu estava sendo racista, pois o acusava de roubo por ele ser negro e, então, eu vi que realmente era uma pessoa negra. Eu já estava muito nervoso e repetia a ele que não vi ninguém sendo roubado – porque não vi nenhum roubo acontecendo. Mas aí muitas pessoas já haviam se aproximado e o tumulto estava formado”, lembra.

O publicitário também falou sobre os motivos que o levaram a suspeitar da família. “A impressão [que dá] quando falo que ‘segui’ estas pessoas é que foi uma eternidade. Foi tudo em uma questão de segundos. Os fatos: uma pessoa de bike ir até o quadriciclo, sem falar nada, sem pedir ‘segura pra mim’, ou algo assim, apenas entregar um celular e seguir. Logo depois, observei uma segunda pessoa de bike e também, sem falar nada, entregar outro celular e sair. Ainda depois, uma terceira pessoa de bike entregar uma carteira. Então não, não reparei até o exato momento em que tropeço, me justifico com a mulher em quem tropecei e, nesse mesmo momento, ele vem falar comigo e só aí vejo o tom da pele e a pessoa dele”, declara.

Por outro lado, a vítima afirma que houve motivação racial para a acusação e não teve nenhum pedido de desculpas, mesmo após terem mostrado que na mochila só tinha salgadinhos, roupas e pertences pessoais deles. “Até uma pessoa daltônica iria perceber a minha cor. Ele continuou acusando até a chegada da guarda”, explica.

Felipe contou à reportagem que pretende reparar a situação causada no parque. “Eu quero pedir perdão pelo tamanho da violência gerada a eles e pelo mal entendido, mas não fui racista. Eu quero buscar reparação por esse constrangimento porque compreendi o risco e o que significa para uma família de pai e filhos negros, ou para qualquer pessoa negra, ser sujeitada a uma situação vexatória”, diz.

Como denunciar

O crime de racismo é inafiançável e pode dar uma pena de até cinco anos. A injúria e a difamação são infrações consideradas de menor gravidade e podem ter pena de três meses a um ano mais multa. 

Na cidade de São Paulo, com uma população estimada de 12 milhões de habitantes, sendo 37% deles autodeclarados negros, existem oito unidades do Centro de Referência de Promoção da Igualdade Racial que acompanham e dão acolhimento às vítimas de racismo, discriminação, xenofobia e homofobia. Os centros têm advogados, psicólogos e assistentes sociais.

Se for de interesse da vítima, os advogados do centro, além de dar orientações, ajudam no encaminhamento do caso para a Decradi, delegacia especializada em crimes raciais, e para o núcleo da Defensoria Pública responsável por denúncias de crimes de racismo. Os centros de atendimento às vítimas de racismo estão divididos em dois na Zona Leste, dois na Zona Sul, um na Zona Oeste, dois na Zona Norte e um no Centro.

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