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Sam’s Club é condenado por segurança discriminar menino negro em São Paulo

O vigilante do Sam’s Club perguntou ao pai do menino se ele o incomodava enquanto puxava a criança; processo inicial pedia indenização de R$ 50 mil, mas juíza reduziu para R$ 15 mil
Fachada da unidade do Sam's Clube da Vila Leopoldina, em São Paulo.

Foto: Patrick Silva/Alma Preta

31 de julho de 2024

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) condenou o WMB Supermercados a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais após um caso de racismo contra um menino negro ocorrer dentro de uma unidade do supermercado Sam’s Club, na Vila Leopoldina, na capital paulista.

O caso ocorreu em 2021 e a vítima, de 13 anos na época, estava no interior do supermercado acompanhada dos pais, que são brancos. Enquanto o pai aguardava na fila, o menino circulava até as gôndolas para falar com a mãe e voltava ao caixa com o pai. Dado momento, um segurança se aproximou, segurou a criança por baixo da axila e começou a puxá-la do local. Enquanto o repreendia, o funcionário perguntou ao pai se o menino estaria incomodando. Após ser repreendido, o segurança soltou o garoto.

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“O segurança demorou uns segundos para entender. Ele ficou me olhando, tentando processar o que estava acontecendo”, conta Paulo Zocchi, jornalista e pai da vítima. “Nós somos uma família interracial. O funcionário olhou e não achou uma família, não pensou que ele pudesse estar comigo. Ele não pensou meio segundo antes de puxar ele para trás. O cara não reconhece o direito dele estar lá”.

Após o ocorrido, Zocchi e a esposa buscaram o gerente da unidade à procura de um meio formal de denunciar o acontecido, mas foram encaminhados para o Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) do estabelecimento, sem maiores providências. 

Nas gravações do circuito interno da loja, ao qual a Alma Preta obteve acesso, é possível ver que antes da abordagem uma funcionária saiu de sua posição no caixa e alertou o guarda. Enquanto conversava, ela apontou na direção da família e só depois a vítima foi interpelada.

Para o advogado da família Raphael Maia, as imagens mostram que o fato não se tratou do erro de um colaborador, mas sim de toda a equipe, como algo organizado e fruto do treinamento do supermercado. 

Histórico de discriminação

O supermercado, que só permite a compra para “sócios”, foi adquirido pelo Grupo Carrefour Brasil em 2022. As conversões terminaram em junho de 2023 e desde então tem sido uma grande aposta do Carrefour – que também já é conhecido por diversas acusações de abordagens discriminatórias. Em um dos casos mais conhecidos, um consumidor negro,  João Alberto Freitas, foi morto asfixiado por seguranças do estabelecimento.

Em entrevista ao Estadão, o CEO de varejo do grupo, José Rafael Vasquez, classificou o clube de compras como “a menina dos olhos” da empresa no Brasil. As 57 lojas da rede faturaram cerca de R$ 1,6 bilhão no primeiro semestre deste ano.

Em nota enviada à reportagem, o Grupo Carrefour Brasil diz que ao “assumir a unidade fez o acolhimento da família e cumprirá o que foi determinado pela justiça”.

Processo inicial pedia indenização de R$ 50 mil, mas juíza reduziu

A família solicitou a indenização por danos morais e uma “ação obrigação de fazer”, obrigando o Sam’s Club a providenciar um curso de capacitação antirracista para sua equipe.

Paulo Zocchi relata que o pedido pelo curso também visava proteger outras crianças negras uma vez que o local fica próximo de uma escola composta majoritariamente por crianças negras e periféricas, onde a vítima também estuda. A petição inicial também indicava que o valor indenizatório fosse pago à escola, o que foi negado pela juíza Carolina Pereira de Castro.

“As crianças que estudam naquela escola, a maioria é negra e moradora da favela. Esse jeito do Sam’s Club agir é direcionado para meu filho e os amigos dele, é diretamente focado nisso.[…] Em função disso, a gente achou que o caso seria de interesse coletivo e pedimos que o valor fosse direcionado para a escola”, acrescenta o jornalista.

De acordo com Raphael Maia, a defesa da empresa entrou em contato durante o processo para oferecer valores como acordo. “A cada fase do processo eles mandavam um e-mail enviando ofertas para encerrar o processo”. 

Apesar da decisão judicial ter reconhecido a discriminação racial e dado uma sentença favorável à vítima, a juíza não condenou o supermercado a fornecer o treinamento aos empregados e diminuiu o valor da indenização, cuja solicitação inicial era de R$ 50 mil.

A magistrada considerou que a responsabilidade de determinar o cumprimento da ação obrigação não é do Tribunal de Justiça, pois “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis compete ao Ministério Público”. 

O Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP), por sua vez, esteve presente durante o processo e emitiu um parecer favorável às solicitações da família. Maia conta que caberia ao ministério denunciar e investigar o estabelecimento pelo crime de racismo cometido contra um menor de idade, o que não ocorreu.

“Apesar de a decisão condenatória ser importante no combate ao racismo estrutural, é lamentável a postura da Justiça em não acatar o pedido de encaminhamento de ofícios para abertura de procedimentos penais e administrativos cabíveis, bem como a postura de certa forma omissa do Ministério Público que mesmo acompanhando o processo até o presente momento não se tem notícia de ter atuado de ofício para que fossem instaurados os respectivos procedimentos investigativos”, completa o advogado.

A família recorreu a sentença, solicitando a majoração da indenização para o valor solicitado inicialmente e a obrigatoriedade do estabelecimento promover o treinamento antirracista.

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  • Verônica Serpa

    Graduanda de Jornalismo pela UNESP e caiçara do litoral norte de SP. Acredito na comunicação como forma de emancipação para populações tradicionais e marginalizadas. Apaixonada por fotografia, gastronomia e hip-hop.

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