“Aqui, o samba é diferente. Só quem conhece o frevo e nossas cambindas sabe como é”, é o que aponta a pesquisadora e produtora cultural pernambucana Gabriela Apolonio. Com história de vida entrelaçada com o samba – ritmo historicamente formado por artistas negros -, a idealizadora do projeto “Contando a História do Samba”, lançado nesta semana, visa documentar e refletir sobre as contribuições de personalidades da cultura popular local ao ritmo em uma websérie.
Inicialmente, 11 episódios, com tempo de duração de episódios de 5 a 8 minutos, fazem um passeio entre escolas de samba, territórios marcados pelo ritmo, grupos e as lideranças que os compõem. Influenciado pelos passos dados no Rio de Janeiro, no projeto, é resguardado a contribuição de personalidades do estado com as mandingas e a malemolência do passista, do capoeirista, do maracatuzeiro e do coquista, figuras presentes no cenário da Zona da Mata e Região Metropolitana do Recife.
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Nomes de prestígio da mesa de samba autoral, como Paulo Perdigão, Dona Selma, Souza da Galeria do Ritmo, Marise Félix do Gigante do Samba e Dona Lali da Rebeldes do Samba protagonizam o projeto. A contribuição à arte também é lembrada com a participação dos principais carnavalescos da região, entres eles “Xuxa”, Danda e Fabiano Silva.
“A proposta é costurar a história do samba em Pernambuco na busca do reconhecimento desta expressão artístico cultural e musical como cultura do nosso território. O estudo que findou no projeto foi em cima da tentativa de entender a retórica do discurso patrimonial da elite intelectual, que não inclui o samba sendo pertencente à nossa identidade. Trago o projeto para firmar, que, sim, é uma expressão cultural que faz parte da nossa história. Aqui, o samba sempre foi reconhecido como ‘ritmo de negro’ e isso também é muito importante”, afirma a idealizadora em conversa com a Alma Preta Jornalismo.
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Relação com samba pernambucano vem de berço
Resultado de cinco anos de pesquisa, realizados entre os anos de 2017 e 2020, o mapeamento ainda revela a relação da idealizadora com o ritmo desde a infância. Nascida e criada em Brasília Teimosa, comunidade localizada na Zona Sul do Recife, a pesquisadora é de família de chorões e músicos. O tio-avô integrava um dos principais grupos de choro da capital pernambucana, [INSERIR], e na rua onde viveu a infância e a adolescência a trilha sonora era o ensaio da Escola de Samba Fura Couro.
Em 2006, a produtora transformou a paixão pela música em trabalho. Atuante em produção cultural e, posteriormente, com formação concluída enquanto musicista, trabalhou em diversos cenários de cultura relacionados com o samba. Entre eles, fez parte da equipe do cantor, compositor, sambista e produtor pernambucano Jorge Riba. O sambista, que é nascido na quadra da agremiação Gigante do Samba, fundada na comunidade da Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, é um dos nomes que impulsionou a contribuição local ao ritmo.
“Depois dessa relação enquanto trabalho, começo entender as tramas, as relações, as tensões entre o samba e política pública, a marginalização, os territórios que aconteciam e acontecem as rodas, e de como esses espaços não eram bem vistos pelas gestões municipais e estaduais a respeito da cultura e isso me incomodava muito. Por isso, comecei a estudar mais e me aprofundar sobre os recortes que abarcavam nossa relação com o ritmo e valorizar as contribuições das lideranças locais”, conta Gabriela.
A produtora complementa que estes entendimentos também trouxeram a preocupação sobre mudar o olhar propagado pelos intelectuais da elite pernambucana que pensa a valorização do samba no estado como uma ameaça à cultura. “Além da falta de registros e documentação, o que já é difícil para o reconhecimento enquanto ritmo que forma a identidade cultural do nosso povo, muitos estudiosos visavam o samba como sendo uma manifestação que vem de fora e que chegou aqui ocupando um espaço inerente ao frevo, como antagonista. Isso me preocupou e me abriu os olhos para pensar em formas de transformar esse olhar”, relata.
Contribuições com a websérie
A produtora cultural afirma à Alma Preta Jornalismo que tem duas expectativas com a chegada do projeto de forma gratuita e digital. “A primeira expectativa é do samba ser reconhecido como patrimônio cultural do estado. A segunda é de tentar levar para a sociedade pernambucana um material bonito e de qualidade e que conte a história do povo negro para que isso seja documentado. Importante que todos eles que fazem a história acontecer tenham o registro e que tenham este espaço como vitrine das suas versões sobre a construção do ritmo aqui”, finaliza.
Para os próximos meses, uma cartilha e um vídeo documentário com os extras do material mapeado serão lançados. Para a produtora, mesmo sem a segurança de um incentivo financeiro, o projeto deve continuar com publicações de novos conteúdos em um cronograma de, no mínimo, uma vez por mês.
“Contando a História do Samba” é fruto do incentivo da Lei de Incentivo à Cultura Aldir Blanc, viabilizado pela Secretaria de Cultura de Pernambuco (SECULT-PE). Para assistir aos episódios lançados, acesse o link.
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