O professor acredita que apesar de reconhecida internacionalmente, a prática não é valorizada e ensinada em escolas brasileiras
Texto / Lucas Veloso | Edição / Pedro Borges | Imagem / Acervo pessoal
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Criada no Brasil pelas pessoas escravizadas, a Capoeira nasceu entre os negros africanos que trabalhavam nos engenhos de cana-de-açúcar, nas fazendas de café e casas dos senhores de terra.
Renato Manoel de Sousa é Contra Mestre de Capoeira, educador social e pós-graduado em Relações Étnicos Raciais. Capoeirista desde criança, ele acredita que o Brasil ainda não dá a importância que o esporte merece porque a prática está ligada com a vida do povo negro.
“Infelizmente nós vivemos em um país que carrega uma cultura racista da época colonização, que deixou seu legado até os dias atuais e por isso não valoriza nada criado pelos ancestrais do povo preto”, analisa. “A desvalorização da Capoeira, uma manifestação cultural afro-brasileira, criada pelos africanos escravizados para lutar contra o regime de escravidão é um exemplo”, completa Renato.
Em 2003, a Lei nº 10.639 tornou-se obrigatório o ensino sobre a história e cultura afro-brasileira nas escolas do país, mas para Renato, isso ainda não foi suficiente para incentivar o esporte e dar relevância ao trabalho realizado pelos mestres.
“Além da Capoeira não estar dentro dos currículos das escolas, não temos políticas públicas ou fomento específico para Capoeira e a profissão do capoeirista ainda não é reconhecida no país”, aponta.
Vida na Capoeira
Renato acredita que ser capoeirista é ter comprometimento com os treinos diários e estudar sobre a cultura negra e indígena, principalmente se objetivo for o de fazer da cultura afro-brasileira sua profissão.
“Eu estou aprendendo que devemos evoluir através dos estudos e na prática da Capoeira. A vivência é importante para conhecer mais sobre história de resistência do povo negro e indígena na luta pela sua liberdade, algo que continua até os dias de hoje”, avalia.
“Temos que utilizar a Capoeira nas atividades diárias, como instrumento de socialização, emancipação e principalmente de combate ao sistema racista, machista. É contar que a história do povo negro não começou com a escravidão”, resume.
História
No início do século 19, no Rio de Janeiro, criminosos eram chamados de capoeiras, como registrou o escritor Manuel Antônio de Almeida no livro “Memórias de um Sargento de Milícias”. Na obra ele conta vários episódios sobre os atos violentos que o Major Vidigal praticava contra os negros e com os ‘capoeiras’.
Após a abolição da escravatura, em 1888, quando uma lei definia que não houvesse mais escravos, muitos negros libertos chegaram a organizar gangues e provocar rebeliões para sobreviverem. Ligada a eles, a Capoeira foi proibida por anos no Brasil.
A prática, inclusive, se tornou crime no Código Penal, pelo Decreto 847, de 11 de outubro de 1890.”Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal”, dizia o texto.
“É considerada circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dobro”, decretava.
A situação começou a mudar com o então presidente Getúlio Vargas, a partir de 1937, quando a Capoeira passou a ser reconhecida como esporte nacional. Naquele ano, a academia de mestre Bimba, o criador da Capoeira Regional, conseguiu o alvará nº 111 de funcionamento do espaço para ensino da luta.
Na década de 40, com o novo Código Penal, o uso da palavra “Capoeira” foi liberado. Em 1941, o decreto 3.199 estabeleceu as bases da organização dos desportos no Brasil, onde nasceu o Departamento Nacional de Luta Brasileira, embrião da Confederação Brasileira de Capoeira.
Em 1953, Mestre Bimba e seus alunos realizaram uma apresentação na Bahia, a convite do então governador Juracy Magalhães, na presença do presidente Vargas, que declarou: “A Capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”.
Em 2014, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) declarou a roda de capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.