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‘Em toda minha vida, só defendi trabalhador’, diz desembargadora negra eleita para o TRT8

Selma Leão foi a única mulher negra na lista tríplice, que seguiu para definição do presidente Lula
Imagem mostra a jurista Selma Leão sentada sobre uma mesa enquanto sorri para a foto.

Foto: Divulgação

26 de dezembro de 2023

Recentemente, a possibilidade da indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF) fortaleceu o debate por representatividade no judiciário. Ainda neste ano, Edilene Lobo se tornou a primeira ministra negra no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na sexta-feira (22), o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT8), que compreende os estados do Pará e do Amapá, também elegeu uma desembargadora negra e amazônica.

Selma Leão foi a única mulher negra a disputar uma cadeira no desembargo trabalhista para a vaga aberta em decorrência da aposentadoria do juiz Mário Leite Soares. Ela fez parte da lista tríplice, escolhida em votação aberta no TRT8, que seguiu para definição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Nas redes sociais, a juíza de segundo grau eleita comemorou a decisão e disse que a vitória é uma luta coletiva das mulheres e advogados e advogadas negros de todo o país.

“Essa vitória não é minha, é de todas as pessoas que, como eu, acreditam que a luta pela democracia, equidade e diversidade valem a pena. Nosso trabalho continua mais forte e potente, na luta pelos trabalhadores”, celebrou Selma.

Com mais de 35 anos de experiência só na área do direito trabalhista, Selma Leão já foi auxiliar judiciária no TRT8, conselheira seccional suplente na Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), e juíza membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PA.

“O meu diferencial é que, em toda minha vida, só defendi trabalhador, sindicato e centrais sindicais”, diz a desembagadora trabalhista eleita, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

A jurista diz que assumirá a Justiça do Trabalho em um contexto de direitos fragilizados em razão da reforma trabalhista de 2017, proposta pelo então presidente Michel Temer.

“A reforma trabalhista prejudicou os direitos dos trabalhadores, pois atribui ao empregado a responsabilidade de fazer acordos e negociar folgas com o empregador, por exemplo, em uma autonomia que não existe na prática, tirando matérias que antes deveriam ser discutidas via sindicato”, avalia. 

Desigualdade no judiciário

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55% dos brasileiros se autodeclaram negros. Embora sejam a maioria da população, apenas 33% dos advogados do país se declaram pretos ou pardos, segundo a OAB. A desigualdade é ainda maior entre os magistrados: dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que pessoas pretas são apenas 1,7% dos juízes e os pardos constituem 12,8%.

A composição do TRT8 reflete a desigualdade racial do judiciário brasileiro: dos 22 desembargadores, 11 são mulheres e apenas uma se autodeclara negra – duas com a nova nomeação. Para Selma Leão, a participação de mulheres negras na justiça brasileira é uma questão de reparação histórica.

“É uma forma de reparar a discriminação que as mulheres e, mais especificamente, as negras enfrentam. As mulheres negras devem fazer parte das decisões que, hoje, influenciam na política, no poder judiciário e na vida social”, defende a jurista.

Selma afirma, ainda, que seu maior compromisso é com a justiça social. “O judiciário julga de acordo com o que é encaminhado para ele. Mas a gente vê que, logo no início, durante a abordagem, a polícia quando prende, entre o branco e o negro, vai no negro”, pontua.

“Pessoas negras precisam ter o olhar de isenção e igualdade diante da justiça e não serem vistas como culpadas apenas pela cor da pele. Assumo o compromisso de fazer julgamento considerando apenas as provas dos autos”, completa.

Selma diz ainda querer ser no TRT8 a voz “das mulheres negras, dos trabalhadores, dos direitos sociais e das políticas de valorização de trabalho”.

Quem é Selma Leão?

Nascida na Vila de Aicaraú, zona rural de Barcarena (PA), Selma Leão é a segunda entre os dez filhos da dona Mônica, mãe-solo e professora municipal. Aos nove anos, Selma se mudou para a capital paraense, Belém, com o objetivo de estudar. Concluiu o Ensino Médio em escola pública e, posteriormente, tornou-se a primeira pessoa de sua família a ter curso superior, com o apoio de políticas afirmativas de financiamento estudantil.

Com a conclusão da graduação em Direito, conquistou a inscrição na OAB-PA em 1986, exercendo há 36 anos a advocacia, com militância na área trabalhista, sindical e na defesa dos trabalhadores. Sua história com a luta sindical iniciou em Castanhal (PA), no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil. Também já atuou junto a entidades de defesa dos direitos de trabalhadores metalúrgicos, enfermeiros, comerciantes, entre outros.

“A maior lição aprendida com tantas experiências é: nunca desista dos seus sonhos!”, escreveu Selma, nas redes sociais, ao compartilhar sua história. 

Movimentos sociais

Ativistas nos direitos das mulheres, Selma Leão é membro da Coalizão Nacional de Mulheres, de quem recebeu apoio rumo ao desembargo trabalhista. Entidades como Mulheres Negras Decidem e Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) também aprovaram o nome da jurista. Em nota, a ABJD reforçou o apoio.

“Por seu histórico profissional, bem representará a advocacia no Sistema de Justiça, dando efetividade ao sistema de paridade, para aplicar as ações afirmativas e protocolos de equidade de gênero e de raça no judiciário. E, ainda, empreenderá esforços na defesa dos princípios e dos valores sociais do trabalho, do direito do trabalho, na promoção do trabalho decente, da justiça social, como fez ao longo de mais de 35 anos dedicados à advocacia trabalhista”, diz um trecho da nota.

Para a Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan), a participação de mulheres negras no judiciário é uma pauta inegociável.

“Destacamos que participação dos negros no poder judiciário ainda é ínfima, inexpressiva, mas a Anan não tem dado descanso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e aos políticos, de que não se pode falar em democracia, muito menos em justiça, quando o povo brasileiro, propositalmente, é excluído dos postos de decisão. (…) [Dessa forma] A participação das mulheres negras é pauta inegociável para o aperfeiçoamento das mais variadas instituições públicas e privadas”.

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  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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