Além de nomear uma nação africana, o Ijexá é um ritmo musical que tem origem Iorubá e foi trazido de África, oriundo da cidade nigeriana de Ilesa, que é banhada pelo rio da orixá Oxum. O ritmo chegou ao Brasil junto com os africanos escravizados, símbolo de uma resistência que persiste até hoje, seja nas cerimônias de Candomblé ou nas músicas populares e comerciais brasileiras.
De acordo com Iya Cristina d’Osun, líder religiosa do Ilê Asé Iyalodê Oyo Asé Olorokê T’ Efon, o Ijexá trouxe a força motriz para que os iorubanos pudessem continuar as tradições religiosas de matriz africana após serem escravizados.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
“Dentro da Diáspora Africana, foi Ketu, os Iorubás Nagôs, os últimos a serem escravizados. Eles trazem o Ijexá numa forma de contribuição para a continuidade dentro da crença e para a não perda de animosidade pela sua crença e pela sua fé. O Ijexá tem a ver com Oxum, tem a ver com a nação Efon, que traz essa alegria rítmica de louvar, de construir e continuar a herança ancestral do Candomblé. Então, ela é de fundamental importância para nosso candomblé de nação Ketu Nagô, Efon e para o grupo étnico ijexá, nação trazida também escravizada”, explica Iya Cristina.
Muito presente no candomblé, o ritmo é empregado e cantado normalmente dedicado para quase todos os orixás, de acordo com o percussionista e Ogan Totó Cruz.
“O Ijexá é um ritmo tocado com as mãos e Oxum é a rainha de Ijexá. Oxum é a dona da terra de Ijexá, juntamente com Logun Ede, com Xangô, Oxaguiã, Exu. Quase todos os orixás tem Ijexá. Ele está muito presente dentro do candomblé e dos terreiros. Ijexá não é um toque quente, é um toque frio, brando, suave e sereno. Nós cantamos para esfriar orixá. Nada é aleatório, tudo tem um porque, tem a sua hora no Candomblé”, destaca o percussionista.
Totó Cruz também destaca que os instrumentos de percussão utilizados normalmente são o hun, o pi, o lé, o agogô e o xequerê, além do idioma cantado ser em iorubá. A Iya Cristina d’Osun pontua que os instrumentos musicais também podem ser modificados de acordo com o momento.
“Candomblé é ritmado com o agogô, com o lé, com o rumpi e o rum (ou hun) para fortalecer e trazer a energia para perto dos humanos. Esses tambores fortalecem o ritmo para que possa, então, preencher a crença e trazer essa força para o salão principal da casa de candomblé. Em uma oferenda pode ser ritmado, às vezes, só com agogô, sem rumpi, sem lé e sem rum. Pode ser ritmado também na palma da mão, no estalar da língua, com aguidavi (varetas utilizadas para a percussão dos atabaques). São várias formas, depende de como a gente vai fazer essa ritmologia para nos fortalecer em crença”, destaca a líder religiosa.
Popularização do Ijexá
A manifestação cultural e afro-brasileira dos afoxés, também identificados como candomblés de rua e muitos presentes na Bahia, saíram do Ijexá. No final do século 19, grupos adeptos da religião de matriz africana iniciaram a prática de cortejos de rua, com tambores, agogôs, afoxés e xequerês, no ritmo Ijexá. Esses grupos foram identificados como afoxés, sendo os Filhos de Gandhy, fundado em 1949, um dos mais conhecidos.
O cantor e compositor baiano Josué de Barros, com a música ‘Babaô Miloquê’, é o responsável por lançar em 1930 uma das primeiras gravações do gênero Ijexá conhecida, anunciada como ‘batuque africano’ e acompanhada pela Orquestra Victor Brasileira. Desde então e com o passar do tempo, o ritmo foi sendo incorporado por diversos cantores como Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Clara Nunes, entre outros.
Com isso e ao longo do anos, o ritmo também foi passando por mudanças e sofrendo assimilações e influências das músicas brasileiras, incorporando também instrumentos da música popular, como violão, bateria, pandeiro, entre outros.
A banda Batanga & Cia, grupo multicultural formado por músicos imigrantes de países como Cuba e Colômbia, com dois integrantes brasileiros, faz um trabalho autoral de convergência rítmica com o uso de instrumentos de percussão, elementos de matriz africana, apostando também em mostrar a relação que existe entre as culturas do continente.
O novo single da banda, ‘Te lo dira La Noche’, lançado nesta quarta-feira (08/02), aposta na utilização de elementos rítmicos e musicais afro latino-americanos, como tambores Batá, ritmo songo, de Cuba, samba, pagode e, inclusive, o toque de Ijexá. De acordo com Pedro Bandera, um dos integrantes do Batanga & Cia, foi do ritmo Ijexá que partiu a concepção e a base de inspiração do novo single da banda, que procurou contar uma história por meio dos arranjos.
“Ijexá é uma cidade no estado de Osun, no interior da Nigéria, então é um lugar real. Inclusive, no rio de lá, contam que era onde as mulheres se escondiam quando as tribos eram invadidas para escravizar as pessoas. Falam que as águas do rio são, na verdade, essas mulheres que se escondiam dentro deles”, explica Pedro Bandera, um dos músicos da Batanga & Cia.
“Eu peguei toda aquela história e eu tentei traduzir ela em música, a partir desse movimento das águas e a partir desse mistério e dos elementos que a letra traz. Então, a gente tentou fazer uma composição em cima de uma história, de elementos históricos que tem tudo a ver com a nossa ancestralidade”, complementa o músico, que tem pesquisa analisando a relação entre instrumentos e ritmos da diáspora musical africana na América Latina.
Com uma letra que conta uma história sobre amor e saudade, a canção abre os trabalhos para a construção do primeiro disco do grupo Batanga & Cia e que tem data prevista de lançamento ainda no primeiro semestre deste ano.
Composta pelo autor cubano Pablosky Rosales e com a participação de músicos da banda Aláfia – que tem nos cultos de matriz africana grande inspiração para o seu trabalho – , a canção também ganhou a interpretação em espanhol da cantora Estela Paixão, integrante do Aláfia, que vê também na mistura de ritmos musicais proposta pela composição uma forma de integração de povos.
“A música começa misteriosa e vai crescendo. Eu acho que a voz traz um pouco desses elementos, mas realmente o arranjo, depois de pronta a música, cresce muito a canção. Eu falo que é um encontro muito solar. A minha voz como instrumento com esse coletivo tão lindo que é a Batanga e eu espero que as pessoas sintam isso também. Nós estamos todos juntos aqui, fazendo música, fazendo arte e espero que as pessoas sintam essa vibração de arte, de coletividade e de povos que estão unidos e juntos”, finaliza a cantora.
Leia também: Yemanjá: a rainha que para uns é branca, para nós é pretinha