Primeiro balanço do Disque 100 no governo de Jair Bolsonaro não traz os números sobre violações de direitos humanos praticadas por policiais em 2019
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Fotos Públicas
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A decisão do governo de Jair Bolsonaro de retirar os dados sobre violações de direitos humanos praticadas por policiais do balanço do Disque 100 deve aumentar os crimes violentos de agentes públicos de segurança. É o que considera a advogada Dina Alves, coordenadora-chefe do Departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).
“Esta atitude [do governo] inviabiliza, não apenas a possibilidade de se pensar a construção de qualquer política pública para se chegar a uma diminuição da violência policial, mas também o incentivo para que a polícia continue cometendo atos selvagens, sanguinários e truculentos contra grupos específicos da sociedade”, diz Dina.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos retirou a violência policial do balanço de 2019, um dos principais canais de denúncia de violações de direitos humanos e fonte de dados para o planejamento de políticas públicas e pesquisas sobre desigualdade e racismo. A informação foi revelada pelo jornal Folha de S. Paulo na sexta-feira (12).
Os relatórios anteriores apontavam um crescimento no número de queixas contra policiais. Em 2018, foram 1.637 casos, contra 1.319 em 2017, e 1.009 em 2016. “A atitude autoritária desse governo se revela em vários aspectos. Ele tentou ocultar dados do desmatamento, do desemprego, das mortes pelo novo coronavírus e agora da violência policial”, considera Dina Alves.
De acordo com a 13ª edição do Anuário da Violência, que compila e analisa dados de registros policiais sobre criminalidade, o sistema prisional e os gastos com segurança pública, divulgada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 75,4% das vítimas da violência policial no Brasil são negras. Em busca de entender qual o perfil das vítimas da letalidade policial no país, o Fórum investigou 7.952 registros de intervenções policiais terminados em morte, no período de 2017 e 2018.
Para Dennis Pacheco, pesquisador do fórum, a exclusão dos dados do balanço do Disque 100 “fere todos os princípios da transparência de dados públicos e lesa a sociedade e o interesse público”. “O relatório manipula os dados e a análise numa tentativa de reescrever a realidade apagando seletiva e especificamente os dados relativos à vulnerabilidade da população negra às violações de Direitos Humanos no Brasil”, defende.
Uma das estatísticas que ainda constam no levantamento divulgado pelo ministério chefiado por Damares Alves, é a de violações de direitos humanos por raça/cor. O balanço revela que em 2019 o número de violações contra pessoas negras aumentou 17,6%. Foram contabilizadas 83.267 denúncias, contra 70.804 em 2018. As violações de direitos humanos contra brancos somaram 69.526 no ano passado, 16,5% menor do que as de negros.
De acordo com Pacheco, no entanto, o primeiro relatório sobre violações de direitos humanos feito na gestão do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido) apresenta falhas graves e que dificultam a comparação com dados coletados anteriormente.
“O relatório não sabe diferenciar identidade de gênero de orientação sexual. Também não sabe que, conforme convencionado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a categoria negros agrega pretos e pardos”, destaca Pacheco. “Em muitos momentos, o relatório trata por negros somente a categoria preto. Má fé ou incapacidade técnica?”, questiona o pesquisador.
Para o especialista, a questão racial foi negligenciada na apresentação dos dados, o que leva a um entendimento equivocado do balanço. “O relatório de 2018 traz gráficos por subgrupo da categoria Igualdade Racial, que agrega População Negra em Geral, Juventude Negra, Mulheres Negras, Comunidades Quilombolas, Comunidades de Matriz Africana e Comunidades de Etnia Cigana. Já o relatório de 2019 opta por apagar o fato de que o Grupo de denúncias relativas a Igualdade Racial compreende comunidades centradas em identidades negras, indígenas, tradicionais e ciganas. Qual o interesse de invisibilizar esse dado enquanto mostra uma suposta redução de mais de 60% nas denúncias de violações à igualdade racial?”, salienta Pacheco.
Ainda em relação à violência policial, apesar de não trazer especificamente o total de violações cometidas por policiais e demais agentes públicos das forças de segurança, o balanço do Disque 100 apresenta os locais onde os direitos humanos foram violados. Presídios, cadeias e delegacias somam 5.519 denúncias em 2019, contra 3.906 em 2018, uma alta de 41,2%.
Procurado pelo Alma Preta, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não comentou a ausência de dados sobre as violações praticadas por policiais. Ao jornal O Globo, a pasta de Damares Alves afirmou que os dados foram retirados por conta de “inconsistências nos registros” e que essa divulgação pode ser feita “posteriormente”, após “estudo aprofundado”.