Falecida em 1952, aos 74 anos, Joanna era uma mulher negra e compôs “Vassorinhas”, considerada um hino que embala os foliões durante o Carnaval; A Bisneta, Amara Cristina Ramos, reforça a importância do legado da sua bisavó
Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Reprodução/Documentário “Cem Anos de Vassourinhas”
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“A tristeza, Vassourinhas, invadiu meu coração, ao pensar que talvez nunca, nunca mais te veja, não”. A ‘Marcha Nº 1’ de Vassourinhas já anuncia a saudade de um ano marcado pela não realização de uma das maiores festas populares do Brasil. O tradicional Carnaval pernambucano foi cancelado, mas vale lembrar sobre sua importância identitária, que atrai foliões para lugares com as ladeiras do Sítio Histórico de Olinda, onde fica o clube batizado com o nome da marcha mais popular. Marcada por sua atemporalidade, a canção, hoje, 9 de fevereiro, ‘Dia do Frevo’, carrega uma história ainda desonhecida pela maioria dos amantes do ritmo: a autoria da composição, de 1909, que virou a mais popular do Carnaval do estado, é uma mulher negra e ela se Joanna Baptista Ramos.
Ao lado do músico Mathias da Rocha, Joanna pôde, mesmo sem saber, romper com o protagonismo masculino da cultura de sua época quando compôs a primeira marcha, às margens do Rio Beberibe, na altura do bairro Porto da Madeira. A versão original tinha letra, mas aos poucos o instrumental se sobressaiu e virou o ritmo mais ouvido e dançado durante a festa de momo. Com poucos recortes de registros de sua história, Joanna havia assinado um documento de registro da canção, descoberto por Evandro Rabello – folclorista e pesquisador pernambucano – no 2º Cartório de Registro Especial de Títulos e Documentos, no bairro de Santo Antônio, no centro do Recife.
No ano seguinte, a música foi vendida por “três mil réis” para o Clube Carnavalesco Vassourinhas de Olinda. A data pôde ser confirmada através do acervo de recibos do bloco. Porém, só 35 anos depois, na voz dos músicos Déo e Castro Barbosa, a primeira gravação em estúdio foi feita pelo selo Continental. De lá para cá, foram inúmeras as concessões e regravações.
Anteriormente tocada como a canção que representava apenas a volta do bloco à sua sede, conhecida como a “marcha de regresso”, ela ainda recebeu uma versão instrumental tocada pelas orquestras que participam da festa. Para quando os foliões estiverem cansados, os sons dos trompetes já anunciam um recomeço, uma forma de recarregar as energias para o carnaval não acabar por ali.
Entrelaçada à história da marcha, ainda se sabe que Joanna faleceu no ano de 1952, aos 74 anos, e trabalhava com serviços domésticos. As escassas informações tiverem reconhecimento público pelo levantamento feito pela produtora cultural Tactiana Braga e os jornalistas Camerino Neto e Maíra Brandão, que seguem em pesquisa sobre a história da compositora para a conclusão do filme “Joanna – Se Essa Marcha Fosse Minha”.
Através desta produção e a inquietude dos pesquisadores, parte das gerações seguintes da linhagem de Joanna puderam não só se encontrar, como conhecer mais de sua história. Uma das contempladas foi a bisneta de Joanna, a auxiliar de serviços gerais, Amara Cristina, também conhecida como “Cris”. Aos 47 anos, Cris relata que o contato do seu pai com a avó foram de poucos momentos, por ser criado pela família materna, o que não anulou a carga hereditária, o apreço por ouvir e fazer música.
“Meu pai sempre tocou em escola de samba, por exemplo, sem nem mesmo ter contato com a minha bisavó, O mesmo aconteceu com meus irmãos, que sem saberem sobre a história da nossa família ligada à música, sempre gostaram de tocar pagode. Eu já fui no Clube do Vassourinhas uma vez, por gostar de carnaval, mas nem sonhava com Joanna. Então, acredito que isso já faz parte da nossa raíz, de toda a família”, conta a bisneta.
Para Cris, o conhecimento sobre a história da sua avó é sinônimo de orgulho e honra, não só para a data festiva que é o carnaval, mas para a história do movimento de mulheres que atuaram ativamente na cultura do Estado.
“Por ela ser uma mulher negra, trabalhadora, lavadeira, a única mulher a se envolver em um meio que não tinha mulher, para mim, é um exemplo; exemplo de muita força, muita garra, alguém que eu gostaria de ter conhecido pessoalmente. Fico muito feliz em fazer parte da sua linhagem e por acreditar no feito de uma mulher que conseguiu realizar algo tão grandioso, como ela fez, para nossa história”, afirma Cris.
Ao ser questionada como ela acha que a avó agiria nos dias de folia e Frevo sem Carnaval oficial, a bisneta reafirma que, pela força de sua ancestral, ela tem certeza que Joanna daria um jeito de se fazer presente na grande festa, no formato que fosse.
Em homenagem à bisavó no Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha, 25 de julho de 2019, Cris participou da gravação da marcha ao lado de grandes nomes da cena musical regional negra, como as cantoras Isaar, Gabi da Pele Preta, Paz Brandão e Sue Ramos. Para ela, a ação foi uma forma de reacender o legado de Joanna.
Confira as estrofes originais da “Marcha Nº 1”, escrita por Joanna Baptista Ramos:
Somos nós os Vassourinhas
Todos nós em borbotão
Vamos varrer a cidade
Ah, isto não! Ah, isto não!
Tu bem sabes o compromisso
Ah, isto não! Não pode ser
A mostrar nossas insígnias
E a cidade se varrer
Ah! Reparem meus senhores
O pai desse pessoal
Que nos faz sair à rua
Dando viva ao carnaval