A Zona Leste é a região com mais denúncias de intolerância religiosa na cidade de São Paulo, de acordo com o relatório da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro). Os dados mostram 28 agressões diretas a praticantes das religiões de matriz africana na região em 2019 contra 23 casos em 2020, diminuição decorrente do isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19.
Entre 2019 e 2020, a Renafro contabilizou 19 denúncias de intolerância religiosa relacionadas à Lei do Psiu, 36 chamados policiais com notificação de perturbação da ordem, 18 casos de arrombamento e destruição de terreiros, 118 pessoas agredidas diretamente e 21 casos de intolerância no ambiente escolar em São Paulo.
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A coordenadora estadual da rede, a iyalorixá Maria Cristina Martins, avalia que o aumento no número de casos, principalmente na Zona Leste da capital, se dá por se tratar de uma região com alta concentração de pessoas negras que não sentem a necessidade de esconder suas raízes ancestrais.
A mãe de santo explica que o público frequentante do Candomblé passou a enxergar esses ataques como parte do racismo estrutural da sociedade. “As denúncias servem como reparo civilizatório, em que é exposto o racismo estrutural, que visa tirar o pertencimento da cidadania plena por negros serem a maioria da massa brasileira”, explica.
Dados do Disque Direitos Humanos – Disque 100 – também apontam que de janeiro de 2015 ao primeiro semestre de 2017, a cada 15 horas uma denúncia de intolerância religiosa foi registra. As informações mais recentes dizem que os registros de casos de intolerância religiosa aumentaram 21,75% em 2019 no estado de São Paulo quando comparados a 2018, e que em 2020, o Rio de Janeiro foi um dos epicentros da intolerância religiosa, com a média de três casos desse tipo de crime registrados por dia.
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Raiz da intolerância e legislação estadual
O Decreto Estadual Nº 65.086 publicado em 24 de julho de 2020 regulamenta a Lei nº 17.157, de 18 de setembro de 2019, que dispõe sobre penalidades administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação por motivo religioso.
Nos casos em que não for possível a conciliação entre as partes, a multa aplicada pode ser de R$ 27.601,00 até R$ 82.830,00 quando se verificar que, em virtude da situação econômica do infrator, sua fixação em quantia inferior será ineficaz.
Para a iyalorixá Cristina, é importante saber reconhecer quando um crime se trata de intolerância religiosa, até mesmo de maneira sutil, para aplicar o que a lei permite. A coordenadora da Renafro salienta que o preconceito contra religiões de matriz africana pode ser direto ou indireto e parte da dificuldade de aceitação do culto afrocentrado, o que dificulta a denúncia.
“Por estarmos com nossos símbolos litúrgicos e ou indumentárias africanas, até mesmo no momento da ocorrência, é comum a lei não acolher como intolerância por não reconhecer o culto como religiosidade. Isso faz com que quem denuncia não leve à frente o boletim para denúncia”, pondera a mãe de santo.
Maria Cristina pontua que o início de atos de intolerância religiosa partem dos adeptos do cristianismo, principalmente pelo candomblé ser uma religião que “não se trata da crença ocidental e europeia cristã, criada por um ser mítico, político e eurocêntrico”, detalha.
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Denúncia
Para evitar casos de intolerância, a mãe de santo afirma que é necessário que as pessoas não-adeptas às religiões de matriz africana conheçam sobre a ancestralidade do culto e que os adeptos do Candomblé e da Umbanda, por exemplo, saibam que é possível denunciar os casos para os órgão pertinentes.
Todos os casos de intolerância religiosa em São Paulo podem ser denunciados nos Centros de Referência de Promoção da Igualdade Racial, que atuam em concordância com organizações locais, coletivos, instituições de ensino, e órgãos como Defensoria Pública, Delegacia da Mulher, Delegacia de Polícia e Ministério Público e Disque 100.
Na capital paulista os relatos podem ser passados pelos telefones (11) 2833-4305 e 2833-4308, na Ouvidoria de Direitos Humanos do município, pelos telefones (11) 2833-4371 / 2833-4368 / 156, ou ainda pelo Portal 156 da Prefeitura de São Paulo.