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Elza Soares: a eternidade da Mulher do Fim do Mundo

Ícone da música popular brasileira e inspiração para o movimento negro no país, Elza Soares produziu até o final da vida e deixa um legado de luta e arte imensurável 

A imagem mostra Elza Soares. A cantora está segurando um microfone, com os olhos fechados e olha para cima

Foto: Divulgação

21 de janeiro de 2022

“Elza Soares é herdeira e representante de uma luta anterior ao feminismo. Ela representa as mulheres negras, todas, que somos convocadas a lutar para sobreviver”, declara a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, em entrevista a Alma Preta Jornalismo. Na última quinta-feira (20), o país recebeu a notícia do falecimento de um dos maiores ícones da música e da luta antirracista da história.

Elza se foi em casa, aos 91 anos de idade, após fazer fisioterapia, conversar com a família e gravar, dois dias antes, um DVD, segundo o seu empresário Pedro Loureiro. “Eu sei que a Elza descansa, ela foi do jeito que ela queria: em casa, tranquila. Chegou o momento, chegou o dia. A gente só lamenta essa perda, mas sei que o seu legado fica conosco”, ressalta a deputada federal Benedita da Silva (PT – RJ).

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Uma legião de mulheres negras de várias gerações que cresceram, evoluíram, consumiram e se emocionaram com Elza Soares, agora reverenciam e espalham o seu legado. Ela não apenas deixou mais de 30 discos gravados com diversos estilos e ritmos da cultura negra, como o funk, o jazz, o hip hop e o samba, como foi ponta de lança no enfrentamento à violência contra a mulher, o racismo, a misoginia e ao conservadorismo.

“Nós conhecemos as tragédias que sua história narrava repetidas vezes: a fome, a morte, as barreiras incontáveis. Nós mulheres negras vivemos isso. Sabemos o quanto dói. Uma das poucas entre nós a ocupar a esfera pública, ela nos representou ao longo das décadas, caindo e levantando e saindo de cada baque cada vez maior. Superação, mas também aposta no futuro inovador. Mas ela era, e é uma gênia maior do que nós”, afirma Werneck.

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Herança para novas vozes negras

A cantora baiana Luedji Luna afirmou à Alma Preta que Elza inspirou sua carreira desde o início. Ela salienta que a precursora representou o feminismo negro na prática e contribuiu “generosamente” com várias artistas negras da nova geração.

“Elza fez tudo! Demarcou seu lugar de majestade na música brasileira, gravou discos históricos, foi homenageada em vida, se posicionou politicamente. Elza é referência não só na música, mas também de como se deve viver e morrer. Assim como ela, quero até o fim cantar”, disse Luedji.

Luna ressalta que a trajetória de Elza a faz refletir sobre a dificuldade de ser artista negra no Brasil. Para ela, Elza mostra que enfrentar as barreiras do ostracismo teve um custo muito alto. “Ela não parava de interpretar, gravar, desfilar em escolas de samba e nem de se reinventar”. Aos 85 anos, por exemplo, Elza Soares, que já somava dezenas de premiações, recebeu um Grammy Latino pelo álbum “A Mulher do Fim do Mundo”.

A sambista brasiliense Dhi Ribeiro conta que Elza foi uma mulher que lutou por sua liberdade e independência. Segundo a artista, ela brigou para manter sua individualidade como cantora e sua autenticidade.

“Ela não se dobrou aos apelos da massificação. Não se deixou enquadrar. Posicionou-se todas as vezes que precisamos de representação. Ela foi nossa voz em uma sociedade que sempre tentou silenciar a mulher negra”, afirma a cantora.

História de luta

Com uma história de vida de superação e ausências, Elza enfrentou a morte dos filhos, a fome e a violência doméstica. Por volta dos 20 anos, fez seu primeiro teste como cantora e, após ficar viuva, decidiu tentar a sorte em um show para calouros apresentado por Ary Barroso.

“De que planeta você veio, minha filha?”, perguntou o apresentador tentando ridicularizar a cantora por sua aparência humilde. “Eu vim do planeta fome”, disse Elza, que recebeu nota máxima do júri, abrindo espaço para a sua carreira de uma forma genuína.

Seu início no samba foi estrondoso, mas sempre lutando contra todas as formas de opressões que uma mulher preta podia suportar. Devido a fase de menos sucesso nos anos 80, ela pensou até em desistir da carreira, mas resolveu procurar Caetano Veloso, com quem gravou o samba-rap ‘Língua’.

Essa participação mostrou a bossa negra de Elza Soares a uma nova geração e abriu caminho para que a cantora conhecesse outras influências além do samba. No ano 2000, foi eleita pela BBC de Londres a ‘Voz do Milênio’.

Ellen Oléria, cantora brasiliense, declarou que Elza ocupa o seu imaginário como os próprios “dreads”: “Ela simboliza raízes, cordas e antenas”, disse à Alma Preta Jornalismo.

Oléria contou que está grata pela oportunidade de ter sido contemporânea de Elza e trata a sua passagem como uma grande festa da memória do povo preto. “O luto é o sentimento de quando uma vida valeu a pena”, diz.

A deputada federal Áurea Carolina (Psol-MG) reitera que a cantora moveu e seguirá movendo as estruturas que fazem as mulheres negras acreditarem que “não somos merecedoras de todo o poder e sucesso”.

”Com carreira já consolidada, levantou-se contra o machismo e o racismo, fez ecoar com seu vozeirão rouco e magnético as reivindicações de tantas nós, enamorou-se do rap e seguiu se reiventando, nos reiventando, anunciando que jamais aceitaremos sermos a carne mais barata do mercado”, afirma a parlamentar.

Músicos, pensadores, jornalistas, artistas de todas as vertentes, pesquisadores e diversas gerações de pessoas pretas celebram a grandiosidade de Elza Soares. Após um longo velório, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seu corpo foi sepultado, nesta sexta-feira (21) no Cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap, na Zona Oeste da capital carioca.

Leia também: Nova série do YouTube Originals, apresentada por Agnes Nunes, celebra Elza Soares e outras grandes cantoras negras

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