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‘Países irmãos, não primos’: Feira do Livro de Bogotá aproxima laços afro entre Brasil e Colômbia

Figuras brasileiras como Cidinha Silva, Fabiana Cozza, Allan da Rosa, entre outros, fazem parte da programação do evento; a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco também participa do encontro
Imagem mostra uma apresentação artística na FILBO.

Foto: Bárbara Lima

17 de abril de 2024

A Feira do Livro de Bogotá (FILBo), evento que ocorre desde 1988, tem o Brasil como país convidado para a edição deste ano. O evento acontece entre 17 de abril e 2 de maio, com uma programação diversa, traz atividades voltadas para o público infanto-juvenil, para o desenvolvimento de parcerias comerciais editoriais, além de palestras e oficinas.

Parte da programação da FILBo deste ano será organizada pelo Ciclo Afro, uma realização do Leitorado Guimarães Rosa, iniciativa sediada na Universidade Nacional da Colômbia. Entre os dias 22 e 27 de abril, as atividades do Ciclo Afro contarão com a presença de cerca de 50 autores, entre brasileiros e colombianos, com 19 mesas de debate garantidas. 

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Marcos Ramos, idealizador do Ciclo Afro, professor do Leitorado Guimarães Rosa de Bogotá e professor visitante da Universidade Nacional da Colômbia, acredita que o convite e o encontro demonstram um interesse mútuo de reaproximação entre os dois países por meio da literatura e ressalta a possibilidade de circulação da obra de autores brasileiros para os demais países da América Latina, em particular a Colômbia.

“Historicamente, a FILBo se consolidou como um espaço frequentado por uma classe média branca colombiana, mas a presença do Ciclo Afro certamente será uma maneira de ampliar e enegrecer tanto a programação quanto à plateia. Se a FILBo está entre os maiores eventos literários da América Latina, é crucial que este evento seja cada vez mais ocupado por aqueles que foram e são centrais em todos os processos civilizatórios desse continente: os afro-descendentes”, conta.

O Ministério da Cultura, em parceria com os organizadores da FILBo, tem uma programação que envolve cerca de 20 escritores, o que torna o Ciclo Afro o detentor da maior parte das atividades do encontro. O encontro tem apoio do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério das Relações Exteriores do Brasil por meio do Instituto Guimarães Rosa. A pasta chefiada por Anielle Franco disponibilizou R$ 300 mil como forma de apoiar o evento, e pretende utilizar o encontro para apresentar projetos de parceria entre as duas nações.

“A presença do Brasil como convidado de honra na Feira Internacional do Livro de Bogotá  (FILBo) se destaca como um marco histórico, sobretudo pela inclusão do Ciclo Afro em  sua programação. Este relevante evento literário da América Latina proporciona um  espaço para a celebração da literatura e o estímulo ao intercâmbio cultural em nível  global. Este ano, o Brasil não apenas compartilha a diversidade e riqueza de sua cultura  literária, mas também avança significativamente em direção à inclusão e  representatividade ao enfatizar a importância dos intelectuais negros na produção de  literatura e cultura”, afirma o Ministério da Igualdade Racial.

A ministra da Igualdade Racial participa da mesa de atividade “Caminhos Amefricanos: Programa de Intercâmbio Sul-Sul”, momento em que serão divulgados acordos entre Brasil e Colômbia, assuntos que são debatidos há 10 meses para o fortalecimento do combate ao racismo. Anielle Franco também participa de um debate em que apresentará um programa de intercâmbio entre as duas nações, com o nome de “Caminhos Amefricanos: Programa Intercâmbios Sul-Sul”. Para esta última atividade, há a expectativa da presença da ministra da Educação da Colômbia, Aurora Vergara, e da vice-presidenta do país, Francia Marques. 

FILBo fortalece laços entre a comunidade negra internacional. (Bárbara Lima)

Catherine Dunga, cofundadora da Kitambo, uma organização voltada para artistas de países africanos e da diáspora, tem uma expectativa positiva para a FILBo deste ano e acredita que os dois países podem aprender com as semelhanças e diferenças da realidade posta aos afrodescendentes nos dois territórios. 

“As comunidades afro da Colômbia e do Brasil compartilham uma herança africana, uma forma de pensamento crítico, uma reafirmação e uma construção não estereotipada da nossa identidade, um reconhecimento plural e diverso das distintas expressões artísticas e culturais, com lutas e formas de resistência, para além de ocupar espaços e lugares de poder e tomada de decisão”, comenta.

Ela conta que as comunidades afro da Colômbia centram força no reconhecimento da diversidade cultural e étnica do país, com a inclusão das comunidades negras, os chamados grupos raizales e palanqueros, próximos dos povos quilombolas para os brasileiros. Ela reafirma que há também uma tarefa posta para a garantia do direito territorial, com a titulação de terras e uma oposição a projetos de mineração que colocam em risco a vida desses grupos. As trocas com os afrodescendentes brasileiros podem ser importantes para o enfrentamento desses desafios.

O Ministério da Igualdade Racial do Brasil apresentou diferenças e semelhanças das experiências vividas por afro-brasileiros e afro-colombianos. No país vizinho, a população negra e os movimentos sociais ganharam um caráter rural importante, enquanto no Brasil os movimentos negros tiveram características mais urbanas. Os dois países também experienciam ideologias nacionais que apagam a população negra, como o mito da democracia racial no Brasil e a ideia de uma nação mestiça na Colômbia.

“Apesar das peculiaridades de cada país, infelizmente os números de mortos e do racismo  unem os países na mesma intenção de cooperação para o combate ao racismo utilizando  a cooperação internacional como grande aliada para este movimento”, pontua a pasta. 

Mediadora de atividades durante a FILBo, Munah Malek, socióloga, pesquisadora e assessora legislativa de Thais Ferreira, vereadora do Rio de Janeiro, destaca a necessidade de aproximar esses países “irmãos, que se tratam como primos”.

“Aproximar países que são irmãos, mas se tratam como primos distantes é sempre um excelente exercício. Quando digo que são irmãos, falo da sua composição étnica, sua biodiversidade, rituais e herança africana compartilhada. Aproximar essas relações é reforçar os lados dos países do cone sul  também para estreitar agendas, realizar intercâmbios e ultrapassar a barreira dos idiomas. No fim, podemos falar mais a mesma língua”.

A FILBo

No site oficial, a Feira do Livro de Bogotá (FILBo) conta que o objetivo do encontro é o de “realizar um evento com uma dinâmica cultural e comercial” para dinamizar essa indústria de autores colombianos e latino americanos, como forma de gerar uma maior conversa entre as partes sobre os temas mais importantes da atualidade.

O Brasil já foi a nação convidada em duas oportunidades, em 1995 e em 2012. Outros países, como Espanha, Argentina, Venezuela, Chile e Estados Unidos, já foram convidados para as outras edições da FILBo. O país convidado de 2023 foi o México.

A expectativa para o convite é a de aproximar as produções literárias dos dois países, tanto de escritores consagrados como de emergentes. O lema da edição será “Ler a naturaza”, com o objetivo de unir, de maneira harmoniosa, literatura, cultura e natureza. Para os organizadores da FILBo, é uma oportunidade de “abrir conversas ancestrais, diversas e contemporâneos”, como uma forma de trazer à tona as heranças da Amazônia, o bioma compartilhado entre os dois país.

Uma das convidadas brasileiras a participar é a escritora, Cidinha Silva, autora com 21 livros publicados, entre eles, “Um Exu em Nova York” e “O mar de Manu”. Para ela, os dois são países “irmãos” e reconhecidos pela presença física e cultural do povo negro.

“Creio que à medida que vozes literárias contemporâneas não-hegemônicas forem ouvidas e lidas, teremos a possibilidade de apresentar outros mundos e perspectivas de vida. As populações originárias e afrodescendentes desses países, principalmente, têm a vocação para constituir, no campo da literatura, aquilo que Lélia Gonzalez chamou de “Améfrica Ladina””, afirma.

Fabiana Cozza, cantora com álbuns como “Dos Santos” e participações musicais com nomes como Emicida, relata que esse é um momento relevante de troca dentro do cenário musical e artístico. 

“A música exerce um papel importantíssimo na difusão de ideias, no diálogo com as pessoas, na união de povos e bandeiras. Houve um tempo, na década de 60/70, que artistas brasileiros como Milton Nascimento, por exemplo, estabeleceram relações mais próximas com a América Latina em defesa da democracia. Atualmente, o avanço da ultradireita no mundo é um alerta e uma ameaça. Nós, artistas, precisamos estar atentos e unidos para enfrentarmos mais este combate”.

As atividades do Ciclo Afro também contam com a parceria da Embaixada do Brasil em Bogotá, Revista El Malpensante, Fundación Kitambo, Revista Améfrica, além do Núcleo GERA (Universidade Federal do Pará), do CES – Centro de Estudios Sociales (Universidad Nacional de Colombia), Fundação Bembé do Mercado e do GEA – Grupo de Estudios Afrocolombianos (Universidad Nacional de Colombia). Algumas atividades também tiveram apoio do Departamento Nacional do Sesc. 

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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