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Racionamento de água em cidades de PE expõe racismo ambiental

“Sinto como se fosse um processo de exclusão social, por não vermos essa situação nos bairros mais nobres”, avalia a diarista Tânia, que sofre com a falta de água em seu bairro enquanto observa abundância nas casas onde presta serviço 

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Agência Brasil/EBC

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12 de fevereiro de 2021

 A reivindicação por melhorias do saneamento básico entre as comunidades e regiões mais afastadas dos centros das cidades é recorrente em todo o país. No Recife, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a distribuição de água nos bairros da capital pernambucana e Região Metropolitana revelou que 50,9% da água tratada se perde no caminho até o consumo na residência. O desperdício se contrapõe à situação de alguns locais. Atualmente, a falta de água, com intervalos de até 20 dias, atinge milhares de famílias, principalmente de áreas mais periféricas, e reacende o debate sobre racismo ambiental. 

O órgão responsável pelo abastecimento no estado, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), em anúncio oficial feito no final do último mês buscou justificar a matemática dos dias com e sem água nas torneiras. De acordo com a Companhia, a questão está associada aos níveis baixos dos mananciais responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana do Recife (RMR), devido à falta de chuvas em 2020. A previsão estimada de precipitações foi inferior à média histórica para toda a região, o que resultou na alteração do calendário de abastecimento de dez municípios. 

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Para muitos usuários, a justificativa da Companhia para o racionamento só oficializou uma problemática antiga. Junto à nota divulgada via assessoria de imprensa, após coletiva sobre a alteração do calendário, a empresa apresentou uma tabela que relaciona os bairros, suas regiões e a quantidade de dias da distribuição de água. Bairros nobres da cidade, como Graças, Espinheiro, Torre e Madalena entram para o cálculo de um dia por um. Já bairros como Engenho Velho, Santo Aleixo, Fazenda Suassuna, Centro de Jaboatão, Bela Vista, Alto da Fábrica e Vila Piedade – todos localizados na Região Metropolitana do Recife, em Jaboatão dos Guararapes – podem passar até vinte dias sem verem uma gota d’água. 

Em regiões como Água Fria, na Zona Norte do Recife, a falta de continuidade na distribuição já acontece não é de hoje. Os moradores tiveram que se adaptar à dinâmica de receberem água em um intervalo de quatro dias, continuamente, já há anos. Moradora há mais de trinta anos da comunidade, Tânia Maria, revela as dificuldades diárias.

“Aqui, a gente termina lavando roupa durante a noite. Tenho que chegar do trabalho e, por muitas vezes, ainda carregar água da cacimba. Além dos dias que a água chega de madrugada, o que faz a gente não descansar para não perder de reservar para os outros dias”, denuncia a moradora.  Para Tânia, a construção do calendário atinge um recorte sócio econômico, percebido em uma dicotomia da vida em casa em relação ao seu dia a dia no trabalho. 

“Sinto como se fosse um processo de exclusão social, por não vermos essa situação nos bairros mais nobres. No meu trabalho mesmo, por exemplo, atuando como diarista, convivo com essa diferença. Duvido que isso aconteça em bairros mais centrais. Não acontece”, reflete. 

Para Maria Betânia Barros, presidente do Instituto Gueto, organização que objetiva trabalhar o racismo ambiental em Pernambuco, a situação de falta d’água é um problema crônico nas periferias da Região Metropolitana do Recife, como em Olinda. 

“Entra ano e sai ano e a situação é a mesma, alimentando o comércio cada vez mais caro dos carros-pipas. Diversos grupos e coletivos comunitários têm se organizado para cobrar o fornecimento regular de água e também de doações para quem está em situação de maior vulnerabilidade. Como é que você vai limpar a casa e manter a higiene sem água?” questiona Betânia. 

Em nota solicitada pela Alma Preta Jornalismo, a Compesa afirmou que a alteração no calendário aconteceu também em virtude da previsão da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) e seu monitoramento contínuo dos mananciais. Como resposta, a empresa afirma que intensificou os investimentos em ações para dar suporte aos sistemas de abastecimento da Região Metropolitana.

“Desde o ano passado, foram planejamos investimentos a curto, médio e longo prazo para esse período, e, de imediato, estão sendo investidos cerca de R$ 20 milhões em ações para ampliar a oferta de água e para trazer mais segurança hídrica aos sistemas. Entre os investimentos, estão em curso serviços para reativação e perfuração de mais de 30 poços na RMR, que representam novas captações, incremento de produção e melhoria da distribuição da água. O trabalho começou ainda no ano passado na área dos morros da Zona Norte do Recife e seguirá sendo executado em outras áreas da capital e nas cidades de Goiana, Abreu e Lima, Igarassu, Olinda e Paulista. O incremento dos poços representará mais de 550 litros de água por segundo. Para o primeiro semestre do ano, ainda está prevista a aquisição de equipamentos para melhorar a performance das captações de Castelo, Tiúma, Duas Unas, Cumbe, Arataca, Conga, Tabatinga e Monjope e para as estações elevatórias Paratibe e Monjope/Alto do Céu. Também haverá reforço de carros-pipa”, garante a empresa, em nota.

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