Tratamento de imagens divulgadas pelo GShow embranqueceram campeã do BBB 20, que chegou a ser chamada de “rainha acinzentada”
Texto / Guilherme Soares Dias | Edição / Simone Freire | Imagem / Reprodução
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
O ensaio fotográfico com a médica Thelma Assis, campeã do Big Brother Brasil (BBB) 20, divulgado pelo GShow no último sábado (2), causou polêmica na internet. Thelma aparece vestida de rainha, com coroa e um trono, mas com pele acinzentada. Os internautas acusaram a emissora de embranquece-la e não saber representar a cor real da médica nas imagens.
Houve quem reeditasse as fotos para mostrar que o ensaio poderia ter ficado mais “vivo” e muitos lembraram da importância de ter mais fotógrafos e editores negros atuando no mercado.
A roteirista e educomunicadora Renata Martins afirmou que o ensaio representa a semiótica do racismo. “Não é sobre dinheiro, tampouco sobre ‘é difícil iluminar a pele negra’. Mas sobre o olhar e como esse olhar pode ser insensível à construção da imagem negra”, escreveu em post no Facebook.
Matheus Alves, fotógrafo documental dedicado à causas sociais de luta pela terra e identidade, lembra que na fotografia de estúdio a luz é a mesma para todas as pessoas. “O que muda é a fotometria e o tratamento das imagens. Tem pessoas com resquícios racistas que acreditam que quanto mais retinta a pele é mais difícil. As técnicas fotográficas sempre foram racistas na busca por pele alvas e a eliminação de sombras, por isso, as peles escuras sempre foram tabu”, ressalta.
Não aguentei,e editei uma foto do ensaio da Thelma do BBB ,a mulher tava cinza ,Globo me contrata rsrsr pic.twitter.com/sI9LTzFuC8
— Lukaxxx (@Lukaxflop) May 3, 2020
De acordo com ele, quando há a contratação de profissionais negros para ensaios como esse, o olhar muda. “Há outra sensibilidade para a fotografia, desde a expressão da modelo, das cores que serão usadas, tratamento dos símbolos. Elas vão valorizar símbolos que as pessoas brancas não conseguiriam. O que incomoda não é a luz, mas sim o tratamento. A falta de cores, que é algo muito fácil de corrigir”, considera.
Dicas
A primeira dica dada por Alves é ter profissionais negros na equipe, já que considera que o olhar é primordial. “Como a pessoa enxerga a pele e como vê aquele estereótipo. Se para a pessoa a pele negra, escura, é um problema, ela vai buscar formas de mudar isso. Para ter uma pele brilhante, com traços escuros não tem técnica. É o olho! Se não for profissional negro não vai entrar em harmonia”, afirma, lembrando que uma das estratégias usadas por fotógrafos é usar rebatedor dourado e saturação no amarelo.
Já o fotógrafo, Thiago Borba, criador do projeto Black is Beautiful, uma série de retratos de afrobrasileiros, ressalta que, geralmente, os erros em ensaios com pessoas negras vêm antes da luz e do tratamento de imagem.
Borba classifica a questão como delicada e ressalta que além da ausência de maquiagem para pessoas retintas no Brasil ainda existe um ideal de beleza que se ancora num padrão eurocêntrico. “‘Esbranquiçar’ uma pele retinta não deixa de ser uma tentativa de encaixá-la neste padrão, mesmo que para isso tenha que se diminuir a negritude de uma pessoa, tornando-a mais palatável aos olhos da sociedade racista que vivemos”, considera.Para ele, é na maquiagem que se define uma boa parte do resultado de cor final da pele. “Infelizmente as marcas de make no Brasil ainda não descolonizaram seu padrão de beleza e não comercializam maquiagem para pele negra, o que leva os maquiadores adaptarem seus produtos as pessoas retintas, e, por sua vez, esbranquiçando o tom de pele”, afirma.
Diversidade de peles e tons
Entre as dicas dada pelo fotógrafo, caso o profissional não tenha os produtos necessários para pele retinta, está o de não usar nenhuma base e sim óleo de bebê. “Isso realça o brilho e a potência de uma pele retinta. Feito isso, a luz e o tratamento da imagem irão potencializar a escolha de legitimar a beleza da pele preta”, reforça.
Entre as especialistas em maquiagem para pele preta, Maili Santos, maquiadora e fundadora do Studio Móvel Maili Santos em Salvador (BA), afirma que o ensaio causou desconforto. “É vergonhoso, pois descaracterizaram a cor de Thelma. Ela é uma mulher negra e ficou acinzentada nas fotos. Quando a gente se automaqueia está sujeito a cometer deslizes, porém é necessário aprender com esses erros”, afirma.
A profissional considera que o erro cometido foi um dos piores que poderia ter ocorrido, uma vez que a edição do programa pautou a discussão do feminismo e do racismo e o ensaio não representou essas pautas. “Além da cor de Thelma me incomodou ser uma equipe totalmente branca. Seria muito importante ter pessoas negras trabalhando na beleza dela”, afirma.
Para ela, os maquiadores precisam estudar e entender melhor sobre a pele negra. “Isso vem desde a escolha dos melhores produtos. Ainda é tabu para profissionais de maquiagem. Temos diversidade grande de tons. E no mesmo rosto pode haver partes mais claras e mais escuras. É preciso achar o tom ideal para cada pessoa. As famosas ‘misturinhas’ são importantes, assim como os melhores pontos de iluminação para achar a harmonia”, ressalta.
*Imagem interna: Thiago Borba.