Desde que perdeu o filho assassinado por policiais militares na Gamboa, a trabalhadora doméstica Ana Sueli Sousa, de 52 anos, ainda não tinha chorado a morte de Patrick Sapucaia, de 16 anos.
Foi em uma praia durante o Ano Novo de 2025, que Sueli se deu conta: o filho não ia mais voltar.
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“Ver aquele tanto de jovem ali, se divertindo, tive vontade de chorar. A lágrima caiu, eu meio que desabafei e a ficha caiu porque demora, é difícil”, relata.
Na terça-feira de Carnaval de 2022, no dia 1º de março, Ana Sueli despertou com uma ligação da filha às 4h da manhã: Patrick havia sumido em meio a um tiroteio na comunidade da Gamboa, região margeada pela Baía de Todos-os-Santos, no centro de Salvador.
O adolescente curtia uma festa na localidade com os amigos e, como de costume, havia avisado para a mãe onde estava. Caso ficasse tarde, ia dormir na casa de uma tia que mora na comunidade.
Por volta das 2h da madrugada, Patrick e mais dois amigos, Cléverson Guimarães, 22 anos, e Alexandre Reis, 20 anos, resolveram sair da festa para comprar um lanche.
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No mesmo momento, policiais militares chegavam no local após uma denúncia de homens armados na região.
O dia já amanhecia quando Ana Sueli chegou ao Hospital Geral do Estado (HGE). Por meio de familiares de Patrick que moravam na Gamboa, ela soube que o corpo do jovem estava na unidade de saúde.
Lá, a mãe recebeu a notícia de que o filho, o adolescente Patrick Sapucaia, e os outros dois jovens estavam mortos. Segundo a versão dos PMs, os rapazes atiraram contra eles.

Já as testemunhas, maioria moradora da Gamboa, dizem que os três jovens não portavam armas nem drogas.
A perícia não identificou partículas de chumbo na mão das vítimas, o que indica que eles não apertaram o gatilho das suas supostas armas.
Os policiais militares Tárcio Oliveira, Thiago Leon e Lucas dos Anjos são réus por homicídio qualificado por motivo torpe e fraude processual.
Despedida
Como qualquer jovem de 16 anos, Patrick gostava de curtir a vida. A praia do Solar do Unhão, cartão postal da Gamboa, era a favorita do adolescente. No local, ele aproveitava para comer o seu prato preferido: a moqueca de camarão da tia Suzana, dona de um restaurante à beira mar.
Alto, sorridente e prestativo, Patrick não passava despercebido pelos lugares. Aos 13 anos, pediu autorização da mãe para trabalhar em uma loja de roupas na Avenida Sete, região de comércio no centro da capital baiana.

Filho e sobrinho de militares, Patrick tinha o sonho de entrar para a Marinha quando completasse a maioridade. Formar uma família também estava nos planos do adolescente, que pretendia reatar o relacionamento com a namorada.
“Mas não deu mais tempo. A morte interrompeu”, diz a mãe Ana Sueli.
Hoje, Sueli alimenta um único sonho, impossível: “Se eu pudesse voltar o mundo, o passado, eu queria meu filho de volta na minha vida. Toda riqueza do mundo que eu tivesse eu trocaria pela vida do meu filho”.
Semanas antes de sua morte, Patrick teria desabafado com o cunhado, Paulinho: “Eu quero que você tome conta da minha família, principalmente da minha mãe. Não deixe minha mãe sozinha”.
“Era um tom de despedida”, relembra Sueli.
‘A vida para mim acabou’
Trabalhadora doméstica há mais de 30 anos, Ana Sueli Sousa é mãe de 3 filhos. Patrick, carinhosamente apelidado de ‘Tiquinho’, era o caçula da família.

A família lembra do adolescente como uma pessoa amorosa e prestativa. O irmão mais velho, Pierre, era o mais apegado a Patrick. Pierre morreu um ano após a morte do irmão.
“A vida para mim acabou. Eu tô assim, vegetando. Está tudo diferente. Eu saí da minha casa, fui para outro bairro”.
Assim como Silvana Santos, mãe de Alexandre Reis, e Luciana Guimarães, mãe de Cléverson, a mãe de Patrick aguarda há três anos pela condenação dos policiais envolvidos no caso.
“Eles que são o juiz, o promotor, decide quem morre, quem não morre… É uma coisa complicada para a gente. Eu só espero justiça porque a vida da gente mudou e eu não sei o que será daqui para a frente”.