Obra é fruto da dissertação de mestrado em Ciência da Religião da autora Claudia Alexandre, com vivência e trânsitos nas religiões de matrizes africanas e nos sambas
Texto: Redação | Edição: Nataly Simões | Imagem: Fotos Públicas
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O terreiro que a tela da televisão não é capaz de registrar quando se trata do carnaval negro é abordado no livro “Orixás no terreiro sagrado do samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai”, da jornalista e pesquisadora Claudia Alexandre. A autora adentrou a encruzilhada da Vai-Vai, um território negro paulistano onde reinam Exu, o orixá mensageiro, e Ogum, o guerreiro.
A Escola de Samba Vai-Vai foi fundada em 1930 por um grupo de pessoas negras e apesar das transformações inerentes ao tempo, ainda mantém um sistema religioso que ultrapassa os limites do sagrado-profano, em total conexão com os valores ancestrais. A obra evoca a ancestralidade para mostrar como outras linguagens e outras expressões foram reinventadas em redes de pensares, saberes, fazeres e negociações, que driblaram todas as tentativas cruéis de se fazer esquecer um passado ou para eliminar sujeitos de sua própria história.
Para Claudia, o terreiro sagrado da Vai-Vai é lugar de reverenciar nomes de gente que reza e continua sambando entre os seus. É o encontro constante do passado com o presente, na trajetória de Pé Rachado, Geraldo Filme, Chiclé, Dona Nenê, Dona Marcinha, que ainda estão ali em todos os altares que são acesos por Fernando Penteado, Osvaldinho da Cuíca, Thobias da Vai-Vai e Sandrinha, que cuidam do quarto de Exu e Ogum.
“O que eu encontrei nessa escola de samba foi uma tradição que revive a matriz africana e surpreende porque está ali na encruzilhada de Exu, não apenas dando sentido identitário à comunidade, mas político e de resistência também. Os símbolos do Candomblé, envolvidos na rotina da festa, o calendário religioso, embalados pelos sambas formam um verdadeiro terreiro sagrado do samba em plena São Paulo”, conta a autora.
Com prefácio do doutor Vagner Gonçalves da Silva da USP (Universidade de São Paulo) e apresentação do presidente de honra Thobias da Vai-Vai, o livro é fruto da dissertação de mestrado em Ciência da Religião, defendida em 2017 pela autora na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Claudia tem vivências e trânsitos nas religiões de matrizes africanas e nos sambas e apresenta em seu estudo uma investigação sobre as origens das manifestações afro-brasileiras desde os primeiros batuques, onde as práticas dos povos negros se confundiam entre o profano e o sagrado, até as passarelas do samba, onde destaca a experiência da comunidade negra que ocupou o famoso bairro do Bexiga, na caputal paulista, e deu origem à Vai-Vai.
“Acho importante destacar que encontrei uma religiosidade na escola de samba Vai-Vai para além do resultado estético do espetáculo apresentado nos desfiles carnavalescos, algo que não se vê na tela da televisão. O olhar fragmentado, reproduzido pelos meios de comunicação, será incapaz de revelar o que sustenta a devoção daqueles sambistas no momento máximo da festa. Com certeza, ali a paixão transcende o componente e a escola de samba na passarela parece se transformar em um templo religioso”, pondera a autora.
Foto: Divulgação
A obra é dividida em três capítulos: o primeiro, “Batuques e performances do corpo negro: onde resistiu sagrado e profano”, explora alguns acervos da cultura afro-brasileira para descrever como práticas rituais dos negros escravizados romperam perseguições e opressões e se mantém em manifestações da cultura popular. Mostra como samba, a roda de samba e as escolas de samba ganharam as ruas e se espalharam em expressões culturais populares. Focaliza a cidade de São Paulo, incluindo um breve histórico sobre práticas rituais de Macumba, Umbanda e de Candomblé na capital paulista.
No segundo capítulo, “Vai-Vai: um território negro”, é abordada a formação do Bexiga, bairro da região central, onde está localizada a quadra de ensaios, ou o terreiro de samba, do Grêmio Recreativo Escola de Samba Vai-Vai. Investiga como a origem da agremiação carnavalesca se inse- re no contexto sócio-político-cultural da cidade; aborda o valor da ritualidade indispensável para as práticas das tradições de matrizes africanas, que também estão presentes nas escolas de samba.
Já o terceiro e último capítulo, “Exu e Ogum no terreiro do samba”, é voltado para as práticas de Candomblé realizadas na escola, mostrando como o terreiro de samba é concebido pela comunidade como “terreiro sagrado”, onde práticas de devoção aos orixás patronos. O pósfácio reverência as matriarcas da tradição do culto a Exu na Vai-Vai, Mãe Nenê e Dona Marcinha, dando centralidade à figura da mulher nas tradições de matrizes africanas e também na constituição histórica das escolas de samba, remetendo a Hilária Batista de Almeida, Tia Ciata de Oxum (1854-1924), mulher negra, nascida em Santo Amaro da Purificação (Bahia), que se tornou um símbolo da formação das primeiras redes de solidariedade no Rio de Janeiro (século XIX), possibilitando a proteção para o surgimento do samba e, posteriormente, das escolas de samba.
O livro Orixás no terreiro sagrado do samba: Exu e Ogum no Candomblé da Vai-Vai está disponível para venda no site da Editora Aruanda e a autora também o apresentará online na Flisamba – Feira Literária do Samba, às 18h deste dia 10 de fevereiro.