“O grande valor do conceito de racismo estrutural é a compreensão de que o racismo não é um desvio da estrutura, mas sim, a própria estrutura. É a ética pela qual se fundamenta de maneira estruturante as relações desiguais entre pessoas brancas e pessoas negras, ou indígenas”. A fala é de Bruna Rocha, doutoranda e mestra em Comunicação e Cultura Contemporâneas, e CEO da plataforma Semiótica Antirracista.
O professor, fisósofo e doutor em Direito Silvio de Almeida, uma das referências sobre o tema no país, define que “todo o racismo é estrutural porque o racismo não é um ato, é um processo em que as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade de determinados grupos que são identificados racialmente”.
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Para entender as raízes do racismo estrutural no Brasil e como essa história começou e se perpetua até os dias de hoje, de acordo com Silvio, é necessário revisitar os períodos entre o século 16 ao século 19, em que foi instituída a escravidão, marcada principalmente pela exploração forçada da mão de obra de negros e negras sequestrados do continente africano e feitos de escravos pelos europeus colonizadores no Brasil.
Os mais de 300 anos de escravidão no Brasil, condição que só chegou ao término por conta da resistência dos negros escravizados, somado ao interesse econômico internacional, deixaram marcas profundas de desigualdade em todas as estruturas de poder no país. Segundo o autor do livro “Racismo Estrutural”, essa desigualdade orienta e conduz, até os dias de hoje, as relações econômicas, sociais, culturais e institucionais do país.
“O racismo estrutural não é só uma questão moral, não é uma questão jurídica, não é uma questão somente econômica”, ressalta Silvio, em conversa com a filósofa Djamila Ribeiro, disponível no YouTube.
No período pós-abolição, em 1888, pessoas negras não tiveram acesso à terra, indenização ou reparo por tanto tempo de trabalho forçado. “Muitos permaneceram nas fazendas em que trabalhavam em serviço pesado e informal. Foi a partir daí que se instalou a exclusão de pessoas negras dentro das instituições, na política, e em todos os espaços de poder”, complementa o jurista.
O racismo estrutural também surge a partir de um pressuposto de superioridade de raças, onde a raça ariana (branca) é colocada em posição de maior importância em relação às outras, lembra “Fato que já foi biologicamente derrubado pela ciência e, ainda assim, persiste o racismo enquanto um processo histórico, que se baseia na opressão, na dominação e no acesso desigual às oportunidades e direitos”, considera Bruna, a mestra em Comunicação e Cultura Contemporâneas.
Racismo estrutural em números
Segundo Bruna, a violência institucional ou do Estado, insegurança, criminalização dos territórios, acesso ao mercado de trabalho e educação, em relações interpessoais, na relação das pessoas negras com a cidade e até mesmo nas ruas fazem parte do racismo estrutural. A desigualdade racial no Brasil persiste devido a fragilidade de políticas públicas para o seu enfrentamento. É o que diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com informações do instituto, os negros representam 70% do grupo abaixo da linha da pobreza do Brasil.
Já a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Educação) mostra que 71,7% dos jovens fora da escola são negros, e apenas 27,3% são brancos. O mesmo estudo demonstra a desigualdade de acesso à educação nos índices de analfabetismo: 3,6% das pessoas brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas em 2020, enquanto entre as pessoas negras esse percentual chega a 8,9%.
Quanto à violência, a chance de uma pessoa negra ser assassinada no Brasil é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. A taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros no Brasil em 2019 foi de 29,2, enquanto a da soma dos amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2, segundo os dados do Atlas da Violência 2021.
“Muitas vezes ele [racismo] pode vir apenas no olhar, em outras, em uma abordagem policial violenta. Pode vir num contexto de fome, de pobreza, de viver em um território ou casa que não tenha condições adequadas de sobrevivência, ou não ter acesso a lazer e cultura”, avalia Bruna.
A PNAD Contínua ainda aponta que o percentual de desemprego entre as pessoas pretas em 2020 foi de 17,2%, enquanto a dos pardos foi de 15,8%, ambas acima da média nacional (13,9%). Já a taxa dos brancos de (11,5%), ficou abaixo da média. A taxa de desocupação de 2020 cresceu 1,62 ponto percentual em relação ao ano anterior, mas entre pessoas pretas e pardas a alta foi maior, de 2,6 e 1,75 pontos percentuais, respectivamente.
Como combater o racismo estrutural?
No Brasil, existem leis que protegem a população negra juridicamente. A Constituição possui a Lei 7.716/1989, que torna inafiançável e imprescritível o crime de racismo, e o Art. 140 do Código Penal abrange os delitos de injúria racial. Contudo, de acordo com a doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Adriana Moreira, é necessário pensar em estratégias e instrumentos para combater efetivamente o racismo estrutural na sociedade.
“Precisamos entender os motivos dos meninos negros saírem mais cedo da escola do que os garotos brancos, por exemplo, ou porque negros morreram mais na pandemia, ou porque a polícia atinge mais os corpos negros do que os brancos. São questões fundamentais, que quando a gente discute a estruturação dos processos, constrói a racionalização das instituições e das relações institucionais e interpessoais, ajuda a pensar em possibilidades de desfazer os processos”, argumenta Adriana.
A ausência de negros e negras em cargos de lideranças nas maiores empresas do país mostra que o racismo estrutural atua em diversas dimensões e camadas, segundo a doutora Adriana. Ele estrutura a sociedade a partir da desvalorização e restrição de oportunidades de pessoas negros a na ascensão social.
Uma pesquisa do Centro de Liderança Pública (CLP), no entanto, aponta que seis medidas fundamentais podem ser adotadas para minimizar os efeitos do racismo estrutual no pais. O primeiro aspecto é reconhecer que o racismo é um problema estrutural e, diante disso, adotar uma postura institucional antirracista. O estudo mostra que a negação e naturalização do racismo são fatores que contribuem para a sua perpetuação. Dito isso, a luta contra a desigualdade racial não deve ser uma pauta exclusiva de um grupo formado por aqueles diretamente afetados, “mas um compromisso de todo e qualquer cidadão”.
A segunda medida eficaz, de acordo com a análise, é garantir representatividade de raças e etnias nos espaços coletivos de decisão, como conselhos e órgãos colegiados, a fim de deixar que as minorias nesses locais falem por seus próprios interesses, sem a necessidade de porta-voz. Além disso, o CLP aponta a promoção de atividades formativas com foco na redução de preconceitos e estereótipos de raça como essencial para fomentar o conhecimento e diminuir a desigualdade.
Outro ponto é incluir a diversidade de raça como um critério para a ocupação de cargos de liderança nas grandes empresas, criar programas de qualificação de preenchimento e coleta de dados sobre a população negra em geral e falar de políticas públicas transversais, a fim de enxergar que a realidade social é diversa e complexa.
Em termos práticos, de acordo com o estudo, uma política de redução de disparidades de renda e redução da pobreza, por exemplo, precisa estar associada a ações afirmativas em educação e de ampliação do acesso à saúde para que seja efetiva. “Logo, é necessário um olhar cuidadoso por parte dos gestores públicos e a atuação integrada de diferentes setores do Governo”.
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Este conteúdo é resultado de uma série de reportagens sobre Racismo Estrutural com o apoio do Governo do Estado da Bahia.