Kelvin Enio Santos de Sousa tinha 23 anos na época em que foi preso. Ele era estudante de engenharia e trabalhava como motorista de transporte por aplicativo. O jovem morava em Cotia, cidade da Grande São Paulo, com a mãe e irmã, e no mesmo local foi detido pela Polícia Militar acusado de roubo e sequestro.
O suposto crime aconteceu no dia 2 de fevereiro de 2015 e após ser reconhecido pela vítima apenas por uma foto, Kelvin foi preso no dia 26 de junho do mesmo ano. Segundo o advogado Aluisio Monteiro, a identificação aconteceu por meio de um aplicativo. “A vítima reconheceu a pessoa por uma foto da carteira de motorista que foi tirada e enviada pela polícia pelo WhatsApp”, explica a defesa.
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Monteiro explica que por se tratar de uma “situação de tensão” raramente a vítima consegue olhar para o rosto de quem comete um crime, principalmente quando a ação envolve arma de fogo. “Quando a vítima foi à delegacia, descreveu que o criminoso era um homem negro que usava boné”, detalha o advogado Na época em que foi preso, Kelvin era réu primário, sem nenhum antecedente criminal. Depois, a justiça concedeu a ele o direito de aguardar o julgamento em liberdade. No ano passado, ele retornou à prisão por decisão judicial. Ao todo, até agora, cumpriu um ano e cinco meses de reclusão.
Segundo dados do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais, o Condege, 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros. Além da identificação feita pelo celular, a defesa conta que a vítima fez o reconhecimento de Kelvin pessoalmente e em juízo. “No segundo reconhecimento, ele foi colocado na parede com dois policiais brancos que tiraram os distintivos e ficaram ao lado dele. Ela confirmou que era ele”, conta o também advogado Placito Rodrigues.
“Nós crescemos juntos, somos como irmãos, sei que ele é inocente”, diz Jéssica Nunes, prima de Kelvin.
Linha do tempo
De acordo com testemunhas, na noite do suposto crime Kelvin estava em casa com a mãe Cátia, que hoje vive na Suíça, e a namorada na época. Cátia conta que todo início de ano vai para o Brasil visitar a família e os amigos. A tradição se manteve em 2015, ano da prisão. “No dia em que eles falam que isso tudo aconteceu, a gente estava em casa, curtindo a companhia um do outro”, lembra.
O sequestro e o roubo do qual Kelvin é acusado de participar aconteceu na região do Butantã, Zona Oeste de São Paulo. A vítima foi surpreendida por três pessoas quando estava em seu carro e foi obrigada a fazer saques em caixas eletrônicos. Segundo os advogados de defesa do jovem preso há cinco anos, o extrato das contas não consta no processo, assim como as imagens dos bancos em que os saques foram feitos.
“Eu e a namorada do meu filho na época pegamos endereços de câmeras para ajudar na investigação e passamos para a advogada, pra tentar ajudar no processo. A gente não entende porque a polícia não fez isso”, desabafa a mãe de Kelvin.
Hoje, aos 29 anos, Kelvin está preso na Penitenciária Odon Ramos Maranhão. Sua pena prevê reclusão até outubro de 2030.
Pedido de revisão do processo
A defesa de Kelvin entrou com um pedido de revisão de provas e depois deve entrar com um pedido de apelação na justiça. “Não se trata de absolvição, queremos pedir novas provas, que possam comprovar a inocência do Kelvin”, considera o advogado Rodrigues.
O objetivo agora é conseguir provas importantes que não fazem parte do processo, como a ERB (Estação de Rádio Base), que mostra o local em que o celular da vítima e do acusado estavam na hora do crime e os extratos das contas, que podem confirmar ou não os saques relatados pela vítima.
Cátia espera que a reabertura do processo aconteça o quanto antes e relata a sensação de angústia que vive desde a prisão do filho. “A dor é tão recente que eu me sinto parada no tempo”, desabafa.
O processo segue aguardando a aprovação da revisão criminal para a elaboração das novas e decisivas provas. “O tamanho da injustiça e do prejuízo é tremendo. Ele trabalhava, fazia faculdade, não tinha razão nenhuma para estar envolvido numa situação como essa. O sistema penal brasileiro é punitivo e seletivo, prende sempre o pobre e preto”, conclui o advogado Monteiro.
ERRATA: Uma versão anterior desta reportagem afirmava que Kelvin estava preso há cinco anos. Segundo a defesa, ele foi preso em 2015 e depois recebeu o direito de aguardar o julgamento em liberdade. No ano passado, a justiça ordenou o retorno dele à prisão. Ao todo, até o momento, ele cumpriu um ano e cinco meses de reclusão. Os advogados também reiteram que entraram com um pedido de revisão de provas e só depois disso será feito um pedido de apelação.