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Tradição negra da Bela Vista, em São Paulo, resiste ao apagamento histórico

Bairro da região central da capital, conhecido pela forte presença da cultura afro-brasileira, mantém viva sua história negra apesar das mudanças na região causadas pela gentrificação; capoeira do mestre Ananias e capela de Santo Antônio do Categeró são alguns exemplos de resistência

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nadine Nascimento I Imagem: Arquivo pessoal

capoeira do mestre Ananias

22 de setembro de 2021

No bairro da Bela Vista, na região central de São Paulo, a pequena capela em homenagem a Santo Antônio de Categeró é um dos marcos da resistência ao apagamento da história negra na capital paulista. A capela existe há 26 anos no quintal da benzedeira Tia Eliza de Luca, carioca de 64 anos, que mudou-se para a região em meados dos anos 90.

“Santo Antônio do Categeró é negro, nasceu na África, onde hoje é a Líbia e foi escravizado para a Itália. Lá foi amigo de São Benedito, os dois trabalharam no mesmo mosteiro. Santo Antônio do Categeró é o protetor dos pobres e tem feito muitas graças para quem tem fé nele”, diz a benzedeira ao lado da imagem de quase 1,80m, em madeira negra reluzente, que fica no centro da capelinha.

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Proprietária da casa e do terreno onde fica a capelinha, Tia Eliza recebe inúmeras propostas de empresas do setor imobiliário interessadas em construir condomínios de apartamentos no lugar.

“Sempre ligam dizendo que todos os vizinhos já venderam, que só falta eu. Estou na Bela Vista há muitos anos, a capelinha faz parte das tradições negras do bairro. Temos um trabalho de assistência social importante feito de forma independente, e o sonho é criar um projeto para auxiliar as crianças carentes do bairro que não têm espaços de lazer, estudo e recreação”, afirma Tia Eliza, que viu o bairro da Bela Vista passar por diversas mudanças.

Bem perto da capelinha, por exemplo, ficava o complexo de cortiços da Vila Itororó, com dezenas de famílias negras que viveram ali até 2012. Atualmente, após reformas feitas pela prefeitura, o lugar virou um espaço de equipamentos culturais e de serviços públicos da cidade, inaugurado no começo do mês.

Outros terrenos e casarões do bairro foram vendidos e deram espaço para prédios comerciais e condomínios. “Quando eu vim do Rio, em junho de 1995, tinha um radialista chamado Zeno Bandeira, ele gostava muito das minhas orações e dizia que em São Paulo eu nunca mais ia ver o sol, pois aqui só tinha garoa. Era, então, para eu botar a garoa para correr. Se você notar, desde o tempo que eu estou aqui, a garoa desapareceu mesmo”, comenta a benzedeira.

Outras referências

Inspirado nas histórias sobre a presença negra na região, Guilherme Soares Dias, criador do Guia Negro e da agência Black Bird, montou um passeio turístico pela Bela Vista e Bixiga. “Desde os quilombos, passando por trabalhadores dos casarões dos barões do café na Avenida Paulista, até os dias atuais quando temos uma forte presença negra”, conta.

O passeio, que acontece desde 2019, inclui curiosidades históricas como a da igreja da Nossa Senhora da Achiropita, que abriga uma pastoral negra e realiza casamentos, missas e batizados afros. A próxima data do passeio é dia 14 de novembro.

Outra figura importante na história negra do bairro é a capoeira do mestre Ananias, morto em 2016. Ananias Ferreira nasceu em São Félix, em 1924, no recôncavo baiano, e mudou-se para São Paulo em 1953, para ensinar capoeira e trabalhar no teatro apresentando samba e candomblé.

Em 2007, foi instalada na Bela Vista a sede da Casa Mestre Ananias que se tornou um projeto cultural com atividades como aulas de violão, cerâmica, dança e capoeira para todas as idades. Além de festas tradicionais, como o Caruru de Cosme e Damião, festa junina e o aniversário do mestre Ananias, no mês de dezembro.

“A gente faz a música do jeito que a gente acredita e a capoeira do jeito que o mestre deixou”, afirma Rodrigo Lima, o Rodrigo Minhoca, um dos filhos de capoeira do mestre Ananias e fundador do projeto.

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