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Escolas apostam na força de mulheres negras na busca pelo grupo especial em SP

Três Mulheres Pretas, Três enredos: a força preta, feminina e ancestral da tríade do acesso ao Grupo Especial das Escolas de Samba em SP
Nenê de Vila Matilde é uma das escolas a desfilar no grupo de acesso.

Foto: Felipe Araújo/Liga SP

10 de fevereiro de 2024

Por: Felipe Brito

Oyá, Iemanjá e Oxalá, três divindades iorubás, vão desfilar no Sambódromo do Anhembi e serão contadas e cantadas pelas trajetórias de três mulheres negras, filhas diletas destes orixás, Helena Theodoro, Lia de Itamaracá e Vovó Cici, respectivamente. “Oya Helena”, enredo da Mocidade Unida da Mooca, situada na Zona Leste, apresentará Helena Theodoro, filha de Iansã, filósofa negra brasileira, intelectual, ativista e expoente revolucionária do pensamento acadêmico negro nacional, com profundas raízes junto à tradicionalíssima Acadêmico do Salgueiro.

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“Levantar o debate de uma figura como Helena Theodoro, é suscitar a dúvida, exatamente, no porquê (porque) Helena Theodoro não tem seu nome tão difundido, não é conhecida massivamente dentro das escolas públicas. A potência do enredo está em denunciar essa invisibilidade que é lançada sobre a obra e vida de uma intelectual negra tão importante e como isso diz respeito a algo tão estruturante em nosso país, afirma o carnavalesco da Mocidade Unida da Mooca, Caio Araújo.

Em uma ode à divindade dos ventos e tempestades, Helena Theodoro, será apresentada na simbiose da vida da pensadora, dos mitos e símbolos de Iansã e sua ligação intrínseca com o carnaval e o samba do Rio de Janeiro e do Brasil.

A Nenê de Vila Matilde, uma das mais tradicionais escola de samba do Brasil, cantará em azul e branco – “Cirandando a vida pra lá e pra cá. Sou Lia, Sou Nenê, Sou de Itamaracá”. Lia de Itamaracá, oriunda de Pernambuco, é considerada um patrimônio vivo da cultura nacional. Sua relação íntima com a ciranda e as praias de Itamaracá, dão os contornos da conexão com Iemanjá, a devoção de fé e encanto que a Nenê de Vila Matilde vai apresentar na passarela do samba, como nos conta o carnavalesco Fábio Gouveia.

“Sonhei e idealizei inúmeras formas de fazer este enredo, mas foi a partir das minhas vivências, e de outros amigos, pretos como eu, que lutam três vezes mais para existir e ser reconhecido que busquei transformar esta história de vida de uma mulher preta e corajosa em um conto de fadas”.

Apesar da origem negra das escolas de samba, Fabio é um dos pouquíssimos carnavalescos negros entre o grupo de acesso 1 e Grupo Especial do carnaval paulistano, o que para ele é um ato de resistência.

Sobre o enredo, ele exalta a ludicidade tão própria das cirandas para falar da homenageada. “O enredo propõe uma viagem com caráter lúdico a partir de uma profecia encantada por Iemanjá. O conto fala dos sonhos e memórias desta mulher, que desde menina estava predestinada a ser uma grande rainha”.

A ludicidade e o jeito único de contar as histórias das tradições nagôs de Vovó Cici, também fará parte do desfile da Estrela do Terceiro Milênio em “Vovó Cici conta e o Grajaú canta: o mito da criação”. A agremiação do extremo Sul da capital paulistana, vai exaltar, de maneira “brincante” a trajetória da griô, mas sem perder de vista a crítica ao racismo religioso.

“A Terceiro Milênio está no Extremo Sul da cidade de São Paulo, onde há um crescimento de igrejas neopentecostais e, consequentemente, a “endemonização” destas tradições e, com isso, a gente não concorda. É uma tentativa de combater toda essa intolerância e enxergar a sabedoria e a beleza que há em Vovó Cici. Se não houver o amor, ao final do desfile, esperamos que quem assista, ao menos, encontre o respeito, declara Murilo Lobo, carnavalesco da escola do Grajaú.

Murilo também exalta o respeito aos mais velhos, regramento de conduta das comunidades tradicionais de matrizes africanas e a relação histórica destes espaços com o samba. “O samba sempre vai ter uma relação de gratidão, de dívida e união eterna com os terreiros de candomblé”.

Não é coincidência que mulheres negras, octagenárias sejam tema do carnaval destas instituições do universo do samba paulistano. Como também não se trata de algo isolado na história das escolas de samba em todo Brasil, seja pela execução do samba enredo, ou na imersão da comunidade na temática escolhida, é inegável que uma parcela considerável de foliões, até aqueles que não pulam o carnaval, acabam acessando informações sobre fatos e personalidades relevantes historicamente.

Em um ambiente originalmente negro as escolas de samba desempenham papel pedagógico em massificar o acesso à trajetórias, contos, lendas e facetas diversas da cultura negra e afro diaspórica no Brasil. Com isso, muitas agremiações eternizaram sambas, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que contribuíram ao nos apresentar, em muitos casos pioneiramente, personagens e episódios históricos de grande importância para a luta antirracista e cultura negra no Brasil.

Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço negro brasileiro, antes de ser destacado como personagem, interpretado pelo também palhaço e ator carioca, João Carlos Artigos, na telenovela “Amor Perfeito”, de Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr, já havia sido retratado pelas escolas de samba Unidos do Peruche (SP), em 1986, posteriormente pela Unidos de São Clemente (RJ),em 2009 e, por último, em 2020, na Acadêmicos do Salgueiro.

Como título do enredo destas agremiações, o que destaca mais uma vez a potência que as Escolas de Samba, como escolas, como lugares de ensino e possibilidade de retirar da invisibilidade biografias negligenciadas pelo racismo. Três mulheres negras, três orixás, três anciãs e três maneiras materiais de combater o racismo, o etarismo e o racismo religioso com criatividade e pedagogia antirracista.

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