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Servidores da Funai são impedidos de proteger terras indígenas não demarcadas

Ofício de coordenador-geral de Monitoramento Territorial da Funai desautoriza atividades de proteção em terras não homologadas, uma medida que atinge ao menos 274 territórios; organizações indígenas acionam STF e MPF contra a normativa

A foto mostra um indígena de costas em meio a floresta.

Foto: Imagem: Deb Dowd on Unsplash

19 de janeiro de 2022

Na reta final do ano passado, no dia 29 de dezembro, um ofício assinado por Alcir Teixeira, coordenador-geral de Monitoramento Territorial da Fundação Nacional do Índio (Funai), retirou do órgão as ações de proteção em terras indígenas ainda não demarcadas e homologadas. Organizações dos povos originários entraram com representação no Ministério Público Federal contra a decisão.

Com essa normativa, as atividades de proteção da Funai, entidade vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, passam a ser permitidas somente em casos de terras indígenas que já tenham no mínimo a homologação da demarcação por decreto presidencial, o registro imobiliário em nome da União ou que estejam protegidas por decisão judicial. Como justificativa para a decisão, o ofício argumenta buscar segurança jurídica para as ações, sob o fundamento de que há ilegitimidade de execução de atividades de proteção territorial em terras indígenas não homologadas.

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De acordo com Carolina Santana, advogada e assessora jurídica do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), a resolução implica em desproteção de centenas de indígenas e de milhares de hectares de diversos biomas, comprometendo a integridade física dessas pessoas e a sociobiodiversidade.

Ao menos, 274 territórios serão excluídos dos planos de trabalho de proteção do órgão indigenista, sendo que 116 estão em processo de identificação e seis estão com portaria de restrição de uso para proteção de indígenas isolados, de acordo apenas com dados fornecidos pela Funai. Outras entidades revelam que o número pode ser ainda maior. As consequências imediatas do ofício já impedem que servidores do órgão indigenista atuem emergencialmente em ataques a comunidades indígenas.

“Infelizmente, o procedimento administrativo de demarcação é muito lento no Brasil. Há processos de demarcação que chegam a durar mais de 30 anos somente na primeira instância administrativa. Isso significa dizer que, quando concretizada uma homologação, os indígenas podem receber uma terra totalmente degradada, além de deixá-los à mercê de milícias rurais, madeireiros, narcotraficantes e garimpeiros”, explica a advogada.

Segundo o ofício repassado, a solução de conflitos, invasões e crimes ambientais fora desses territórios serão responsabilidade única dos órgãos ‘competentes’, como a Polícia Federal, polícias civil e militar e o Ibama. Carolina Santana explica que esses órgãos ‘competentes’ sempre foram acionados, mas a novidade é que, ao que tudo indica, a Funai deixará de fazer o monitoramento territorial que auxiliava esse trabalho.

“Isso é uma diferença considerável. Esses órgãos precisariam passar por uma reestruturação tremenda para dar conta de fazer o monitoramento que a Funai fazia. Agora, o monitoramento dessas terras ainda não homologadas ficará somente para os indígenas. É uma sobrecarga injusta, principalmente para os indígenas que já vem fazendo esse monitoramento. E, no caso dos isolados, quem vai acionar estes órgãos?”, questiona a assessora jurídica da Opi.

De acordo com a advogada, há o agravante para os indígenas isolados, porque estão em outro regime administrativo que não é o de demarcação, mas o de restrição de uso, um regulamento provisório que pode ser utilizado para proteger territórios de povos isolados que ainda não tiveram seus processos de demarcação finalizados. A Funai ainda não disse como ficaria a proteção dessas pessoas.

Medida inconstitucional

De acordo com a advogada Carolina Santana, a medida é considerada inconstitucional, pois os direitos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da homologação. “São, conforme a Constituição Brasileira, artigo 231, direitos originários. O procedimento demarcatório é apenas declaratório e não constitutivo da terra indígena. Assim, realizar proteção territorial apenas após a homologação é flagrantemente inconstitucional”, explica.

Além disso, o Estatuto do Índio, no artigo 25, define a necessidade de ação da Funai, independente da prévia demarcação, para assegurar a posse da terra aos índios, que possuem direitos originários sobre o território.

“É um dever do Estado brasileiro se comportar como garantidor desse direito e não retirá-lo de territórios habitados por essas populações originárias. Ancestralmente, aquele local já era deles. Mas como o estado brasileiro se comporta dessa forma, a gente tem que, infelizmente, reivindicar os direitos e entrar com ações judiciais”, destaca Nilcélio Diarrui, coordenador secretário da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Na última sexta-feira (12), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) entrou com representação contra a normativa no Ministério Público Federal (MPF), além de um pedido de inquérito civil contra Alcir Teixeira para investigar possíveis crimes administrativos cometidos. Mais 15 organizações entraram com pedido no MPF por improbidade administrativa contra a Funai. Também, em petição enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), a APIB fala sobre a inconstitucionalidade da medida do órgão governamental.

“Não tem nenhuma normativa legal para essa decisão e a gente continua reivindicando que isso seja desconsiderado, que isso saia da publicação e que, de fato, tenha proteção territorial nos territórios da Amazônia brasileira, da Amazônia Legal e em todo o país, onde existem os povos indígenas e originários”, finaliza Nilcélio Diarrui, da COIAB.

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