Lélia Gonzalez nasceu no dia 1 de fevereiro de 1935 e faleceu em 10 de julho de 1994, aos 59 anos de idade. O tempo em vida foi o suficiente para produzir reflexões utilizadas como alicerce para a luta contra o racismo e a violência dirigida a mulheres negras. Apesar disso, a família acredita que a intelectual e ativista não tem um reconhecimento à altura do legado deixado.
“Ela morreu e 27 anos depois o reconhecimento começou a vir”, conta Melina de Lima, neta e co-fundadora do projeto Lélia Gonzalez Vive, grupo dedicado a resgatar a memória da ativista. Aos 36 anos, Melina explica que a organização é dedicada a disseminar o pensamento de Lélia para além do ambiente acadêmico, utilizando como principal meio de comunicação as páginas no Facebook e Instagram.
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Militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Lélia Gonzalez teve o legado reconhecido pela entidade, segundo Melina. A sociedade de modo geral, contudo, precisou de outras chancelas para exaltar a trajetória da autora de conceitos como “pretuguês” e “Améfrica Ladina”. Em 2019, a ativista norte-americana Angela Davis esteve no Brasil e, em passagem por São Paulo, destacou a relevância da intelectual e ativista brasileira. “Eu acho que aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês, comigo”.
“Foi preciso a Angela Davis, uma negra feminista norte-americana, falar para começarmos a ler Lélia Gonzalez. Eu falo que essa é síndrome de vira lata”, pontua.
A maior procura pelo nome de Lélia mobilizou a família a construir o Instituto Memorial Lélia Gonzalez, que deve ser lançado de maneira oficial em aproximadamente 2 meses. A iniciativa, desenvolvida pela família de Lélia, será em Brasília, ainda sem espaço físico, e está em busca de parcerias institucionais para o desenvolvimento de ações e projetos, como formações para o combate ao racismo na área da educação.
“O instituto vai exaltar e respeitar a memória de Lélia, porque a gente passa por uma situação de histórias desencontradas, que não são verdadeiras, e agora teremos um canal oficial para se saber tudo sobre Lélia Gonzalez. Ninguém melhor do que a família para falar sobre ela”.
De início, o espaço também será o canal de comunicação para a publicação e tradução de obras de Lélia. “A gente está num momento de tradução dos livros dela, do ‘Por um feminismo Afrolatina Americano’ e o ‘Primavera para as Rosas Negras’. Estamos em diálogo para a tradução para países como Cuba, Alemanha e França. A gente está em contato com uma série de editoras, que entram em contato com a gente para pedir a autorização para a traduzir”.
Em 2018, a União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA) organizou a publicação do livro “Primavera para Rosas Negras”, a primeira publicação póstuma de Lélia, 24 anos pós a sua morte. A obra é uma coleção de artigos, muitos deles inéditos.
Em 2020, as pesquisadoras Márcia Lima e Flávia Rios publicaram, junto a editora Zahar, a obra “Por um Feminismo Afrolatino Americano”. Além de artigos, o livro apresenta entrevistas e a participação em assembleias no exterior. A publicação vendeu cerca de 25 mil exemplares. Em 2 de Maio, foi relançado o livro “Lugar de Negro” pela editora Zahar, e a editora Boitempo planeja publicar a obra “Festas Populares”, em 2023.
A avó presente
Historiadora e pesquisadora nas áreas de eugenia, pós abolição e o legado de Lélia, Melina de Lima acredita que a área de estudo foi influenciada pela avó. “Quando ela faleceu eu tinha só oito anos, eu era bem pequena, mas a influência dela sempre esteve na nossa vida. Eu fiz história justamente para entender o porquê da condição da população negra ser essa. Minha avó sempre falava, que ‘a gente precisa conhecer a nossa história para a gente poder lutar e ter consciência da mudança, de gritar que precisamos de mudança’”.
A avó também colaborou em decisões de ordem pessoal, como a sexualidade. “Eu sou mulher, negra, e lésbica. Até para a questão de me assumir, mesmo sem ela aqui fisicamente, eu sabia que ela iria me apoiar. Foi uma ajuda para eu me assumir, porque nos anos 80 ela já falava sobre as questões LGBTQIA+. Ter essa segurança de que a minha avó me apoiaria sempre foi muito importante”.
Carioca e residente em Brasília há 20 anos, Melina de Lima diz que “demorou para ter coragem de assumir esse legado”. O motivo, a grandeza da avó. “Lélia Gonzalez é gigante”, conta. “Eu demorei para ter coragem para falar sobre, mas é a nossa vida, então a gente está pronto para lutar e respeitar esse legado e memória”, completa.
Melina de Lima durante o 19° Congresso do Movimento Negro Unificado (MNU) (Foto: Pedro Borges/Alma Preta)