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Academia de Letras de Taubaté nomeia seu primeiro escritor surdo

Erliandro Felix Silva, de 44 anos, se alfabetizou aos 20 e é autor de livros infantis em libras e pesquisador de Literatura surda
O escritor Erliandro Felix Silva é o primeiro escritor surdo da Academia Taubateana de Letras.

O escritor Erliandro Felix Silva é o primeiro escritor surdo da Academia Taubateana de Letras.

— Arquivo pessoal.

6 de fevereiro de 2025

O escritor Erliandro Felix Silva, de 44 anos, foi nomeado membro da Academia Taubateana de Letras (ATL) e se tornou o primeiro escritor surdo da instituição. 

A cerimônia aconteceu na última sexta-feira (31), na sede da ATL.

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Silva é autor de dois livros infantis bilíngues, “Alcembleia” (2022) e “Bule” (2018), que são escritos em Língua Portuguesa e Língua Brasileira de Sinais. Segundo o autor, eles estão em processo de edição pela Pod Editora, do Rio de Janeiro.

Ele também é autor e co-autor em dezenas de artigos acadêmicos sobre Libras e letramento étnico-racial na educação bilíngue de surdos.

Em seu perfil profissional, o escritor se define como “preto, surdo, gay e baiano”. Caçula de uma família de cinco irmãos, ele nasceu na cidade de Eunápolis, a 522 quilômetros de Salvador. Sua mãe, lavadeira, criou os filhos sozinha. 

Silva conta que ficou surdo aos 3 anos, após uma meningite.

Barreiras sociais

O escritor relata que começou a trabalhar aos 12 anos e só entrou na escola formal aos 20, com o apoio de uma senhora que o encaminhou para o Ensino de Jovens e Adultos. 

Ela era professora aposentada de Português e Literatura e começou a ensina-lo a ler e escrever quando adolescente. Mas, por falta de documentos, ele consegui se matricular no EJA só quando já estava adulto.

Essa senhora tinha muito livros do Machado de Assis em sua casa. E, por isso, Silva se encantou por ele — ainda mais quando soube que ele era um homem negro.

“Ela me disse que um dia podia ser como Machado de Assis. Mas é impossível”, diz sorrindo.

Silva revela que, dos cinco irmãos, ele foi o único que conseguiu se alfabetizar.

“Eu acredito que o EJA ajuda muita gente. O poder da leitura e a educação transforma nossa vida”, comemora.

Surdos na literatura

Aos leigos como a maioria de nós, Silva explica que a “literatura surda” usa recursos como as Libras, que permitem ler e escrever sem a necessidade de tradução para uma língua oral, e outras narrativas visuais.

“É uma ferramenta que promove o reconhecimento identitário e combate preconceitos, fortalecendo a comunidade surda em uma sociedade predominantemente ouvinte”, explica. 

Entre autores negros e surdos do Brasil, ele destaca o poeta e slammer Edvaldo Santos (mais conhecido como Edinho Poesia), a educadora paraibana Priscilla Leonnor, o poeta Bruno Ramos, o artista de teatro Sandro dos Santos Pereira e a atriz, diretora e também slammer Gabriela Grigolom. 

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A obra deles é toda em Libras. Em casos pontuais, como artigos acadêmicos, é possível ler seus textos em Língua Portuguesa, trazidos para os ouvintes.

Entre autores brancos, ele destaca a brasileira Sueli Ramalho e seu livro “A Imagem do Pensamento – Libras”, que aborda o pensamento visual das pessoas surdas; e o poeta Cláudio Henrique Nunes Mourão, que fala de “mãos literárias” como meio de narrativa e identidade surda. 

Sobre autores internacionais, Silva faz referência à americana surdocega Helen Keller, autora de “A História de Minha Vida”. “Ela inspira com sua trajetória como escritora, filósofa e ativista, mesmo enfrentando a surdez e a cegueira”, afirma. 

Na terra de Monteiro Lobato

A reportagem pediu a opinião de Silva obre Monteiro Lobato, escritor que é um dos filhos mais ilustres de Taubaté e que integrou a Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 1918.

“Alguns da ATL gostam desse escritor, mas eu não. Não gosto de ler nem o nome”, respondeu.

Lobato não é membro da ATL, que foi fundada em 1999, mas já deu nome a concursos da Academia.

Trajetória acadêmica

Além da escrita e do doutorado, o escritor é, atualmente, técnico-administrativo no Campus Ilha Solteira do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e cursa o doutorado em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC (UFABC).

“Minha área de pesquisa é ampla, abrangendo o letramento étnico-racial na educação bilíngue de surdos, estudos literários e literatura surda, literatura africana e afro-brasileira”, explica. 

Ele também foi professor substituto de Libras na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS/Campo Grande). 

Silva ainda atuou em outras atividades acadêmicas, sempre ligadas à Libras, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Universidade Federal de Juiz de Fora e na Universidade Federal Fluminense. 

O escritor integra três grupos de pesquisa: o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI), no IFSP; o “Compreensão e Produção Escrita em Língua Portuguesa como Segunda Língua”, no Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES); e o “Estudos Bilíngues em Geografia, História, Antropologia, Filosofia e Sociologia e América Latina” na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

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  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

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