O Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) decidiu manter o processo penal de injúria racial que teria sido cometida por um homem negro contra um italiano branco que mora no Brasil. Na sexta-feira (24), a justiça negou um pedido do Instituto do Negro de Alagoas (INEG) para encerrar o caso e a ação continuará em trânsito na 1ª Vara de Justiça de Coruripe (AL).
Na decisão, o desembargador João Luiz Azevedo Lessa, relator do processo, argumenta que o crime em questão pode ser cometido por qualquer pessoa, seja qual for a cor, raça, etnia, já que o delito é caracterizado por “ofender a dignidade de alguém”.
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De acordo com o Instituto do Negro de Alagoas, que defende o homem negro, manter o processo de pé é uma grave distoção da lei que deveria coibir o racismo.
“O Art. 20-C da Lei nº 14.532/2023 estabelece que o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.
Segundo o INEG, faltam provas para dar continuidade à ação penal, já que a acusação é baseada em torno de conversas em aplicativos de conversa e não foram legitimadas por meio da ata notarial.
Relembre o caso
Em janeiro deste ano, o Ministério Público de Alagoas (MP-AL) apresentou uma denúncia de injúria racial contra um homem negro, baseada na queixa-crime de um italiano que disse ter ofendidas a “dignidade, o decoro, e a sua reputação em razão da sua raça europeia”.
Na peça inicial, a defesa do italiano menciona que as ofensas proferidas pelo acusado “denegriram a imagem e ofenderam sua honra subjetiva”, e cita como fato recente uma prisão sofrida pelo homem negro – na qual foi inocentado – há mais de 10 anos.
A justiça alagoana acatou a denúncia e tornou réu, por injúria racial, o homem negro que teria dito ao italiano: “essa sua cabeça europeia, branca, escravagista não te deixa enxergar nada além de você mesmo”.
Para o INEG, o homem acusado de injúria racial havia sido lesado pelo europeu em relação à compra de um terreno, e também possuía relação trabalhista com ele.
A defesa do homem negro avalia que a decisão do tribunal alagoano pode abrir um precedente perigoso ao desvirtuar a lei de injúria racial, que foi “criada para proteger pessoas negras e grupos historicamente discriminados do racismo, e não para puni-las”.
“Ao usar a lei para punir um homem negro de suposto racismo cometido contra um homem branco, de origem europeia, a ação admite a existência do ‘racismo reverso’, uma verdadeira aberração jurídica”.
Agora, o INEG estuda levar o caso para análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O início de tudo
Um mês antes do estrangeiro denunciar o brasileiro por injúria racial, o processado, a esposa e dois sócios haviam entrado com um processo cível na justiça de Alagoas contra o europeu, que havia vendido parte de um terreno e, após a conclusão do pagamento, negou a posse aos novos proprietários.
Pinçando frases de conversas de WhatsApp feitas ao longo da discussão sobre o terreno, o italiano e sua defesa apresentaram ao menos cinco processos criminais contra os sócios em um intervalo de sete meses. Para os advogados do caso, os processos foram uma tentativa de atingi-los e desviar o foco da ação do terreno.
Em audiência de conciliação do processo cível realizada na segunda-feira (27), foi pactuado um acordo para que o italiano devolva os valores pagos pelo terreno comprado e não entregue, acrescido de valor referente a benfeitorias e à impossibilidade de usufruto por parte dos compradores.