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“Olhos de Erê”: curta-metragem feito por quilombola de seis anos é premiado

Morador do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, em Minas Gerais, Luan Manzo conseguiu com o prêmio custear sua iniciação no candomblé

Imagem: Acervo Pessoal

Foto: Imagem: Acervo Pessoal

15 de junho de 2022

“Luan, pare de filmar as pessoas sem autorização”, disse a líder comunitária do quilombo Manzo Ngunzo Kaiango (MG), Cássia Cristina, conhecida como Makota Kidoialê, ao seu neto Luan Manzo, de apenas 6 anos na época, quando percebeu que a criança estava filmando e dando descrições bastante detalhadas sobre o que acontecia no terreiro de candomblé.

É assim que nasceu o curta-metragem “Olhos de Erê”, trabalho despretensioso, mas que rendeu ao jovem Luan o primeiro lugar no 6º Prêmio BDMG Cultural. Kidoialê conta à reportagem da Alma Preta Jornalismo que seu neto sempre teve interesse em filmar as coisas, pessoas e até contracenava em novelas que ele mesmo criava.

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Com o celular da avó, o pequeno Luan descreve detalhadamente todo o terreiro, os fios de conta – que representam os orixás e nkisses – e os locais em que os rituais são feitos. Ele ainda fala que existem espaços em que não se pode filmar em respeito aos mistérios da religião.

“Quando eu peguei meu celular, vi que havia um vídeo de mais de dez minutos, com tudo muito detalhado. Mostrei o vídeo para um parceiro da comunidade, que é produtor audiovisual, e ele deu a ideia de inscrever o vídeo em um edital”, conta a avó de Luan.

O produtor, chamado Bruno Vasconcelos, conta que o pequeno Luan tinha apenas um celular em suas mãos, uma câmera, quando a partir disso ele se solta para mostrar tudo que acha interessante.

“Há misturas, solenidade e graça, rapidez e também uma escala de tempo imemorial”, ressalta o produtor.

O prêmio e o que mais veio com ele

Ao descobrir que foi contemplado com o primeiro lugar do 6º Prêmio BDMG Cultural, na categoria “Curta-Metragem de Baixo Orçamento”, o pequeno Luan não teve dúvidas do que faria com o prêmio de R$ 6 mil: sua iniciação no candomblé.

“Ele falou: ‘vó, esse dinheiro é para o meu santo. E, se der, para o santo da minha mãe e do meu irmão também’. Então assim foi feito”, conta Kidoialê.

O pequeno Luan Manzo, sua mãe e irmão | Créditos: Acervo PessoalO pequeno Luan Manzo, sua mãe e irmão | Créditos: Acervo Pessoal

Porém, Luan não parou por aí. A avó do garoto conta que o pequeno descobriu que o cantor Carlinhos Brown era filho do orixá Omolu. A partir dessa informação, Luan então decidiu gravar um vídeo cantando para o orixá a fim de abençoar Carlinhos e dar ao cantor “muita saúde”.

“Acho que as pessoas começaram a marcar o Carlinhos Brown nas redes sociais, até que ele respondeu o Luan. Aí eu contei para ele e ele disse ‘nossa, vó, bem que o Carlinhos Brown podia arrumar uns seguidores para mim’. Eu caí na risada com a simplicidade dele”, diz a avó do menino.

Comunidade, educação, e curiosidade

Segundo Makota Kidoialê, Luan, hoje com 8 anos, sempre foi interessado nas atividades da comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango. O quilombo não possui uma escola em seu território, portanto, durante a pandemia, os moradores descobriram uma forma de passar conhecimentos ancestrais às crianças com o projeto “Edukação de Kilombu – Afrobetização”.

A líder conta que a iniciativa permite que as crianças da comunidade aprendam a respeito da cultura afrobrasileira e sobre as religiões de matriz africana, assunto que interessa ao Luan desde muito novo.

Outro fato interessante sobre o pequeno cineasta, de acordo com sua avó, é que ele aprendeu a ler e escrever sozinho durante a pandemia. Entre 2020 e 2021, Kidoialê destaca que Luan ficou sem aulas tradicionais devido ao isolamento social, mas que isso não impediu o quilombola de se autoalfabetizar.

“Ele utilizava da assistente do Google para aprender. Tudo sozinho. Ele falava com o celular coisas do tipo ‘como escrever tal coisa’. E daí aprendia. Luan é totalmente autodidata. Desde que ele tinha um ano de idade ele se interessava por celular”, diz.

“Quando ele ainda era bebê, ele via alguém com o celular na mão e dizia para a pessoa por a ‘tenha’, que na verdade era para a pessoa desbloquear com a senha. Daí pronto, mostrava para ele uma vez e ele já aprendia. E o interesse sempre foi a câmera, nunca os jogos”, relembra a avó de Luan.

“As crianças ensinam muito para a gente”

Para Makota Kidoialê, Luan é um exemplo de como a simplicidade das crianças podem ensinar os adultos a se cobrarem menos. Para ela, o pequeno gesto de filmar o terreiro de candomblé pode ser útil para que mais pessoas aprendam sobre as religiões de matriz africana.

“As crianças ensinam muito para a gente. Quem sabe as pessoas vendo o filme que o Luan fez elas passem a ter menos preconceito com candomblé, umbanda e vejam quanto riqueza e conhecimento um quilombo pode proporcionar. Pode ser que outras crianças se inspirem a criar coisas também”, pondera a líder comunitária.

Luan Manzo | Créditos: Acervo PessoalLuan Manzo | Créditos: Acervo Pessoal

O curta “Olhos de Erê” já foi exibido em diversos festivais e continua gerando algum rendimento a Luan. Com o dinheiro, que está em uma poupança, ele pretende tomar sua obrigação de um ano no candomblé em setembro, segundo sua avó.

Atualmente, Makota Kidoialê contou à Alma Preta Jornalismo que Luan Manzo está envolvido em mais uma de suas “produções”, a novela “O Tronco Pegou Piolho”, em que o pequeno quilombola interpreta quatro personagens. “Às vezes ele se perde, troca de roupa, volta, grava. Vamos ver o que vem por aí”, finaliza.

Leia também: ‘Seleção de filmes e livros para pensar uma educação antirracista’

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