Busca por melhores oportunidades de emprego, renda e desenvolvimento educacional são apontados como alguns dos fatores que levam povos nordestinos e de demais regiões do país a migrarem para territórios centrais de desenvolvimento econômico do Brasil, como as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul.
As motivações por trás desses deslocamentos vão para além do que indicam pesquisas e levantamentos e revelam uma das faces do racismo estrutural, que desde o período da colonização se favorece da exploração de corpos negros em detrimento de privilégios, inclusive na construção de regiões que hoje são consideradas polos de desenvolvimento econômico nacional.
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“São as relações – ainda – bastante desiguais que marcam a história como um legado da própria experiência da colonização na escravidão. Tanto é que isso é transferido para um discurso que naturaliza o Nordeste como uma região de pobreza. Na mesma linha, a gente vai encontrar os estereótipos incidentes sobre o Nordeste, uma série de atribuições de cunho racial – não enunciadas explicitamente -, desde a tentativa de caracterizar aspectos fenotípicos supostamente característicos dos nordestinos como a ideia da cabeça grande, da cabeça chata até os diversos apelidos que transformam uma região bastante diversa em uma espécie de zona comum”, explica o pesquisador Samuel Vida, que atua no campo do Direito e Relações Raciais.
Desde o início da colonização na Bahia (1530-1822) até a transferência dos interesses econômicos para as regiões centrais do país, os povos nordestinos, compostos majoritariamente por negros, sofrem com os impactos das desigualdades territoriais, econômicas e sociais.
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A construção de um projeto para o embranquecimento da população brasileira e o deslocamento dos povos negros e indígenas para territórios marginalizados também são fruto da estrutura do racismo que impulsiona o movimento de migração que perdura até os dias atuais incide sobre os povos nordestinos.
“Por conta da própria formação social do país, os 400 anos aproximadamente de escravidão, nós temos na região Nordeste os maiores índices demográficos de população negra […] Então você tem esses elementos todos convergindo para a construção dessa ideia negativa sobre o Nordeste: ideia de atraso, de pobreza, de inferioridade biológica, tipológica, fenotípica, que vai alimentar todo um discurso supremacista que desloca – aparentemente – o eixo de supremacismo de raça para a região, mas essa é apenas uma forma sutil de expressão do racismo como fenômeno dinâmico que sempre encontra novas maneiras de se articular”, pontua o pesquisador.
‘Migração como sobrevivência’
Com a ampliação do modelo de produção capitalista e, consequentemente, a instalação de polos industriais no Brasil ao longo do século 20, o fluxo de migração interna no país se origina a partir de uma ordem econômica, onde famílias buscavam nas regiões centro-sul oportunidades de trabalho, moradia, estudo e sustento de familiares.
Dentro do contexto de migração de povos nordestinos para outras regiões do país também se destaca as condições de trabalho a qual essas populações são submetidas: em atividades análoga à escravidão, com cargas horárias abusivas e pagamentos inferiores ao trabalho exercido, levando ao adoecimento físico e mental provocado pelas estruturas do racismo.
De acordo com o pesquisador ouvido pela Alma Preta Jornalismo, a migração também deve ser analisada do ponto de vista de como esse processo se configura pelas circunstâncias políticas e econômicas que estruturam a história do país.
“A situação do Nordeste, desde o final do século 19, passou a ser de um certo abandono político por parte da República […] Isso produziu um cenário em que as oportunidades de desenvolvimento não foram devidamente orientadas para o Nordeste e para o Norte. O Centro-Sul, o Sudeste e o Sul concentraram a apropriação dessas oportunidades, combinando também com o discurso que vai atravessar – todo o século 19 e se consolida no século 20 – de descrença na capacidade civilizatória das pessoas negras e mestiças no Brasil. Nesse cenário, a migração passa a ser uma determinação de sobrevivência”, detalha.
Para Samuel Vida, é preciso que as instâncias de poder e de mobilização enxerguem o Brasil como um país diverso, complexo e multicultural. Segundo o pesquisador, o ideal seria o investimento em modelos de desenvolvimento que também vejam o Nordeste como um centro de formação econômica, tecnológica e cultural.
“É preciso pensar em um projeto policêntrico e isso certamente pode contribuir para que menos pessoas migrem por força das necessidades, que as migrações sejam limitadas à livre escolha e ao direito das pessoas circularem pelo território nacional conforme os seus anseios”, completa.
Este conteúdo é resultado de uma série de reportagens sobre Racismo Estrutural com o apoio do Governo do Estado da Bahia.