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Após cem anos, festa de Iemanjá em Salvador conta com escultura negra da orixá

Instalada na Colônia de pescadores no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, escultura propõe o resgate das simbologias africanas
Divulgação/Cristian Carvalho

Foto: Divulgação/Cristian Carvalho

1 de fevereiro de 2023

Por mais de cem anos, era comum que a tradicional festa de Iemanjá, em Salvador, contasse com a figura de uma mulher branca, de cabelos lisos e olhos azuis no barco onde os pescadores fazem o ritual de entrega de presentes à orixá, na praia do Rio Vermelho.

Com a retomada do evento presencial, que ficou suspenso por dois anos por causa da pandemia, a escultura da orixá tem um novo perfil: é uma mulher preta, com traços negróides e cabelos com dreads. A obra, instalada na Colônia de Pescadores Z1, é fruto de uma iniciativa idealizada pela Colônia de Pescadores Z-01, em parceria com o Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), e tem como finalidade resgatar os significados simbólicos da cultura africana na Bahia.

A diretora do Muncab e gestora cultural, Cintia Maria, comenta que a ideia de presentear a Colônia de Pescadores com a orixá negra surgiu durante os festejos de Iemanjá. Ela destaca que a importância do Muncab na disputa de narrativas para a reconstrução de imaginários e preservação das culturas afro-brasileiras.

“Neste sentido, enquanto diretora, tenho a compreensão das culturas e das artes como um processo de significação e ressignificação histórica, socialmente construído e determinado pelas relações de poder. Por isso, buscamos através do presente para Iemanjá reafirmar a identidade dessa Orixá e das representações sociais sobre essa antepassada africana, contestando as narrativas pejorativas e estereotipadas, reelaborando a sua imagem, através da produção artística”, pontua Cintia Maria.

Comemorada no dia 2 de fevereiro, a festa de Iemanjá marca o calendário de eventos populares da Bahia. A tradição começou em 1923, quando pescadores da Colônia de Pesca Z1 resolveram oferecer presentes à rainha do mar como forma de almejar fartura de peixes. Desde então, todos os anos os pescadores oferecem presentes à Iemanjá e contam sempre com a participação de representantes de terreiros de candomblé da Bahia.

Apesar do centenário da festa ser marcado por uma nova escultura, a obra não irá substituir a Iemanjá branca instalada no altar da Colônia de Pescadores, mas, sim, ampliar a representação da divindade nas tradições dos povos africanos. Para a jornalista e doutora em antropologia, Cleidiana Ramos, a simbologia da iemanjá negra é fruto da preservação cultural mantida pelos povos tradicionais no Brasil, historicamente perseguidos.

“Embora Iemanjá tenha aparecido tantas vezes como branca, não me parece que sua força africana esteve ‘esquecida’. Essa festa sobreviver com tanto protagonismo e com uma força de reinvenção contínua é, ao meu ver, um espelho da força das tradicionais religiosas afro-brasileiras”, destaca.

O artista plástico Rodrigo Siqueira é o responsável pela confecção da nova escultura, que conta com um metro e 40 centímetros, produzida em uma estrutura metálica combinada com resina de vidro e mármore. Além disso, a estátua traz elementos da água, como conchas e búzios naturais importados da Indonésia. A obra foi confeccionada no terreiro Ilê Oba L’Okê, em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, a pedido do Muncab.

Rodrigo Siqueira conta que a principal mensagem da obra para a população da Bahia, estado majoritariamente autodeclarado negro, representa uma reparação histórica.

“Quando a gente faz uma obra de arte dessa não é só para o soteropolitano poder se ver através de uma imagem negra, poder rezar com a beleza de uma imagem negra, mas é poder saber a importância que os nossos ancestrais, que nossos antepassados, têm. Não só é para a história da cidade de Salvador, mas a história da humanidade”, comenta o artista especializado na arte sacra afro-brasileira.

“Odoyá, 100 anos de Festa e Reverência a Iemanjá”

Reconhecida como Patrimônio cultural de Salvador, a festa de Iemanjá, realizada no dia 2 de fevereiro, é considerada a maior celebração da cultura afro-brasileira da Bahia e neste ano tem como tema “Odoyá, 100 anos de Festa e Reverência a Iemanjá”. O evento marca o retorno da festa em formato presencial após ser suspenso em 2020 por causa da pandemia de covid-19.

Segundo a prefeitura de Salvador, os festejos terão início a partir das 4h30, quando os presentes da orixá sairão do Terreiro de Ilê Oxumaré, no bairro da Vasco da Gama, até a praia de Santana, no Rio Vermelho. Logo em seguida, às 5h, é iniciada a tradicional alvorada, que segue até as 16h.

Em seguida, a oferta segue na embarcação “Rio Vermelho” para o “Buraco de Iaiá”, localização exata no mar de um buraco em formato de concha, a três milhas náuticas da terra, onde as oferendas são depositadas.

Na Colônia de Pescadores Z1, no Rio Vermelho, a Casa de Iemanjá e o Barracão, onde ficam a imagem principal e os balaios, receberão os fiéis para o depósito de flores, presentes e ofertas para a orixá.

Além disso, uma exposição, realizada pelo Coletivo Aéreo, poderá ser conferida pelo público durante os festejos. Intitulada “Festa de Iemanjá – 100 anos”, a exibição reúne imagens históricas e contemporâneas, de diferentes fotógrafos e fotógrafas, que registraram a festa ao longo entre os anos de 1940 a 2010. O coletivo é composto pelos artistas visuais Vinicius S. A. e Jovan Mattos e pela designer de interiores Larissa Fadigas, com curadoria da fotógrafa e artista visual Célia Aguiar.

Compõe a exposição as fotografias de Adenor Gondim, Amanda Tropicana, Bauer Sá, Fernando Naiberg, Isabel Gouveia, Monique Grapy, Paulo Coqueiro, Rafael Martins, Ricardo Mello, Ricardo Prado, Sara Nacif, Shirley Stolze, Tacun Lecy e Valéria Simões, assim como as fotos da Fundação Pierre Verger e do Arquivo Histórico Municipal de Salvador, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult).

Leia também: Casas de Angola: memória, cultura e arte africana no Brasil

  • Dindara Paz

    Baiana, jornalista e graduanda no bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA). Me interesso por temáticas raciais, de gênero, justiça, comportamento e curiosidades. Curto séries documentais, livros de 'true crime' e música.

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