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‘Saber trançar me ajudou no momento de maior dificuldade da vida’, diz ativista

Trancista da Baixada Santista passou por diversas dificuldades ao longo da vida e hoje, à frente do movimento Mães do Cárcere, faz acolhimento de mulheres
Imagem mostra as mãos de uma mulher negra trançando o cabelo de alguém.

Foto: Maria Mejia

7 de julho de 2024

Por: Pedro Borges e Duda Vieira

A cabeleireira Andrelina Ferreira, de 54 anos, é mãe de dois filhos e trabalha como trancista há 30 anos. Conhecida como Andreia, a profissional vive em Praia Grande (SP)*, município da Baixada Santista, e atende em um salão, ainda improvisado, mas que ela diz ter o suficiente para o ofício.

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“Eu não preciso de muito para fazer o que eu amo”, conta a trancista. O espaço tem uma caixa de som com espelho, lavatório, pomadas, pentes e outros acessórios para cabelos crespos e cacheados.

Ainda jovem, Andreia perdeu os pais e ficou em situação de rua. Nesse período, ela conheceu Cida, descrita como a maior trancista da Zona Sul de São Paulo na época. Com a profissional, Andreia aprendeu a arte de fazer tranças e, consequentemente, entrou em contato com a sua ancestralidade. 

“A importância das tranças vem lá de trás, dos meus ancestrais. Ganhou força quando conheci a história das tranças, que eram feitas dentro das senzalas com objetivo de apresentar os caminhos da liberdade para sobrevivência”, explica.

No período da escravização, as tranças eram usadas para indicar rotas seguras de fuga para as pessoas negras exploradas. Andreia também utilizou os penteados para sua emancipação.

“Saber trançar me ajudou no momento de maior dificuldade da vida. Quando fui para a prisão, lá dentro não tinha visita e precisava comprar as coisas para me manter, foi aí que comecei a colocar em prática o que havia aprendido”, relembra a trancista.

Acolhimento para quem precisa

De volta ao salão dentro de casa, a trancista percebeu que, além de fazer os penteados, as pessoas a procuravam para falar sobre acontecimentos que viviam. A empreendedora se recorda de um caso em que  chegou a  ficar por oito horas com uma cliente, que relatou viver uma situação de violência.

“Eu descobri fazendo as tranças que elas não estavam vindo só pra fazer as tranças, mas queriam conversar comigo, desabafar e aí muitas vezes eu orientava. Às vezes uma questão de violência doméstica, às vezes de drogas, ou pensão”, conta. 

Desse modo, Andreia já orientou pessoas para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), para a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) e outros equipamentos públicos de assistência. 

As tranças também fizeram parte de um curso ministrado por ela, com apoio da Defensoria Pública, na Penitenciária de Ribeirão Preto (SP). Na ocasião, ela levou um trabalho sobre remissão de pena e a importância da profissionalização para mulheres. 

“Foi uma conversa muito importante, fui levar o trabalho das tranças, mas a gente sabe que tem pessoas que não tem este dom, mas é uma ótima manicure, cozinheira, lavadeira. Então na verdade, eu fui na esperança de fazer com que elas percebessem o que era importante ali no campo profissional para elas e que deveriam acreditar naquilo, que elas poderiam sair”, expõe a trancista. 

Assim, já atuando como defensora popular, ela criou oficialmente em 2011, o projeto Mães do Cárcere, que acolhe mães e mulheres em presídios ou que possuem familiares no sistema prisional. A partir daí, a casa que abriga o salão também divide espaço com a sede do projeto.

A trancista e ativista Andreia
A trancista e ativista Andreia Ferreira. (Pedro Borges/Alma Preta)

Educação que salva

Atualmente, Andreia mantém um grupo de trabalho de extensão na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) onde traz as vivências de mães que perderam os filhos devido à violência do Estado ou do crime organizado. Esse grupo é uma forma de apoio para que o Mães do Cárcere não seja apenas um movimento e sim uma ferramenta de mudança.

“A gente quer contribuir com a educação porque nós sabemos que a educação é a salvação da nossa comunidade. Queremos trazer a nossa comunidade, a nossa periferia, jovens adolescentes que sentem essa dificuldade de estar se aproximando da universidade”, ressalta a idealizadora do projeto. 

Com base em sua trajetória de vida, Andreia decidiu que deveria contar a sua história. “Eu quero semear a semente e contar porque senão do que valeu tudo que eu sofri, tudo que eu vivi se eu não compartilhar com alguém?”, questiona. “Eu tenho que compartilhar a minha vivência porque para alguém, para algumas pessoas irá servir”.

*Em uma primeira versão, este texto informava que Andrelina Ferreira morava em Cubatão (SP). Na verdade, ela mora em Praia Grande (SP). A informação foi corrigida em 9 de julho de 2024.

  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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