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Leandro Firmino: 20 anos de resistência ao racismo no audiovisual

Ator que estreou em "Cidade de Deus" conta detalhes sobre a sua trajetória no cinema e sua formação autodidata; Firmino, em 2022, é protagonista de uma série espanhola sobre uma história real

 

Imagem I Divulgação

Foto: Imagem I Divulgação

23 de março de 2022

O ator Leandro Firmino, 44 anos, comemora duas décadas de atuação no audiovisual com um papel de protagonista na série espanhola “Operação Maré Negra”. A obra conta a história de um grupo de traficantes que, em 2019, levou drogas para a Europa em um submarino artesanal. Em entrevista para a Alma Preta Jornalismo, Leandro conta como foi o começo da carreira e a vivência de ser um ator negro autodidata.

Nascido e criado em Cidade de Deus, Firmino havia acabado o período de serviço militar e fazia planos para o futuro quando um amigo o chamou para fazer um teste para o elenco de um filme. O obra iria contar a história de Cidade de Deus, baseada no livro do escritor Paulo Lins.

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“Não tinha muita pretensão no começo. Lembro que cheguei no local do teste sem camisa e esse meu amigo me emprestou a camisa dele para que eu pudesse gravar. Passei e fui me entrosando com o restante do elenco, eram pessoas também de Cidade de Deus, mas que, diferentemente de mim, já tinham uma experiência no teatro. Foi um aprendizado importante”, compartilha o ator que interpretou o personagem Zé Pequeno. O filme Cidade de Deus foi dirigido pelo Fernando Meirelles e co-dirigido pela Katia Lund.

Para Firmino, o filme trouxe projeção nacional e internacional aos 24 anos de idade. Só no primeiro ano, o filme teve 3,3 milhões de espectadores no Brasil. Depois do sucesso de Cidade de Deus, Leandro entrou para o grupo “Nós no Cinema”, que tinha como objetivo a inclusão de atores negros e periféricos no audiovisual.

“No início, cheguei a ter dúvidas se iria seguir a carreira. Viver de arte já é complicado no Brasil e ser ator negro é mais complicado ainda. Tem muita competição e pouco espaço. Quando a gente liga a TV só tem apresentadores brancos, elencos muito brancos e isso não muda. A luta para mudar isso é muito grande e intensa”, aponta Firmino.

Em 20 anos de carreira, Leandro Firmino só fez um filme, um curta-metragem, que tinha sido dirigido por uma pessoa negra. “Nos últimos eu tenho participado mais de séries, porém, no cinema também é assim, os produtores sempre são brancos, assim como as pessoas envolvidas nos bastidores da produção são brancas. Tenho amigos estrangeiros que sabem que a maioria da população do Brasil é negra e eles dizem que não percebem essa diversidade racial na tela”, comenta o ator.

Ele vive agora na cidade de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Apesar da distância, o artista conta que tem uma ligação familiar e de amizade muito forte com a Cidade de Deus.

“Minha avó chegou à Cidade de Deus em 1965. Ela saiu do Morro de São José, em Madureira, e veio para Cidade de Deus. Naquela época, as pessoas eram mais próximas, não tinha muro entre as casas. O livro do Paulo Lins cita os pomares que tinham na época. A minha família tem histórias sobre essa época, por exemplo, quando o rio de lá ainda era limpo”, relembra o ator, que usou essas memórias e ancestralidades para montar as diversas camadas do personagem Zé Pequeno, para além do traficante sádico e sociopata.

leandro como Zé Pequeno

Leandro Firmino, aos 24 anos, interpretando o personagem Zé Pequeno (Reprodução)

“Pensando agora, 20 anos depois, eu vejo que não teve grandes obstáculos para criar o Zé Pequeno, foi um personagem difícil, com nível de estresse muito alto, uma carga emocional muito alta. Quando eu terminei de filmar, fiz de tudo para jogar aquela energia fora”, explica.

Na sequência de Cidade de Deus, Firmino foi fazer o filme “Cafundó”, do Paulo Betti, sobre um quilombo. “Eu me coloquei como desafio: se conseguisse fazer bem um personagem distante do Zé Pequeno, eu iria continuar a carreira”, diz.

O ator diversificou a carreira com papéis dramáticos e personagens cômicos. “Atuar é se apropriar, por um curto momento, de sentimentos que estão ao seu redor o tempo todo”, continua.

Sem ter feito uma formação clássica em escola de interpretação, Firmino desenvolveu suas técnicas observando outros atores e a cada trabalho realizado. “Aprendi observando o Jonathan Haagensen, o Lázaro Ramos e o Flávio Bauraqui, que na minha opinião é o maior ator do Brasil. Ele é incrível, quando não estou em cena com ele, eu fico ao lado observando tudo o que ele faz”, comenta.

Em “Operação Maré Negra”, ele faz o personagem Walter, que é obrigado a participar do esquema de contrabando de cocaína para a Europa em um submarino artesanal.

“É sobre uma história real que aconteceu em 2019 e as pessoas que viveram essa experiência ainda estão aguardando o julgamento na Espanha. Para fazer o papel do Walter foi muito importante identificar qual seria a motivação dele. Na minha interpretação eu foquei que a motivação dele é o desejo de voltar para a casa e para a sua família. É isso que faz ele ir adiante”, explica o ator.

“Operação Maré Negra”, que tem também o ator Bruno Gagliasso no elenco, é do catálogo da Amazon Prime e tem quatro episódios nesta temporada. Firmino também atua na quarta temporada da série “Impuros” (Star+) e na segunda temporada da série “El Presidente”, também da Amazon Prime.

Na televisão aberta, Leandro Firmino participou das séries “Cidade dos Homens”, “A Diarista” e “Carga Pesada”, na Rede Globo. Na Rede TV, participou da série “Mano a Mano”. Em 2015, apresentou a série “Minha Rua”, exibida no Canal Futura, com direção de Luis Lomenha. No cinema, atuou em “Trash”, ao lado de Rooney Mara. Seu papel seguinte foi no filme “Goitaca”, de Rodrigo Rodrigues, com Marlon Blue e Lady Francisco. Em 2019, Leandro fez sua primeira novela, “Órfãos da Terra”, na Rede Globo.

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