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Refugiada é mantida presa por extorsão online mesmo sem saber ler e escrever

A vendedora ambulante Falilatou Sarouna foi detida na Operação Anteros, que investiga crimes de fraude e golpes pela internet; várias contas bancárias foram abertas no nome dela, que segundo a defesa é analfabeta e não poderia ter assinado os termos de adesão

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/Campanha Liberdade para Falilatou

A refugiada Falilatou.

20 de maio de 2021

A refugiada togolesa Falilatou Estelle Sarouna está presa desde o dia 15 de dezembro de 2020 acusada de participar de uma quadrilha internacional de crimes de extorsão.  No Brasil, ela trabalha como vendedora ambulante e foi incluída na lista de 210 pessoas identificadas pela Operação Anteros, que conta com 94 imigrantes, principalmente de países da África.

Um dos argumentos da acusação contra Falilatou é a movimentação bancária em, no mínimo, quatro contas em seu nome. Segundo a defesa, a assinatura que consta nos contratos não pertence à mulher togolesa, que é analfabeta e dona de apenas uma conta bancária legítima.

A imigrante está no Brasil desde 2014 e não possui nenhum tipo de associação criminosa em seu histórico. Refugiada, ela saiu de Togo, país do continente africano, em busca de uma fonte de renda capaz de custear os estudos do filho, de 12 anos, que permaneceu em sua terra natal. Com a prisão preventiva dela, as dívidas na escola resultaram na interrupção dos estudos da criança.

A prisão

Em 15 de dezembro do ano passado Falilatou trabalhou o dia inteiro no Brás, no centro de São Paulo, com a venda de roupas de maneira ambulante.  Ao chegar em casa, após o expediente, a refugiada percebeu que o quitinete foi invadido. Sem entender o que aconteceu, a trabalhadora foi à delegacia para registrar um boletim de ocorrência, o que resultou na prisão no momento em que tomava conhecimento sobre a acusação.

Falilatou não teve direito à intérprete ou tradução ao longo do processo e o Consulado de Togo não foi notificado no momento da prisão, conforme determina a Lei nº 13.445/2017. A norma tem como determinação, brasileira e internacional, a notificação caso imigrantes em vulnerabilidade sejam detidos.

A acusação de Falilatou é de extorsão emocional ou afetiva, que se trata de golpes financeiros e fraudes online. O advogado de defesa Vitor Bastos, vice-presidente da Comissão de Direitos dos Migrantes e Refugiados da OAB/SP, explica que esse tipo de crime se configura a partir de uma relação afetivo-romântica, estabelecida pela internet, na qual a pessoa solicita transferências bancárias de um parceiro.

Segundo o advogado, é impossível que Falilatou faça parte da quadrilha, pois ela sequer possui redes sociais, e nega que seja dela a assinatura em letra cursiva utilizada como prova da acusação. A defesa frisa esses fatos principalmente pela condição de analfabetismo de Falilatou. A refugiada de Togo pertence a uma cultura africana que não faz uso da escrita como nos modelos ocidentais.

A imigrante está presa na Penitenciária Feminina do Carandiru, na Zona Norte de São Paulo. Desde a prisão preventiva dela, o aluguel do quitinete onde ela morava se acumula e a dívida já ultrapassa R$ 3 mil. Para Bastos, não faz sentido o Estado manter Falilatou detida, já que todas as suas contas – a verdadeira e as falsas – estão bloqueadas, e por ela não representar nenhum risco a sociedade.

A 1ª Vara Judicial de Martinópolis, cidade na divisa entre os estados de São Paulo e Paraná, local que transcorre o processo, não possui estrutura suficiente para a demanda de processos. Segundo o advogado de Falilatou, isso colabora para a lentidão no andamento do caso.

Por conta dessa deficiência estrutural, nesta semana o juiz decidiu desmembrar esse único processo – que conta com 210 réus – em 10 processos, com um número reduzido em cada um deles, cerca de 35 pessoas. Isso significa que a cada um dos acusados, o que inclui Falilatou, será atribuído um novo número.

As acusações contra a imigrante, no entanto, permanecem as mesmas da denúncia, salienta a advogada Cátia Kim, pesquisadora do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania). Todos os acusados foram tipificados no crime de extorsão, o que inclui os “laranjas”, ou seja, não houve separação de quem são os cabeças da quadrilha, quem simplesmente cedeu a conta bancária sem saber os motivos, ou quem nada tem a ver com o esquema “e foi apenas uma vítima do golpe, que é o caso de Falilatou”, destaca Cátia.

Segundo a advogada e pesquisadora, em média 40 pessoas dentre as 210 ficaram sem nenhuma defesa de dezembro até recentemente. “Somente neste mês [maio] foram nomeados defensores dativos (do convênio OAB/Defensoria), mas sem grande eficiência ainda demonstrada no processo”, declara.

A defesa também pondera que esse é um momento delicado para se estar preso, levando em consideração a pandemia da Covid-19 e a aglomeração inevitável dos presídios. Falilatou sofre de um problema de saúde crônico e precisa de medicação de uso contínuo. 

Leia também: ‘Brasil deve chegar a 500 mil mortos pela Covid-19 em junho’

Racismo e xenofobia

Para o advogado Vitor Bastos, a situação de Falilatou se agrava por se tratar de uma mulher, mãe, negra e estrangeira, com dificuldades com a Língua Portuguesa e analfabeta. Ele explica que esses fatores não são os principais, mas agem como potencializadores para dificultar a situação da vendedora ambulante.

A refugiada togolesa Falilatou Estelle Sarouna | Créditos: Reprodução/Campanha Liberdade para FalilatouA refugiada togolesa Falilatou Estelle Sarouna | Foto: Reprodução/Campanha Liberdade para Falilatou

Já na concepção da advogada Cátia Kim, o racismo, machismo e a xenofobia se manifestam no processo de uma forma bem construída pelo aparato jurídico-social e jurídico-político, tanto que é difícil identificar os preconceitos em todo o contexto.

“Existem alguns indícios, como o número de pessoas imigrantes, sendo a maior parte de países africanos e asiáticos; número de mulheres, entre brasileiras e imigrantes, que somam ao menos 140; número de mães com filhos menores de 12 anos e grávidas, em média, 80 pessoas; e número de pessoas sem nenhuma defesa. Ou seja, para mim está nítido que aí opera o racismo institucional, a xenofobia, o machismo e a discriminação contra pessoas pobres”, analisa.

Campanha e apoio de movimentos sociais

Diversos movimentos sociais se uniram para apoiar a campanha “Liberdade para Falilatou”. A ação visa dar visibilidade ao caso e arrecadar dinheiro, verba que será enviada ao filho da refugiada a fim de que ele possa continuar os estudos. A campanha já conta com mais de 800 assinaturas e aceita doações de qualquer quantia via Pix.

A deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL-SP) também se posicionou em sua conta do Twitter a respeito do caso. A parlamentar divulgou o manifesto e também pediu o posicionamento do poder judiciário e legislativo quanto à liberdade da refugiada.

Para repercutir as informações sobre Falilatou, a Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a 1ª Vara Judicial de Martinópolis. Até o momento da publicação deste texto, não houve resposta. Caso o órgão se posicione, a matéria será atualizada.

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