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Segurança pública e municípios para além da Guarda Civil Metropolitana

11 de novembro de 2020

Pesquisa mostra que os cuidados com a infraestrutura urbana fazem os cidadãos se sentirem mais seguros; dados apontam correlação entre espaços mais estruturados e índices de menor violência

Texto e imagem: Pedro Borges | Edição: Nataly Simões

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“Aqui na verdade tem que melhorar tudo. Está tudo abandonado”. É o que diz um morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, que prefere não ser identificado na reportagem.

O Alma Preta foi até o distrito que é rico em diversas expressões culturais, como o samba, e marcado pela violência e desigualdade social. A reportagem esteve em locais onde ocorreram homicídios em 2018, por policiais militares ou não, para questionar as pessoas sobre segurança pública e o que elas apontam como necessário ser feito para melhorá-la.

Na rua Cristovão Santiago, um rapaz que caminhava pela calçada foi questionado sobre o que fazer para superar o problema da segurança. De cara, rebateu: “policiamento” e “base comunitária móvel”.

“E o que você acha que poderia ser feito para além da polícia?”, perguntei. A resposta foi: “Guarda Civil Metropolitana”.

As Polícias Militar e Civil estão a serviço do poder estadual e não sofrem qualquer interferência direta por parte de prefeitos de municípios. O gestor do poder executivo municipal, contudo, tem outros poderes sobre a área da segurança pública, como o desenvolvimento da infraestrutura urbana da cidade.

Segundo dados da pesquisa “Análise espacial das mortes decorrentes de intervenção policial na cidade de São Paulo entre os anos de 2013 e 2016: perfil das vítimas e características urbanas dos locais das mortes”, de Sofia Reinach, os índices de homicídio na cidade são 20 vezes maiores em regiões sem pavimentação, sete vezes maior em ruas sem calçada, e seis vezes maior em ruas sujas de lixo.

“Você não consegue estabelecer uma relação de causa e efeito, mas sim de correlação espacial. Existe a dificuldade do dado do censo ser de 2010 e do homicídio de 2016, mas é possível ver uma correlação e a gente considera que os dados urbanos mudam muito devagar. Por isso, é possível dizer que existe uma correlação espacial nos lugares onde ocorrem os homicídios e as características urbanas”, explica a autora do estudo e pesquisadora visitante da Escola de Saúde Pública de Harvard, com estudo sobre violência contra crianças no Brasil, Sofia Reinach. Durante o desenvolvimento da pesquisa, Sofia integrou o Departamento de Planejamento Urbano do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Outra pesquisadora, Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), utiliza como metáfora uma tese de segurança pública chamada de “Teoria das Janelas Quebradas”, do cientista político James Q. Wilson e do psicólogo criminologista George Kelling, publicada em 1982. Eles utilizaram como imagem a disposição de dois carros estacionados em diferentes ruas, uma próxima da outra. Um dos automóveis está quebrado, sem pneus, e o outro, novo e bem cuidado.

“Depois de uns dias, o carro sem pneu e com a janela quebrada começa a juntar lixo, a ter crime e vandalismo. É um pouco da ideia de que se você não cuida do espaço urbano, ele necessariamente vai atrair desordem. Não necessariamente só crime, mas também a desordem”, afirma Samira.

Cuidar do espaço urbano, uma das diretrizes da prefeitura, é um dos fatores que se refletem na segurança pública do município. Sofia utiliza outro exemplo habitual para a vida dos brasileiros, uma praça, espaço de sociabilidade comum em diversas cidades do país.

“Se você cuida da praça, as pessoas a usam e é menos vandalizada. Se você não cuida de uma cidade e existe uma área degradada, tende-se a se degradar mais e ser uma área mais perigosa”, explica a pesquisadora.

A Constituição Federal de 1988 descreve a segurança pública como “dever do Estado e direito e responsabilidade de todos”, segundo o artigo 144 do texto. De lá para cá, notou-se um aumento da presença do debate da segurança pública em nível municipal.

Um dos números que indica isso é o aumento de secretarias municipais de segurança pública ou de guardas civis, conforme explica o artigo “A estrutura do poder municipal e as políticas de segurança: um novo paradigma federativo” sobre os dados entre os anos de 2008 e 2015.

O estudo segmenta os municípios brasileiros em três grupos, aqueles entre 50 mil a 100 mil habitantes, entre 100 mil e 500 mil moradores, e com mais de 500 mil pessoas. Cidades com menos de 50 mil residentes ficaram fora da análise.

Foi observado que houve um acréscimo de 70,8% no número de guardas civis entre os anos de 2008 e 2015. O maior crescimento ocorreu com as cidades entre 50 mil e 100 mil pessoas, onde entre 2012 e 2015 houve um aumento de 66% de novas secretarias de segurança.

A chegada da pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, e a mudanças na dinâmica de circulação de pessoas na cidade apresentam um novo contexto para a própria segurança pública municipal, segundo Sofia Reinach.

“Durante a epidemia, a gente não está vendo nenhuma regressão da criminalidade. Pelo contrário, há um aumento dos crimes violentos e da violência doméstica. A dinâmica urbana também mudou muito em termos de circulação de pessoas”, pondera.

A pesquisadora acredita que o cenário tende a piorar após a pandemia. “A desigualdade vai aumentar. A gente vai passar por uma crise econômica, que vai reduzir os recursos disponíveis para o investimento em melhoria urbana, o que me parece uma conjunção explosiva. A sociedade toda ficará mais sob pressão e eu não vejo motivos para a situação melhorar no pós Covid”, avalia.

Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, acrescenta que por conta da pandemia haverá uma mudança no cenário político, que pode se reverberar na segurança pública municipal.

“Há uma reorientação do debate público, que vai da hegemonia do Estado neoliberal, que foca sua atuação na ‘segurança’ entendida como repressão e contenção de pobreza, e na salvaguarda de interesses financeiros e patrimoniais, à presente reivindicação do cumprimento do dever do Estado como provedor de bem estar social. A cobrança sobre o poder local das prefeituras no que diz respeito à execução de suas competências cresce. Os prefeitos não devem priorizar o aumento da disseminação e do uso da força das guardas municipais a fim de continuarem brincando de polícia municipal com seu efetivo para fazer marketing eleitoral. Passou da hora de pensar segurança pública como problema urbano e oferecer soluções reais aos problemas de garantia de direitos sociais de responsabilidade dos municípios”, afirma.

Guarda Civil Metropolitana

A existência da Guarda Civil Metropolitana é um dispositivo previsto no Artigo 144 da Constituição Federal e descrito no 8° parágrafo do texto, como uma criação facultativa, fora das funções de criação obrigatória.

O texto também indica quais devem ser as responsabilidades da guarda. “No plano municipal, as funções de segurança pública se restringem à atividade de vigilância, voltada à segurança patrimonial de bens, serviços e instalações dos municípios que instituírem suas guardas municipais”.

Em 8 de agosto de 2014, houve a publicação do Estatuto Geral das Guardas Municipais, com o objetivo de criar normas de regulação do trabalho dos agentes. Todo o documento fortalece a ideia de atuação preventiva das guardas e a inibição de qualquer ação de caráter militar.

“Eu já ouvi muito gestor, principalmente quem trabalha direto com a guarda, que o sonho do prefeito é criar uma guarda e depois que ele cria, o sonho é acabar com a guarda, porque ela pode dar muita dor de cabeça e problema”, conta Samira Bueno.

Um dos motivos para a “dor de cabeça”, segundo as pesquisadoras Samira Bueno e Sofia Reinach, é a falta de entendimento de quais são as funções pré-determinadas para as guardas municipais.

“Temos algumas guardas sem clareza de quais são seus papéis e claramente estão equivocados, porque guarda municipal não é e não tem poder de polícia, só tem o trabalho preventivo. Eles não podem fazer perseguição, como faz a Polícia Militar. Isso é vedado legalmente”, explica Samira.

Apesar das orientações, as guardas começaram a mimetizar, ou seja, copiar cada vez mais a forma e mesmo a atuação das polícias militares, recorda a pesquisadora. “Vimos crescer e piorar muito o discurso da violência. As guardas municipais estão emulando as polícias militares, mas isso vai além da estética. Se coloca guarda municipal para fazer curso tático com a Tropa de Choque, por exemplo”, lembra Samira.

A militarização das guardas civis se expressa na própria ação dos agentes nas grandes capitais. Em São Paulo, no dia 26 de junho de 2016, Waldik Gabriel Silva Chagas, de 11 anos, foi morto pelo guarda civil metropolitano Caio Muratori. O caso ocorreu durante uma perseguição, quando Waldik estava no banco de trás de um carro, guiado por dois homens.

No dia 7 de novembro de 2019, o guarda civil virou réu por homicídio qualificado. A Justiça de São Paulo acatou o pedido do Ministério Público.

Em todo o país há um crescimento no número de órgãos de segurança pública a nível municipal. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que dos 5.564 municípios brasileiros, 22,1% tinham algum órgão direcionado para lidar com a segurança pública. Em 10,4% das cidades, há um conselho municipal de segurança pública, em 4,42% um fundo municipal para a área, em 5,91% existe um plano municipal de segurança pública e em 15,50% uma Guarda Municipal.

Além dos órgãos, há um um crescimento no número de guardas civis armadas. Números obtidos pelo artigo “A estrutura do poder municipal e as políticas de segurança: um novo paradigma federativo” revelam que em 2008 existiam 98 municípios, estatística que cresceu para 113, em 2015. Nas cidades brasileiras, entre 50 mil e 100 mil habitantes, o crescimento de guardas armadas saltou em 52,3%.

O IBGE também aponta que em 2015 o contingente de guardas civis era de 99 mil homens e mulheres, com mais de 1 mil guardas por todo o país. O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) em entrevista ao Alma Preta apontou para o registro existente de 320 contingentes de Guardas Civis Municipais no país. O órgão reconhece, contudo, que o número deve ser maior.

Os municípios, de diferentes portes, quase triplicaram os gastos como segurança pública, ao sair de 0,03% para atingir 0,08% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, passados 20 anos. Os gastos chegam a compor 0,61% das despesas anuais de um município.

Exemplo de Guarda Civil Metropolitana equipada e armada é a de São Caetano. Dennis Pacheco conta que os agentes municipais atuam no controle da entrada e saída do município. “No ABC, temos experiências muito contundentes com a guarda municipal de São Caetano. Eu vou falar de maneira anedótica, não nasci lá, mas moro lá há muito tempo, e é a guarda mais temida do ABC”, relata o pesquisador.

Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo em 2016 mostra como a Guarda Civil Metropolitana da cidade atua nas fronteiras de municípios como São Paulo. A justificativa utilizada é a de evitar a entrada de criminosos em São Caetano.

São Caetano possui um guarda para cada 395 habitantes, contra um agente municipal de segurança para cada 1.962 habitantes na cidade de São Paulo. A cidade do ABC tem uma Corregedoria para investigar os abusos cometidos pela instituição. Em São Paulo, não há um órgão para tratar dos possíveis delitos cometidos por guardas civis.

“Publicamente não existem dados sobre atividade da guarda civil metropolitana. Até pela própria natureza em que se espera que ela agisse, que é de defesa do patrimônio público, especialmente, mas a gente sabe que não é essa a atividade que ela pratica no cotidiano”, explica Dennis Pacheco.

A Prefeitura de São Caetano, questionada sobre a mudança dos objetivos da guarda, diz que a Guarda Civil do município atua “na garantia da integridade do patrimônio público, na proteção dos bens, serviços, instalações e auxilia as forças de segurança (Polícia Militar e Polícia Civil), no patrulhamento preventivo e comunitário”.

A Secretaria de Segurança do município também informa que houve um aumento de 46% das ocorrências atendidas pelo órgão durante a pandemia e que dos 1.713 atendimentos realizados 473 eram boletins de ocorrência relacionados à Covid-19, como periclitação de vida, comércio irregular, desordem e perturbação do sossego. A guarda realizou até o momento 220 bloqueios na cidade para colaborar com a testagem de cidadãos infectados pelo novo coronavírus.

Apesar dos municípios receberem a menor fatia do orçamento federal, cerca de 17,87%, enquanto os estados ficam com 27,49%, as cidades têm investido cada vez mais em segurança pública. De 1998 até 2015, os gastos saltaram de R$ 1 bilhão para R$ 4,5 bilhões.

Se por um lado as guardas têm atuado como polícia, por outro têm se ausentado na missão de cuidar do patrimônio público. O não cumprimento da Guarda Civil Metropolitana nesse objetivo faz com que governos municipais dispensem valores para a contratação de serviço privado de vigilância para escolas públicas.

Em Araraquara, interior de São Paulo, a prefeitura autorizou em 2019 um gasto de R$ 4,8 milhões com cinco empresas de segurança terceirizada. O valor é cinco vezes maior do que o destinado a ações de fortalecimento da Guarda Civil Metropolitana (GCM), na casa de R$ 912 mil. A Prefeitura de Araraquara não retornou ao pedido de entrevista da reportagem.

“Gasta mais com empresas privadas de segurança nas escolas do que com o financiamento da política municipal de segurança. Você paga vigia para as escolas municipais, quando a guarda municipal existe para fazer justamente em tese a proteção do patrimônio público”, explica Samira Bueno.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) também em nota ao Alma Preta coloca como desafio a regularização de todas as guardas e a garantia de que os agentes estão cumprindo com os deveres atribuídos em lei. A pasta afirma contar com a colaboração dos municípios para o prosseguimento da regularização e acompanhamento das guardas. segurancapublicapedroborgesdois

Brasilândia, bairro da zona norte de São Paulo, ocupa o 2º lugar no ranking de distrito mais violento da cidade, com 34 mortes violentas intencionais, 10 por intervenção policial. Foto: Pedro Borges/Alma Preta

A sensação de insegurança

Em 2018, o distrito da Sé, região central da cidade de São Paulo, teve 17 casos de morte violenta, cinco por violência policial. Com a posição de 24° bairro mais violento da cidade, a Sé e os demais bairros do centro da capital são marcados pela falta de iluminação e a ausência de circulação de pessoas em determinados locais depois do fechamento de comércios.

“O centro da cidade tem muitos edifícios abandonados, muitos mesmo. Esses lugares se tornam inóspitos, as pessoas passam correndo a noite. Não existe nenhuma sensação de segurança”, diz Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Pacheco acredita que o principal caminho para diminuir a sensação de insegurança é a utilização diversa do espaço público. Organizar ambientes com moradias, comércios, atividades culturais, algo que permita a circulação constante de pessoas em todos os períodos do dia.

“Na verdade, quanto mais plural a dinâmica do bairro, maior a sensação de segurança. Quanto mais as pessoas estiverem nas ruas durante o dia e a noite, para atividades culturais, de lazer, espaços de cultura, mais seguro esse espaço seria”, exemplifica o pesquisador.

Dar mais dinâmica ao espaço não é o mesmo de “revitalizar”. Parte das estratégias adotadas pela Prefeitura de São Paulo, em especial na região da Luz, atua no sentido de excluir determinados segmentos sociais, segundo Pacheco.

“A prefeitura se apropria dessa sensação de insegurança para fazer esses projetos de requalificação e revitalização urbanas e acaba sempre expulsando determinadas populações daqueles espaços e isso não torna esses ambientes mais seguros, pelo contrário”, salienta.

O cuidado para esse discurso deve estar no panorama da criminalização da pobreza. “Não é a pobreza ou a ausência de dinamismo econômico que torna um espaço seguro ou inseguro. Isso é uma forma de criminalização da pobreza na verdade”, completa o pesquisador do FBSP.

Em algumas periferias de São Paulo, os indicadores de violência são elevados na comparação com o restante da cidade, como apontam os dados de 2018. É o caso da Brasilândia, bairro da zona norte da cidade que ocupa o 2º lugar no ranking de distrito mais violento da cidade, com 34 mortes violentas intencionais, 10 por intervenção policial.

“Aqui na periferia você pode perguntar em qualquer lugar, ninguém se sente seguro”, afirma um jovem ouvido pela reportagem na avenida João Paulo II, local onde em 2019 uma pessoa negra foi assassinada por um policial militar.

Na avenida João Paulo II, um homem com mais de 50 anos, em entrevista, relatou situações de violência no bairro e exigiu maior policiamento. “Aqui mesmo na rua de cima uma mulher foi assaltada e eu a vi ser executada dentro do carro. Isso foi há uns três anos. Aqui também em baixo eu já vi um cara atirando no outro às sete horas da noite. O caso da mulher foi uma hora da tarde. Depois encheu de gente, curioso. Foi bem tenso”, conta.

Os números do bairro são inferiores aos de outros momentos, como em 1997, quando a Brasilândia era o distrito mais violento de São Paulo. Naquele ano, foram 245 pessoas assassinadas. A chance de uma pessoa ser assassinada era de 101,2 para cada grupo de 100 mil habitantes.

Dennis Pacheco acredita que a sensação de insegurança e ambientes marcados pela desigualdade e a violência podem fortalecer um discurso mais punitivista. “A sensação de insegurança pode alimentar um discurso mais punitivista”, considera.

Levantamento feito pelo Datafolha e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que 69% dos brasileiros concordam com a frase de que “o que este país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé”. Quando se soma a essa conta aqueles que concordam em partes com a frase, o número sobe para 85%.

Na mesma linha de um discurso punitivista, 60% dos brasileiros acreditam que “a maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e dos pervertidos”. Por outro lado, o distrito do Alto de Pinheiros, o mais seguro da cidade, não teve um único homicídio em 2018.

Alinhada à Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), o Departamento de Iluminação Pública (Ilume) da Prefeitura de São Paulo informou a reportagem do Alma Preta a renovação de 30.029 pontos de iluminação e a instalação de 5.429 pontos de luz entre agosto de 2019 e maio de 2020. Os locais escolhidos foram selecionados a partir dos índices de criminalidade da SSP.

Quais os impactos para os grupos mais vulneráveis e o que poderia ser feito?

Diante da sensação de insegurança, os moradores de bairros como a Brasilândia têm atuado em conjunto de uma maneira solidária. A criação de grupos de WhatsApp com o compartilhamento de informações sobre as ruas tem se mostrado eficaz.

“A gente fez um grupo no WhatsApp que melhorou um pouquinho. Se chegar alguém de madrugada, ver algum movimento errado, um dá um toque para o outro, a gente sai na rua, se tiver alguém querendo cometer algum crime, o cara já fica com medo. A gente se informa sobre o que está acontecendo no bairro, porque se depender da polícia mesmo, está ferrado”, conta um dos moradores entrevistados.

A população também se articula para participar das reuniões do Conselho Comunitário de Segurança (CONSEG), mecanismo de diálogo com o poder público criado em 1985 e existente em diversos bairros da capital. Segundo os moradores da Brasilândia ouvidos pela reportagem, o espaço não tem se mostrado eficaz para a resolução dos problemas da região.

“Eu estou brigando para pintarem essa lombada. Eu estou vendo a hora que vai acontecer uma tragédia. Os caras passam que nem uma bala na madrugada. Os caras escutam a gente falar, mas não estão nem aí. ‘Ah, tem que fazer uma licitação’. Aí joga um para o outro”, relata outro morador.

“Outro dia veio um cara aqui que era da subprefeitura. Aí ele falou para mim: ‘O que você acha que a gente precisa melhorar? A gente precisa fazer uma reunião aqui para os moradores darem opinião’. Eu dei a minha opinião e ele achou ruim. Eu falei: ‘cara, vocês fazem essas coisas só em época de eleição. Você tem que vir aqui antes. Depois que passou a eleição tem que continuar. Não dá para ganhar voto e depois meter o pé’.”, completou.

Existem outras medidas a serem tomadas pelos prefeitos para combater a segurança pública nos municípios. Uma delas é a continuidade da escolha de mulheres para descer fora do ponto de ônibus entre as 22h e as 5h, depois de decreto publicado na cidade de São Paulo, em 2016.

Apesar da medida não ser acatada por alguns motoristas, a proposta visa deixar as mulheres mais próximas da rota de casa para que se tornem menos vulneráveis à violência, entre elas as de caráter sexual.

Outra proposta seria a de planejar o trajeto das linhas de ônibus para evitar locais onde mulheres já foram vítimas de violência sexual. “Coloca isso na decisão da rota. Onde são os pontos de ônibus, que os pontos sejam em locais de grande circulação, que tenham iluminação. É possível colocar isso na pauta de prioridades da prefeitura para definir políticas levando isso em consideração”, indica a pesquisadora Sofia Reinach.

De maneira prática e ainda vigente, existe a lei criada pelo município de Diadema, na Grande São Paulo, em 2002, que apostou no fechamento de bares após as 23h como medida protetiva. Na época, a gestão municipal protagonizou encontros de discussão entre a prefeitura e as polícias Militar e Civil para definir estratégias de policiamento.

Segundo estudo publicado pelos pesquisadores David Nutt, Leslie King e Lawrence Philips, do Comitê Científico Independente sobre Drogas, analisando dados do Reino Unido, o álcool é a droga com maior potencial danoso a outras pessoas que não o usuário, sendo socialmente muito mais perigosa que craque e heroína, drogas com maior potencial danoso ao indivíduo.

“A lei de fechamento dos bares de Diadema acertou ao reconhecer o potencial danoso do consumo de álcool à sociedade. Contudo, não deve ser destacada como única responsável pela redução das mortes violentas intencionais no município, tendo sido parte de uma série de medidas adotadas pelo poder público à época, além de ter ocorrido num momento de expressiva e rápida redução da letalidade violenta no Estado de São Paulo”, considera o pesquisador Dennis Pacheco.

Outras ações a nível municipal foram tomadas na área da segurança pública. Os exemplos descritos são o controle da venda de bebidas alcoólicas, fechamento de bares, desenvolvimento do programa Disque Denúncia, entre outras.

A Prefeitura de Diadema, em entrevista ao Alma Preta, afirmou que a legislação “apresentou considerável contribuição na redução dos indicadores da taxa de homicídios na cidade”. A assessoria de imprensa não enviou, contudo, qualquer pesquisa que fundamente a afirmação.

A assessoria de imprensa destacou outras ações desenvolvidas no município para frear a violência como o Programa Anjos da Lei, Patrulha Maria da Penha, Operação Casa em Ordem, criação da Guarda Ambiental e contratação de 80 novos Guardas Municipais.

O órgão também não informou nenhuma ação na área da segurança pública pós ou durante a pandemia da Covid-19. Há, contudo, uma parceria com o Exército Brasileiro na desinfecção de áreas estratégicas da cidade.

Se há uma dificuldade para a maior municipalização da segurança pública no país, o mesmo não ocorre para a área da saúde, assistência social e educação. Na área da educação, a municipalização ocorreu a partir da instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

A capacitação de profissionais de saúde é outra análise possível, que permitiria um panorama mais profundo sobre o problema. De acordo com Samira Bueno, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Programa de Saúde da Família é uma das iniciativas com maior capilaridade nos municípios. O exemplo recordado é o da Casoteca, organizado pelo Ministério Público, que capacita agentes de saúde para a prevenção e orientação para casos de violência doméstica. “A saúde está dentro da casa das pessoas”, finaliza Samira.

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